28 Junho 2025
"A natureza simbólica, figurativa e virtual do pão e do vinho não são antitéticas à verdade, realidade e substancialidade do corpo e do sangue. O Movimento Litúrgico e a reforma conciliar nos entregaram uma experiência mais rica e articulada da presença do Senhor em sua igreja, que nos liberta da obsessão do 'ver' como prova da substância. Toda vez que comemos o pão abençoado e partido, e toda vez que bebemos do cálice compartilhado da nova aliança, anunciamos que o Senhor ressuscitado está efetivamente morto e que o Crucificado vive para sempre no corpo da Igreja, que aguarda o seu retorno no final dos tempos."
O artigo é de Andrea Grillo, teólogo italiano, publicado em 24-06-2025 no blog: Come se non. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em geral, pode-se dizer que os sacramentos são a “forma visível da graça invisível”. Essa expressão, de origem agostiniana, marcou profundamente a teologia escolástica dos sacramentos, a partir de Pedro Lombardo. Essa afirmação vale para todos os sacramentos, mas em nenhum outro, como na Eucaristia, essa tensão foi aprofundada a ponto de criar uma dupla linguagem:
Sobretudo a primeira distinção merece um aprofundamento, porque se afirmou precisamente como a diferença entre a “substância” e as “espécies”, para dizer que “outra coisa se vê” e “outra coisa se crê”. Essa teoria teve um impacto profundo na experiência. Vejamos como.
Ao contrário dos outros sacramentos, de fato, a Eucaristia teve que enfrentar, a partir do século IX, uma discussão profunda e longa sobre a modalidade como o Corpo de Cristo está presente no sacramento: tudo começa com a pergunta que um rei (Carlos, o Calvo) coloca nos seguintes termos: “Quod in Ecclesia ore fidelium sumitur corpus et sanguis Christi... in mysterio fiat, an in veritate” (O que na Igreja é assumido pela boca dos fiéis é o corpo e o sangue de Cristo em mistério ou em verdade?). Assim, ao longo dos séculos, criou-se uma espécie de paralelo entre “mistério” e “espécie”, entre “verdade” e “substância”. A especificação teológica traduziu, portanto, bem cedo a diferença com as palavras species e substantia: a forma visível é expressa com “espécie”, enquanto a graça invisível é chamada de “substância”. O pão e o vinho se reduzem a “espécie”, enquanto o Corpo e o Sangue são considerados substância. Portanto, não é totalmente verdade que a substância se converte, enquanto o pão e o vinho “permanecem”. Sua permanência sofre uma mudança, pelo menos no nome: o pão e o vinho passam a ser chamados de “espécie”. Isso para não criar um conflito entre substâncias concorrentes: do pão e do vinho resta apenas a “espécie”, enquanto a substância se converte totalmente na verdade do corpo e do sangue.
O que indica esta palavra “espécie”? No sistema de referência, que São Tomás, ao formular a teoria, adquiriu de Aristóteles, o termo correlativo à substância não é espécie, mas “acidente”. Acredito que se poderia aprender algo com esse termo alternativo, talvez compreendendo melhor os limites da visão expressa por “espécie” e recuperando o papel da ação.
Espécie, de fato, significa “o que se vê, o que aparece”, enquanto acidente significa “o que acontece, o contingente, o que me toca”.
Parece-me que, em relação à “substância”, a integração que os “acidentes” realizam possa ser mais rica e complexa. Vou tentar me explicar melhor.
Chamar de “espécie” o pão e o vinho enfatiza exclusivamente o fato de que são “formas visíveis”: são a parte visível do sacramento. “Espécie”, como palavra, utiliza e solicita apenas o registro da visão. Isso inclina naturalmente toda a relação para o registro visivo e visual. Visão (das espécies) e contemplação (da substância) são as principais vias de relação com o sacramento, enfatizadas por uma linguagem por isso muito unilateral.
