Um acerto de contas moral em Gaza

Foto: Anadolu Agency

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09 Junho 2025

Um em cada cinco civis em Gaza enfrenta a fome. Esse número — representando mais de meio milhão de pessoas — foi relatado pelas Nações Unidas em meados de maio, mesmo antes das denúncias de que o exército israelense continua bloqueando a distribuição de ajuda humanitária na região sitiada. Quase toda a população agora sofre de insegurança alimentar. Enquanto isso, a infraestrutura de Gaza está em ruínas, resultado de um ano e meio de intensos bombardeios e ocupação israelenses desde o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023.

O editorial é da revista America, 06-05-2025. 

Eis o editorial. 

Devido à brutalidade indiscriminada do ataque inicial do Hamas — e por causa da relação política antiga, mas complexa, entre os Estados Unidos e Israel — muitos políticos norte-americanos têm relutado em condenar Israel por seu aparente objetivo de aniquilação completa de Gaza. Outras figuras políticas não têm sido tão reticentes, inclusive algumas dentro de Israel: o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert, por exemplo, escreveu uma coluna na semana passada no diário Haaretz, com o título “Chega. Israel está cometendo crimes de guerra.”

Olmert, que até então era um firme defensor da campanha militar de Israel em Gaza, escreveu que as ações contínuas de Israel após [19] meses de conflito já não eram mais justificáveis. “O que estamos fazendo em Gaza agora é uma guerra de devastação: assassinato de civis indiscriminado, ilimitado, cruel e criminoso”, afirmou. Sua opinião é compartilhada por muitos outros líderes mundiais. Nos Estados Unidos, no entanto, a posição do presidente sobre a guerra e as perspectivas de paz permanecem incertas a cada dia.

Talvez, sem o peso político e econômico dos Estados Unidos por trás, nenhuma coalizão internacional consiga exercer influência significativa sobre Israel. A ambiguidade do presidente apenas parece ter encorajado o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a continuar — e até acelerar — a destruição de Gaza. Embora pesquisas dos últimos meses mostrem que a maioria dos próprios israelenses apoia um cessar-fogo abrangente, Netanyahu prometeu levar o conflito adiante até que o Hamas seja completamente eliminado. Esse objetivo tem sido, por vezes, confundido com uma aparente determinação de despovoar Gaza; Netanyahu agora endossa a sugestão obscena do ex-presidente Donald Trump de construir um resort sobre as ruínas de Gaza, alegando que falavam apenas sobre a migração “voluntária” dos palestinos.

O que se perde entre essas fantasias grotescas e a lógica fria da realpolitik é o acerto de contas com a responsabilidade moral de Israel e de seus apoiadores políticos na situação atual. Pior do que simplesmente exibir um descaso com as vítimas civis, Israel parece ter obliterado a distinção entre não combatentes e alvos legítimos — uma violação do direito internacional e dos princípios da guerra justa. As imagens de hospitais bombardeados e vítimas civis em campos de refugiados em chamas deixam claro que as regras da guerra estão longe da mente de muitos comandantes militares e políticos israelenses.

Criticar Israel por ataques contra civis e pelo direcionamento a alvos não militares não é negar que Israel tenha o direito de se defender, nem minimizar a ameaça que enfrenta por parte de atores terroristas. O Hamas, evidentemente, também é moralmente responsável por essa devastação. Sua insistência em permanecer no poder trai o povo de Gaza — entre outras razões, por oferecer a Israel justificativa para prosseguir com a guerra.

Mas o direito de Israel à autodefesa não significa que tenha o direito ilimitado de travar uma guerra total. Isso não pode significar que quantidades arbitrárias de danos colaterais a civis sejam aceitáveis, desde que a intenção seja eliminar o Hamas. O raciocínio moral por trás do bloqueio à ajuda humanitária para mulheres e crianças famintas, sob a justificativa de que parte dela pode cair nas mãos de combatentes do Hamas, é emblemático: vale qualquer preço humano para destruir o Hamas?

O ataque do Hamas foi a causa imediata desta guerra; sua insistência em manter o poder permite que ela continue. Mas foi Israel quem decidiu não permitir a entrada de comida e água em Gaza, produzindo a atual crise humanitária. É o exército israelense que detém o controle do território e tem responsabilidade prática pelas pessoas que sofrem como resultado de suas ações. Os crimes do Hamas não justificam provocar uma fome generalizada. Os Estados Unidos precisam superar a indecisão e, com uma coalizão mais ampla de nações, pressionar Israel a permitir que a população de Gaza seja alimentada.

Ironicamente — e tragicamente — é exatamente o compromisso absoluto de Israel com a destruição do Hamas que quase garante que o grupo sobreviverá além do atual conflito, pois Israel mina ainda mais qualquer credibilidade em buscar a paz com o povo palestino no futuro. O que essa realidade significa para os jovens tentados a pegar em armas? Que possibilidade há de que tais políticas ponham fim ao ciclo de violência que assola a região há décadas?

Netanyahu comprometeu-se a continuar a guerra até a destruição total do Hamas — em essência, um argumento para tornar Israel seguro a qualquer custo. Mas, como lembrou o Papa Leão XIV ao pedir ajuda a Gaza no dia 21 de maio, esta é uma guerra na qual “quem paga o preço dilacerante são as crianças, os idosos e os doentes.” Israel, juntamente com seus aliados — especialmente os Estados Unidos —, precisa também considerar esse custo.

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