12 Junho 2025
A reportagem é de Sebastián Sansón Ferrari, publicada por Religión Digital, 11-06-2025.
Com um firme apelo a assumir a crise socioambiental como uma realidade única e complexa que exige soluções integrais, o Cardeal Jaime Spengler, presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), ofereceu nesta quarta-feira, 11-06-2025, em Roma, uma intensa lectio magistralis durante o diálogo "Transições justas: o papel da Igreja na construção de uma visão latino-americana de desenvolvimento sustentável social, econômica e ambientalmente".
O evento, organizado pela Embaixada da Colômbia junto à Santa Sé por ocasião dos 190 anos de relações diplomáticas entre ambos os Estados, foi realizado na Aula Magna da Pontifícia Universidade Gregoriana, moderado por Emilce Cuda, secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, e com a participação de acadêmicos como María Adelaida Farah Quijano, vice-reitora acadêmica da Pontifícia Universidade Xavieriana da Colômbia, e o padre Adelson Araújo dos Santos, professor da Universidade Gregoriana.
O evento também comemorou o recente décimo aniversário da encíclica Laudato si' do Papa Francisco e os preparativos para a COP30 em novembro de 2025 no Brasil.
Com um tom pastoral e profético, Spengler alertou que "o tempo presente parece indicar que o mundo que nos acolhe está se desintegrando", observando que as rápidas mudanças e a degradação ambiental e social "se manifestam tanto em desastres naturais quanto em crises sociais e econômicas". Diante desse cenário, ele instou a Igreja latino-americana a ser uma voz de esperança e condenação.
"A Igreja se deixa perturbar pela história", afirmou, lembrando que não pode analisar ou propor soluções virando as costas às comunidades mais afetadas. Ele enfatizou que transições justas devem começar com a defesa da dignidade humana e o respeito pela casa comum, recordando o apelo do Papa Francisco na Laudato si' e na Laudate Deum.
O cardeal denunciou falsas soluções climáticas que, sob a lógica do mercado, transformam a natureza em um ativo financeiro e alertou contra a "ecologização do sistema" que não altera as estruturas subjacentes. "Precisamos de mudanças estruturais urgentes", enfatizou, observando que a mudança climática "é um problema social global intimamente ligado à dignidade da vida humana".
Spengler também abordou o desafio do extrativismo e da exploração dos recursos naturais na América Latina, que agrava as desigualdades e ameaça a vida das comunidades mais pobres. Ele defendeu a proteção dos territórios dos povos indígenas, a agricultura familiar e a rejeição à financeirização da natureza, lembrando que "os ecossistemas não são serviços ambientais à venda, mas a base da vida".
Nesse contexto, ele apresentou cinco caminhos essenciais para uma transição justa: sobriedade como resistência ao consumismo, educação para a conversão ecológica, fortalecimento das comunidades locais, diálogo com a comunidade científica e narrativas de esperança que mostrem transformações reais.
“O tempo está se esgotando”, alertou Spengler. “A qualidade de vida das novas gerações depende de nossas escolhas e decisões. Todos somos chamados a cuidar e cultivar nossa casa comum”.
O Padre Mark Lewis, reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, expressou sua gratidão pela oportunidade de sediar este evento e enfatizou a importância da Igreja e da academia trabalharem juntas em defesa da nossa casa comum. "É muito importante que a Igreja fale e reflita sobre a Laudato si', mas também sobre a Amazônia", afirmou.
O padre jesuíta lembrou que a Amazônia às vezes é considerada um problema exclusivo da América Latina, mas insistiu que "é muito importante que todos, inclusive os de Roma, entendam que esta é a nossa casa comum". Ele destacou o compromisso da Universidade Gregoriana com a ecologia integral por meio de programas educacionais práticos, não meramente acadêmicos. "Temos um diploma em ecologia integral que ensina catequistas e educadores a se comprometerem e a ensinarem os jovens a cuidar do meio ambiente", explicou.
Ele enfatizou que as soluções devem ser realistas e sustentáveis para que todos possam participar. “É inútil propor algo que ninguém pode fazer. O importante é que todos possamos contribuir com algo e estarmos cientes da nossa contribuição para a casa comum. Esse é o cerne da Laudato si'”, declarou.
Por sua vez, Emilce Cuda expressou sua gratidão pelo convite à Pontifícia Comissão para a América Latina. A teóloga argentina afirmou que, além de comemorar uma relação bilateral, este evento representa um compromisso, em consonância com os apelos do Papa Francisco e do Papa Leão XIV, para identificar os passos necessários para uma transição justa em uma América Latina "onde a vida está por um fio".
O vice-ministro de Assuntos Multilaterais da Colômbia, Mauricio Jaramillo Jassir, destacou o papel histórico da Igreja na política colombiana e seu apoio constante à paz e à reconciliação. "A Igreja sempre foi aliada da paz como um processo social que pertence à sociedade; vai muito além da esfera estritamente religiosa", afirmou.
Ele destacou três grandes contribuições da Igreja na Colômbia: seu papel fundamental na redução do conflito e na proteção dos direitos humanos; seu apoio aos processos de diálogo para a desmobilização de guerrilheiros e grupos armados; e seu incentivo contínuo ao diálogo social amplo e pluralista em um país que tem sofrido com a violência.
Jaramillo sustentou que o principal desafio para a América Latina é encontrar um equilíbrio entre fechar as lacunas sociais e proteger o meio ambiente. "Não é fácil manter esse equilíbrio, especialmente em países onde há uma tentação ao extrativismo", reconheceu. No entanto, expressou a esperança de que "os políticos não se esqueçam dos mais pobres, que não se esqueçam dos excluídos e que os direitos humanos sejam reconhecidos como um direito de todos os seres humanos".
Por fim, ele enfatizou a importância de resistir à sedução do consumismo e do modelo extrativista. "Acredito que as pessoas de baixo estão percebendo as contradições de um modelo baseado na exploração e na acumulação", disse ele, enfatizando que as transformações devem começar com os cidadãos, não esperar que elas venham apenas de cima.
O evento foi concluído com uma mensagem de gratidão e compromisso compartilhado, reafirmando a necessidade de trabalhar juntos — Igreja, academia, governos e comunidades — para construir um desenvolvimento verdadeiramente humano, abrangente e sustentável no continente.