A palavra “acidentes”, por mais abstrata que seja, poderia ajudar a compreender algo maior e mais profundo. O pão e o vinho não são meros “suportes” da substância, mas entram com ela numa relação mais complexa: o pão e o vinho não são apenas “vistos”, mas são tomados, levados ao altar, tornados objeto de oração de ação de graças e bênção, o pão é partido, ambos são dados e, enquanto são comidos e bebidos, recebem a palavra de autoridade que prega seu caráter de corpo dado e de cálice do sangue derramado.
Dizer acidentes, em vez de espécies, pode permitir levar em conta, de forma mais completa, a pluralidade de ações que a celebração eucarística recorda. O pão e o vinho não são, em primeiro lugar, “aparências” de uma substância diferente. São os acidentes que permitem um acesso à substância não apenas visivo, mas “contingente”, onde contingente indica uma pluralidade de ações, que se destacam no centro da memória eclesial. O texto que muitas vezes definimos redutivamente como “consagração” é constituído por estas ricas palavras:
Estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão, tomou o pão, pronunciou a bênção de ação de graças, partiu e o deu a seus discípulos e disse:
Tomai e comei todos: isto é o meu Corpo oferecido em sacrifício por vós. Da mesma forma, depois de jantar, tomou o cálice, novamente deu graças, deu-o aos seus discípulos e disse:
Tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim.
Todos os termos escritos em itálico indicam as “ações” que são realizadas com o pão e o cálice: por isso, chamar o pão e o vinho de “espécies” tem um grande efeito sobre a experiência e os reduz a “entes apenas visíveis”: a categoria de “acidentes”, ao contrário, apesar de ser igualmente formal, preserva melhor a função das ações que dizem respeito ao pão e ao vinho de maneira estrutural.
Outro aspecto que deve ser considerado é a contribuição que a reforma do Missal Romano soube dar a essa ampliação da experiência. Até 1969, de fato, as fórmulas das palavras sobre o pão e o cálice eram construídas de maneira diferente (aprendi essa importantíssima distinção no belo estudo de Zeno Carra, Hoc facite, Assis, Cittadella, 2018). Eis o texto do missal tridentino, na última versão de 1962:
Qui pridie quam paterétur accépit panem in sanctas ac venerábiles manus suas et elevátis óculis in coélum, ad te Deum Patrem suum omnipoténtem, tibi grátias ágens, fa bene díxit, fregit, dedítque discípulis suis, dicens: Accípite, et manducáte ex hoc ómnes.
HOC EST ENIM CORPUS MEUM.
Símili modo póstquam cenátum est accípiens et hunc præclárum cálicem in sanctas ac venerábiles manus suas: item, tibi grátias ágens bene díxit, dedítque discípulis suis, dicens: Accípite et bibíte ex eo ómnes.
HIC EST ENIM CALIX SÁNGUINIS MEI,
NOVI ET ÆTÉRNI TESTAMÉNTI:
MYSTÉRIUM FÍDEI:
QUI PRO VOBIS ET PRO MULTIS
EFFUNDÉTUR IN REMISSIÓNEM
PECCATÓRUM
Como fica evidente também pelos caracteres utilizados nos textos citados, a “fórmula” na versão anterior à Reforma Litúrgica concentrava-se apenas na pregação do EST referida ao pão e ao cálice do vinho, que assim eram identificados com o corpo e o sangue de Cristo. A ausência do contexto de ações, presentes apenas na oração, mas não na fórmula, tornou mais fácil identificar durante séculos o sacramento apenas no plano de uma “conversão da substância”, deixando que o pão e o vinho se degradassem a “espécies”, a aparências. O que acontece com eles, na nova fórmula, faz parte da própria fórmula: tanto o tomar, quanto o comer, quanto o “dar por”. O verbo “est” não se refere a um objeto, mas a uma ação: essa é a grande novidade recuperada dos primeiros séculos e restituída à consciência eclesial pelo novo Ordo Missae.
