10 Junho 2020
Precisamos entender melhor a integração do Mistério Pascal e a atual pandemia. Isso requer um diálogo com o Senhor que não seja apressado nem superficial. Quando chegar a hora, o próprio Jesus pegará o pão, dará a bênção, partirá e o partilhará conosco. Se aproveitamos a estrada, então vamos reconhecê-lo com mais clareza e experimentar um fogo transformador que queimará por muito tempo dentro dos nossos corações.
A opinião é de Dom Robert Flock, bispo da Diocese de San Ignacio de Velasco, na Bolívia. O artigo foi publicado em America, 08-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em muitos lugares do mundo, incluindo a minha diocese na Bolívia, não podemos celebrar a missa e outros sacramentos em público devido à pandemia da Covid-19. As escolas estão fechadas, e os encontros de catequese foram cancelados. Essas atividades são consideradas como não recomendáveis e muitas vezes são proibidas por algumas autoridades civis e eclesiais como parte das medidas de “segurança em casa” e de “distanciamento social”.
Nos Estados Unidos, foram criados abaixo-assinados para pressionar pelo relaxamento dessas medidas e permitir a celebração dos sacramentos. Também foram feitos esforços criativos, como confissões drive-through e missas nos estacionamentos, para fornecer acesso aos sacramentos.
Outros preferiram se limitar à missa transmitida pela televisão, rádio ou mídia social, o que obviamente não é a mesma coisa que a participação física. Nesse contexto, lembramo-nos da doutrina da “comunhão espiritual”. A unção dos enfermos, quando parece mais necessária, é quase impossível.
Ao discernir a necessidade de evitar o contágio em comparação com a necessidade de oferecer acesso aos sacramentos, é necessário compreender o que está em jogo em cada área.
Uma consideração inicial é que a nossa fé cristã não oferece nenhuma imunidade ao contágio. Esse vírus é uma fera sem alma, oportunista e potencialmente letal, que levou embora muitos padres católicos e pastores de outras Igrejas e religiões. É praticamente impossível celebrar os sacramentos sem o tipo de contato que infecta. Até mesmo o sinal da cruz é suspeito, se devemos evitar encostar no rosto e na boca, onde o vírus tem acesso à nossa garganta e pulmões. Não devemos subestimar o perigo que esse vírus representa.
À medida que a pandemia se espalhou, tornamo-nos cada vez mais conscientes de como o novo coronavírus é contagioso. Muitos profissionais de saúde, mesmo com todas as precauções que tomam, foram infectados. Em países como a Itália e a Espanha, um número desproporcional de padres adoeceu e morreu.
O documento final do Sínodo Pan-Amazônico declara:
“Há um direito da comunidade à celebração que deriva da essência da Eucaristia e do seu lugar na economia da salvação. A vida sacramental é a integração das várias dimensões da vida humana no Mistério Pascal, que nos fortalece. É por isso que as comunidades vivas clamam verdadeiramente pela celebração da Eucaristia. Ela é, sem dúvida, o ponto de chegada (culminação e consumação) da comunidade; mas é, ao mesmo tempo, o ponto de partida: do encontro, da reconciliação, da aprendizagem e da catequese, do crescimento comunitário” (n. 110).
Muitas comunidades da Igreja no território amazônico têm enormes dificuldades em participar da Eucaristia. Às vezes, não leva apenas alguns meses, mas sim até vários anos até que um padre possa retornar a uma comunidade para celebrar a Eucaristia, oferecer o sacramento da reconciliação ou ungir os doentes da comunidade.
Essas palavras resumem o argumento de considerar a ordenação de homens casados ao no sacerdócio. Ironicamente, muitos dos mesmos grupos que agora clamam pela permissão para participar dos sacramentos em meio à pandemia se opuseram a abrir qualquer exceção ao celibato sacerdotal para aumentar a disponibilidade da Eucaristia na Amazônia, apesar dos pedidos dos católicos da região. Essa contradição deve nos levar a refletir sobre como entendemos os sacramentos na vida da Igreja e dos fiéis.
