29 Mai 2025
"No epistolário de Resistência e Submissão, redigido em um momento dramático da crise europeia do século XX, surgem questões radicais que, acredito, deveremos assumir como nossas. O cristianismo ainda faz sentido em uma situação em que os antigos novíssimos parecem estar ausentes? Que mensagem fica? Um cristianismo não religioso poderia ser proposto ao homem moderno?", escreve Brunetto Salvarani, teólogo, escritor, professor de Teologia de missão e do diálogo na Faculdade Teológica da Emilia Romagna e nos Institutos de Ciências Religiosas de Modena, Bolonha e Rimini, em artigo publicado por Rocca, n. 11, 28-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Quanto mais tempo dura o nosso desenraizamento do âmbito vital que nos é próprio, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal, mais fortemente percebemos que a nossa vida, ao contrário daquela de nossos pais, tem um caráter fragmentário... Onde existe ainda hoje uma obra de toda uma vida espiritual? Onde existe aquele trabalho de revisão, de preparação e de desenvolvimento do qual uma obra desse tipo nasce? ...nossa existência espiritual permanece inacabada”. Foi assim que Dietrich Bonhoeffer - teólogo e pastor luterano, nascido em 1906 em Breslávia, hoje Wroclaw, Polônia, porta-estandarte daquela igreja confessional que se opôs vigorosamente à catástrofe nazista – se confessava ao amigo Eberhard Bethge em 23 de fevereiro de 1944. Ele estava na prisão nazista em Tegel, Berlim, havia quase um ano e, apesar de suas esperanças, nunca sairia de lá, passando de uma reclusão para outra até ser enforcado, o que aconteceria por ordem direta de Hitler na madrugada de 9 de abril de 1945 no campo de concentração de Flossenbürg, poucos dias antes do fim da guerra. Suas últimas palavras, ditas a um amigo, foram: “Este é o fim, mas para mim é o começo da vida”.
A acusação era de conspiração, pois ele havia se juntado à conspiração para matar o tirano, o próprio Führer. Bonhoeffer morria após uma existência curta, mas intensa, na qual alternou o empenho acadêmico como professor de teologia sistemática com os esforços constantes pela paz e pelo diálogo ecumênico. Nele, sem dúvida, a biografia e a teologia aparecem intimamente entrelaçadas.
Hoje sabemos quase tudo sobre essa experiência limítrofe na prisão, graças às cartas que Dietrich enviou e recebeu, reunidas em 1951 pela primeira vez pelo próprio Bethge, sob o título emblemático de Resistência e Submissão. Poucas coisas foram encontradas em sua cela, entre elas dois textos emblemáticos de valores aparentemente opostos, uma cópia da Bíblia e uma antologia de poemas de Goethe: o máximo do sagrado e o máximo do profano, como observou seu descobridor italiano, Italo Mancini.
Um ano antes, sempre a Bethge, ele havia confidenciado: “Para mim, o discurso sobre os limites humanos tornou-se absolutamente problemático. Mas eu não quero falar de Deus nos limites, antes no centro; não nas debilidades, mas na força; isto é, não na hora da morte e da culpa, mas na vida e no bom do homem. Se falamos de Deus nos limites, parece-me melhor guardar silêncio e deixar sem solução aquilo que não tem. A Igreja não se encontra no lugar onde fracassa, mas no centro da aldeia” (30 de abril de 1944).
Afinal, ele havia escrito em um de seus livros mais importantes, juntamente com Vida em Comunhão e Ética, Discipulado (1937): em “um mundo que se tornou absolutamente anticristão, os cristãos, por fim, não têm outra opção a não ser fugir ou ser presos”. Resistência e Submissão, unanimemente reconhecido como um dos textos capitais da teologia novecentista, apresenta pelo menos três níveis de leitura: é um testemunho autobiográfico, no nível de Anne Frank ou das cartas dos condenados à morte na Resistência europeia; é um texto da mais alta espiritualidade cristã, que combina o profundo enraizamento na tradição com uma grande audácia inovadora; e é um livro de teologia propriamente dito, centrado na condição do cristianismo na modernidade, em que se vai do tema do mundo que se tornou adulto ao fim da religião, da oposição a qualquer hipótese de um Deus tapa-buracos à necessidade de uma interpretação não religiosa da Bíblia.
No epistolário de Resistência e Submissão, redigido em um momento dramático da crise europeia do século XX, surgem questões radicais que, acredito, deveremos assumir como nossas. O cristianismo ainda faz sentido em uma situação em que os antigos novíssimos parecem estar ausentes? Que mensagem fica? Um cristianismo não religioso poderia ser proposto ao homem moderno? Analisando bem, estamos no cerne de um paradoxo: apesar do fato de a religião cristã ter nascido com base nas palavras e nos atos de Jesus, é cada vez mais evidente que sua mensagem não propõe necessariamente uma leitura religiosa da realidade. Pelo contrário, os Evangelhos não narram a fundação de uma nova religião, mas a geração de uma nova humanidade. No aqui, e não no além. Na fidelidade à terra antes do céu.
Sua prisão – Bonhoeffer sempre abominou qualquer possibilidade de fuga – não era apenas parte de sua coerência política como oponente absoluto do nazismo, mas também de sua coerência teológica. A prisão desafiaria sua existência intelectual a atingir o auge da concentração: de fato, a cela de Tegel tornou-se efetivamente um lugar teológico radical. À primeira vista, pareceria que muitas das ideias contidas em Resistência e Submissão possam ser compreendidas sem levar em conta o local onde foram escritas. Quase imperturbada, a reflexão leva adiante seus argumentos, escandalosos para ouvidos liberais, que nunca antes ressoaram com uma determinação teológica nem mesmo remotamente comparável.
Na realidade, o fato de ter conseguido arrancar tal liberdade da segregação forçada dentro daquelas quatro paredes não é apenas um sinal daquela atitude básica de origem familiar, cristã-aristocrática, a partir da qual ele desfrutava de uma consideração segura entre seus companheiros de prisão: pelo contrário, no clímax da violência, quando o Terceiro Reich se revela de uma só vez em seu desprezo grosseiro pelo homem, precisamente ali é posta em movimento aquela fantasia libertadora, aquele senso de possibilidade no plano político-teológico que lhe permitirá vislumbrar o advento de uma sociedade e de um cristianismo adultos, e de uma nova Igreja fonte da liberdade (é claro, toda a ser construída).
Em um texto escrito para seus amigos no Natal de 1942, Depois de dez anos, agora incluído em Resistência e Submissão, encontramos um prenúncio do que aconteceria com ele durante sua prisão: “Continua sendo uma experiência de valor excepcional ter aprendido a olhar para os grandes eventos da história universal a partir de baixo, da perspectiva dos excluídos, dos suspeitos, dos maltratados, dos impotentes, dos oprimidos e dos ridicularizados, em uma palavra, dos sofredores”.
Se o Papa Francisco estiver correto, quando em sua exortação Evangelii gaudium (2013) defende a preeminência do tempo sobre o espaço (n. 223), com a reflexão bonhoefferiana inaugura-se um processo decisivo que ainda está todo à frente, mas que já foi posto em movimento: “Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos duma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes”.
Bonhoeffer, que morreu com menos de quarenta anos, portanto na plenitude de sua maturidade, estava sinalizando um profundo desconforto, que era de fato pessoal e geracional, em relação a uma Igreja que não tinha tido a coragem de se opor ao regime nazista nem tentado se opor ao Holocausto; mas que, na realidade, implicava a necessidade e a urgência de ir além das leituras padronizadas e banais das tarefas que cabem à humanidade sob o sol.
Em outras palavras, ele percebia a necessidade de liberar o humano que está dentro de nós e que, mesmo assim, muitas vezes, tendemos a esquecer e a esconder: e foi isso que ele fez, fundando a pequena Igreja Confessante (a única na Alemanha que ousou atuar ativamente contra os projetos de Hitler), gritando a favor dos judeus em uma época de antissemitismo eleito como sistema e sonhando, em 1934, com a realização de um grande conselho ecumênico que seria capaz de dizer ao mundo a palavra de paz e de rejeição a todo ódio racista.
Ele não pôde ver a realização desse sonho: no entanto, sua mensagem ainda está muito viva hoje e atravessa sensibilidades e afiliações. Ele é um exemplo plástico de como um evento inevitável, como a morte, possa paradoxalmente se tornar fortemente gerador e frutífero; e de como é possível ser, ao mesmo tempo, fiéis à terra e a Deus, às coisas penúltimas tanto quanto às últimas.
Porque ele sabia muito bem, tendo aprendido em seus dias terrenos, que “tudo o que não se regenera, degenera” (como argumentará o sociólogo Edgar Morin). Assim, seguindo seus passos, nada será como antes, de modo que os crentes são convocados à ruptura e à reinvenção da mensagem cristã, até abandonar definitivamente a ideia de um Deus todo-poderoso para abraçar aquela de um Deus que está no limiar da existência: “Somente quando se ama a tal ponto a vida e a terra, que parece que com elas tudo está perdido e acabado, é que se pode acreditar na ressurreição dos mortos e em um novo mundo”.
Com a publicação de Resistência e Submissão, a figura de Bonhoeffer passou a chamar a atenção de um público cada vez mais amplo, muito além das diferentes identidades confessionais. Sua ampla recepção, testemunhada pelas muitas conferências e pela copiosa produção ensaística dedicada a ele ano após ano, é um caso exemplar de ecumenismo vindo de baixo, que acompanha, mas muitas vezes precede, o ecumenismo das trocas teológicas. A ponto de efetivamente tornar Bonhoeffer um verdadeiro mártir ecumênico.
Devemos à encíclica Ut unum sint, de João Paulo II, de 1995, ter destacado esse aspecto: “Em uma visão teocêntrica, nós, cristãos, já temos um Martirológio comum... Esses santos provêm de todas as Igrejas” (n. 84). Uma consideração que remete às palavras inspiradas que o teólogo luterano escreveu em 18 de julho de 1944 a Bethge: “Ser cristão não significa ser religioso de uma determinada maneira, fazer algo de si mesmo (um pecador, um penitente ou um santo) de acordo com um determinado método, mas significa ser homens; Cristo cria em nós não um tipo de homem, mas um homem”.