Por isso, uma ampliação da experiência pode passar também pela correção de uma expressão demasiado simples, demasiado abstrata, da qual fazemos uso de forma demasiado despreocupada, como acontece com o termo “espécie”. Da mesma forma, também a “substância” é enriquecida pelo fato de estar em relação não apenas com uma “aparência”, mas com um “acidente”, um “acontecimento” que, em sua contingência, constitui um elemento insuperável para compreender e viver o sentido teológico do sacramento.
A palavra “espécie” induz apenas a olhar e facilita a separação da Eucaristia em duas partes desconexas: o sacramento, como substância, e seu uso relativamente autônomo. Por outro lado, como já descobrimos, justamente considerando a nova fórmula introduzida pela reforma litúrgica, é evidente que a expressão “isto é” não se refere a um “objeto”, mas a uma “ação”: tudo o que Jesus fez na última ceia (tomar o pão, dar graças, partir, dar e dizer) constitui o referente daquela identificação com seu corpo e seu sangue.
Por isso, a memória dele não está apenas nas “palavras sobre o pão e sobre o cálice”, mas, principalmente, nas “ações com o pão e com o cálice”, que encontram sua forma mais completa em toda a sequência ritual da missa: ou seja, após a liturgia da palavra, ela começa com a “apresentação das oferendas” (“tomadas”), prossegue na “oração eucarística” (“deu graças”), na fração do pão (“partiu-o”), no rito da comunhão (“deu-o aos seus discípulos”) e nas palavras que o ministro da comunhão diz ao entregar a hóstia (“Corpo de Cristo”). Toda essa sequência é o “isto” que é identificado como corpo e sangue do Senhor.
Se estivermos conscientes dessa riqueza, podemos evitar usar aquela expressão feia, que soa como “receber a comunhão SOB uma (ou duas) espécies”. A comunhão, como rito que realiza cada eucaristia, nunca acontece “sob” uma espécie, mas “por meio” do pão e do vinho, no acontecimento da verdade substancial através do tomar, do rezar, do partir, do dar e do dizer, com e sobre o pão e o vinho: no comer e no beber esse ente que qualifica um “dar por”, uma pró-existência, que é vida com Cristo, por Cristo e em Cristo: a comunhão permite a passagem do Corpo de Cristo sacramental para o Corpo de Cristo eclesial.
Dessa forma, não se separam os dois efeitos do sacramento, e não se confia apenas aos olhos um excesso de responsabilidade, que pode chegar à esperança de “ver a substância”. Como ensina o episódio dos dois discípulos de Emaús (Lc 24, 13-53), quando, ao partir o pão, reconhecem que aquele peregrino é o Senhor, ele é tirado de seus olhos. Em vez disso, a pretensão de vê-lo, devida a um olhar unilateral que busca o milagre, distrai da ação ritual, ligada, ao contrário, a múltiplas ações de participação ativa no mistério da encarnação e da redenção em Cristo. Talvez essa inclinação no ver, e na expectativa eventual de “ver o mistério” como um milagre, derive também da contraposição que o Concílio de Trento introduziu de forma apologética, assumindo os advérbios “vere”, “realiter” e “substantialiter” como antitéticos a “sinal”, “figura” e “virtude”.
A natureza simbólica, figurativa e virtual do pão e do vinho não são antitéticas à verdade, realidade e substancialidade do corpo e do sangue. O Movimento Litúrgico e a reforma conciliar nos entregaram uma experiência mais rica e articulada da presença do Senhor em sua igreja, que nos liberta da obsessão do “ver” como prova da substância. Toda vez que comemos o pão abençoado e partido, e toda vez que bebemos do cálice compartilhado da nova aliança, anunciamos que o Senhor ressuscitado está efetivamente morto e que o Crucificado vive para sempre no corpo da Igreja, que aguarda o seu retorno no final dos tempos.