Embora a eficácia dos sacramentos seja realizada “ex opere operato”, ou seja, pelo simples ato de celebrá-los validamente, facilitado com disposição e motivações adequadas, precisamos evitar o tipo de fundamentalismo que leva ao fanatismo.
Por exemplo, consideramos o batismo necessário para a salvação, mas não podemos considerar os não batizados como condenados ao inferno. Ao mesmo tempo, a Igreja reconhece um batismo de sangue no caso dos mártires e até um batismo de desejo, no qual não há uma forma sacramental e certamente nenhum certificado. Essa realidade deveria exilar qualquer tipo de entendimento “mágico” dos sacramentos.
Eu gosto especialmente da afirmação do Sínodo de que “A vida sacramental é a integração das várias dimensões da vida humana no Mistério Pascal”, porque, em vez de focar em algo tão abstrato como a “graça”, ela toca nas realidades práticas da vida diária: nascimento e morte, família e comunidade, o pão nosso de cada dia, sexualidade e doença.
Se vivermos os sacramentos na sua verdadeira profundidade como fiéis batizados, quando nos sentamos à mesa da Eucaristia, experimentaremos uma autêntica comunhão familiar, e quando nos sentarmos à mesa familiar, experimentaremos uma eucaristia, porque ambas as atividades serão participação na morte e ressurreição de Cristo, que sopra o dom do Espírito Santo sobre nós e através de nós.
Integrado no Mistério Pascal, o drama que estamos vivendo agora tem paralelos nas passagens bíblicas no Jardim do Getsêmani e no Caminho para Emaús.
Estamos no Getsêmani, porque, com toda a humanidade, temos que enfrentar o desafio dessa pandemia, rezando: “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”.
A decisão de todo profissional de saúde que atende pacientes com coronavírus é tal porque eles têm que aceitar o risco de contaminar a si mesmos e a sua família. E, é claro, o que todos nós, autoridades e cidadãos, fazemos para evitar a disseminação do vírus requer a mesma oração, se quisermos tomar as decisões que estão de acordo com a vontade do nosso Pai celestial.
Certamente, aqueles que já estão infectados, especialmente aqueles que em breve darão o seu último suspiro, também vivem essa oração. Seria realmente triste se aqueles que estão mais próximos de Jesus estivessem dormindo neste momento, sem entendimento espiritual, sem participar do Mistério Pascal.
Nós também estamos no Caminho de Emaús. Jesus quis ser reconhecido ao partir o pão, mas primeiro era necessário fazer a caminhada que lhe permitiu explicar as Escrituras à luz da sua paixão, e a sua paixão à luz das Escrituras.
Também aguardamos a nossa participação no partir do pão, mas talvez precisemos aproveitar o tempo que nos é dado agora para fazer a caminhada até Emaús, primeiro. No nosso caminho, precisamos aprender a ouvir a voz do Cristo ressuscitado enquanto ele caminha conosco neste momento em que é difícil entender o que aconteceu nestes dias. “Como sois lentos para compreender!”, diz-nos Jesus.
Ainda se debate se Emaús estava a 60 ou 160 estádios de Jerusalém; hoje, Emaús está mais distante para algumas pessoas do que para outras, porque não é tão fácil ler os sinais dos tempos, especialmente quando estamos no meio da tempestade.
Precisamos entender melhor a integração do Mistério Pascal e a atual pandemia. Isso requer um diálogo com o Senhor que não seja apressado nem superficial. Quando chegar a hora, o próprio Jesus pegará o pão, dará a bênção, partirá e o partilhará conosco. Se aproveitamos a estrada, então vamos reconhecê-lo com mais clareza e experimentar um fogo transformador que queimará por muito tempo dentro dos nossos corações.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Como os católicos podem usar este tempo sem Eucaristia para se aproximar de Cristo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU