“Coaching é um processo, uma metodologia, um conjunto de competências e habilidades que podem ser aprendidas e desenvolvidas por absolutamente qualquer pessoa pra alcançar um objetivo na vida pessoal ou profissional, até 20 vezes mais rápido, comprovadamente. E o Coaching também é uma excelente oportunidade de carreira para quem quer ajudar outras pessoas e ser muito bem remunerado por isso, atuando como Coach profissionalmente”. Esta definição é apresentada na página eletrônica do Instituto Brasileiro de Coaching, prática que tem crescido em diversos setores da sociedade brasileira, inclusive nas igrejas evangélicas, mas, para além delas, no que convencionalmente tem se denominado “coaching cristão, mas não religioso”. Por esse termo, esclarece Prof. Dr. Taylor Pedroso de Aguiar, define-se "um enquadramento que tenta lidar com uma prática que é, ao mesmo tempo, associada ao cristianismo e desassociada à religião".
Na breve entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por WhatsApp, o pesquisador enfatiza que "os coaches cristãos não necessariamente restringem seus discursos, produtos e serviços à vida religiosa ou espiritual. Com raras exceções, seu público não é prioritariamente religioso. Eles estruturam metodologias próprias de coaching, as quais modelam cursos, treinamentos e workshops voltados a um público indistinto. Cristãos e não cristãos podem participar deles. A mudança de mentalidade e uma transformação pessoal radical são pregadas como resultado da aplicação do processo de coaching".
Taylor Pedroso de Aguiar (Foto: Arquivo Pessoal)
A relação de coaches cristãos com a política tem se tornado evidente desde a candidatura de Pablo Marçal à Presidência da República, em 2022, e à Prefeitura de São Paulo, no último pleito. Trata-se de um caso específico e inédito de participação de coaches cristãos no campo político, mas que delineia uma plataforma de ação baseada em uma mescla de liberalismo econômico, conservadorismo moral e concepções de coaching aplicadas à vida pública", pontua. O coaching aplicado à vida política, resume, "significa uma radicalização da concepção de que o indivíduo deve procurar em si as soluções para os próprios problemas, o que se estende, consequentemente, aos problemas sociais. Através do 'governalismo', vislumbra-se uma política feita por e para indivíduos, com lastro em um discurso cristão que dispensa vinculação com estruturas religiosas tradicionais".
A compreensão da especificidade do coaching cristão não religioso no Brasil é o tema da tese doutoral do Prof. Dr. Taylor Pedroso de Aguiar, intitulada “Cristianismo não religioso: uma etnografia do coaching em igrejas, prisões e corporações de segurança pública no Brasil”, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS no início deste ano. “Prolifera-se nos últimos anos um movimento de coaches – especialistas no processo de desenvolvimento pessoal conhecido como coaching – que incorporam referências bíblicas e religiosas em suas metodologias e se autointitulam cristãos. Ao mesmo tempo, há uma negação de que suas concepções de coaching tenham um caráter ‘religioso’, em que pese a sua forte presença em cursos, eventos e workshops realizados em igrejas. Tais coaches, em sua maioria, são evangélicos e participam de comunidades de fé, circulando em redes que se estabelecem, em grande medida, a partir da religião. Alguns deles são pastores, como Tiago Brunet, e outros são leigos, como Paulo Vieira”, disse ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em entrevista concedida em 2022. Segundo ele, o desenvolvimento deste segmento apresenta “desafios aos estudos sobre religião, laicidade e espaço público no Brasil”.
A reflexão sobre “Coaches cristãos na igreja, na política e na segurança pública. Um cristianismo não religioso?” será o tema da videoconferência do Prof. Dr. Taylor Pedroso de Aguiar no IHU nesta quinta-feira, 24-10-2024, às 17h30, com transmissão ao vivo página inicial do IHU, YouTube e Facebook.
A pesquisa de Aguiar divide-se em duas etapas: a primeira observa a diversidade e a incidência de cursos, treinamentos e dinâmicas de coaching em igrejas e organizações evangélicas, a segunda analisa a metodologia de Coaching Integral Sistêmico (Método CIS) em prisões e corporações de segurança pública. “O campo empírico mais delimitado da pesquisa envolve o Método CIS, metodologia criada por Paulo Vieira e disseminada por coaches formados e credenciados pela instituição por ele fundada, a Febracis (Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico). Interessa-me perceber, por um lado, como se dá a formação de profetas-empreendedores, ou dos sujeitos do processo de coaching cristão, em dinâmicas intraeclesiais que se valem do método de Paulo Vieira. Nesse ínterim, também exploro controvérsias teológicas em torno da presença do coaching no universo evangélico e trabalho com a noção de teologia econômica, em Giorgio Agamben, para reunir reflexões sobre religião, economia e teologia em um mesmo arcabouço interpretativo”, explica.
Entre os coaches cristãos do país, destacava-se Pablo Marçal, filiado ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), candidato às eleições municipais de São Paulo neste ano. “No feriado de 1º de maio [de 2022], um dos mais notáveis coaches cristãos do país, Pablo Marçal, promoveu um evento com mais de 15 mil pessoas na Arena Barueri, em Barueri/SP, com a presença de cantores e bandas de louvor do mainstream evangélico nacional, e se lançou como pré-candidato à Presidência da República pelo PROS. A agenda política que Marçal tem proposto, designada por ele como ‘governalismo’, é marcada por uma forte defesa de ideias-chave do coaching, do empreendedorismo e da economia liberal, por um conservadorismo moral acentuado e por um repertório simbólico eivado de referências evangélicas, as quais alimentam, inclusive, o ideário transformacionista da ‘cultura do Reino’”, relembra o pesquisador.
Nesta breve entrevista, Taylor Pedroso de Aguiar apresenta um panorama atualizado sobre a prática de coaching cristão não religioso no Brasil.
IHU – O que é o coaching cristão não religioso?
Taylor Pedroso de Aguiar – Defino essa categoria como um enquadramento que tenta lidar com uma prática que é, ao mesmo tempo, associada ao cristianismo e desassociada à religião. Como esse paradoxo pode se estabelecer? Os coaches cristãos acionam um repertório cristão que prescinde da ideia de religião conforme a conhecemos. Versículos bíblicos, músicas reproduzidas em cultos, palavras convencionais do mundo social da igreja, argumentos em torno da espiritualidade e de uma transformação pessoal com contornos cristãos: o coaching assim praticado mobiliza o cristianismo de maneira forte, sem necessitar de um lastro nas instituições religiosas ou na ideia de liderança/autoridade formatada a partir de modelos religiosos. Pelo seu modo de ação e pela consolidação de sua presença na igreja e no espaço público, os coaches cristãos nos lançam desafios de ordem teórica e debates que tocam em questões intra e extraeclesiais.
O que se sugere, do ponto de vista antropológico, é que uma ideia clássica e estável de religião não seja capaz de fazer compreender a experiência do coaching em relação com o cristianismo – uma dinâmica emergente que se expande da igreja para instituições do Estado, suscitando debates sobre as consequências de uma prática cristã não religiosa sobre dimensões sociais tão variadas quanto as reconfigurações da laicidade e o surgimento de uma “Teologia do Coaching”. No âmbito do cristianismo, os coaches cristãos estariam atualmente articulando uma “Teologia da Prosperidade 2.0”, ao enfatizar a maximização do desempenho como alvo da vida a partir de referências cristãs? Em outro plano, o de instituições públicas que legalmente seguem uma lógica secular promovida pelo Estado, como a laicidade estaria resguardada diante de treinamentos baseados no cristianismo, mas sem qualquer relação com igrejas e organizações religiosas? Os questionamentos possíveis são múltiplos e de várias ordens.
IHU – Quem são os coaches cristãos mais expressivos no Brasil hoje?
Taylor Pedroso de Aguiar – Dentre os diversos grupos de coaches cristãos que sistematizei em minha tese, destacam-se pastores, pregadores e lideranças religiosas, como Tiago Brunet, e coaches que se identificam com a fé cristã, especialmente evangélica, mas que não aderem a cargos e funções eclesiais. Em muitos casos, eles sequer reivindicam uma identidade evangélica ou religiosa explícita. Nesse segundo caso estão inseridos Paulo Vieira, Marcos Fiel e Pablo Marçal, entre outros. O que os une é o compartilhamento de referências simbólicas e de uma linguagem bíblico-cristã comum, embora pertençam a universos denominacionais diferentes dentro do cristianismo.
IHU – O que eles ensinam e pregam?
Taylor Pedroso de Aguiar – Como coaches, eles buscam oferecer processos de desenvolvimento pessoal aos seus clientes, visando a melhoria da performance e do desempenho em variadas áreas da vida. Tal desenvolvimento pode estar relacionado com uma potencialização das habilidades profissionais, com estratégias para uma melhor qualidade nas relações conjugais e com métodos para o gerenciamento das emoções, a título de exemplo. Os coaches cristãos não necessariamente restringem seus discursos, produtos e serviços à vida religiosa ou espiritual. Com raras exceções, seu público não é prioritariamente religioso. Eles estruturam metodologias próprias de coaching, as quais modelam cursos, treinamentos e workshops voltados a um público indistinto. Cristãos e não cristãos podem participar deles. A mudança de mentalidade e uma transformação pessoal radical são pregadas como resultado da aplicação do processo de coaching. Esse procedimento não é lido como religioso, mas as referências cristãs nele articuladas, como a Bíblia, a música gospel e as orações, cumprem papel fundamental para reforçar o entendimento de que o sucesso dos indivíduos tem relação com Deus e com o exercício da espiritualidade, sem se ater às ideias de religião e religiosidade.
IHU – Em que ambientes sociais atuam e qual é o perfil das pessoas que os acompanham?
Taylor Pedroso de Aguiar – A inserção dos coaches cristãos na sociedade brasileira possui um grau altamente diversificado. Há uma presença nas igrejas, sobretudo evangélicas, que não é unânime ou isenta de tensões. Alguns casos etnográficos apresentados na tese evidenciam a existência de uma multiplicidade de concepções sobre o coaching no interior das igrejas. Pode-se constatar o coaching como atividade eclesial regular, como formação orientada para lideranças comunitárias, como suporte para a ação pastoral, como mecanismo de promoção da saúde mental e da inteligência emocional... As possibilidades são muitas. Lideranças religiosas e membros de igreja acedem a treinamentos segundo objetivos e inclinações muito particulares. Fora das igrejas, o coaching praticado por cristãos se faz presente como política pública em prisões e corporações de segurança, como demonstrei a partir do acompanhamento dos treinamentos do Método CIS (Coaching Integral Sistêmico), de Paulo Vieira, nessas instituições. Detentos do sistema prisional e operadores de segurança pública de diversos estados brasileiros têm acesso gratuito aos cursos da metodologia de Vieira, oferecidos em parceria com órgãos como secretarias de administração penitenciária, corpos de bombeiros, polícias civis e militares e com o próprio Poder Judiciário, por meio de suas varas de execução penal.
IHU – Qual é a diferença entre os influenciadores católicos nas mídias sociais e os coaches cristãos?
Taylor Pedroso de Aguiar – Ambas são posições diferentes. Coaches não são apenas influenciadores, mas também palestrantes e treinadores que vendem cursos, treinamentos e métodos para alcançar o sucesso e a otimização do desempenho nas mais diversas áreas da vida pessoal. Ao utilizar a expressão “coaches cristãos”, não os identifico com uma corrente específica do cristianismo, mas com a mobilização de referências cristãs que por eles é feita em suas práticas de coaching. Isso significa que o universo dos coaches cristãos engloba também os coaches católicos, embora estes sejam minoritários diante dos evangélicos e não tenham sido objeto de minha pesquisa. Os influenciadores católicos, tal como os evangélicos, podem ser também coaches, na medida em que estruturem metodologias, práticas e/ou escolas de formação voltadas para o desenvolvimento pessoal. Não raro isso acontece, e as duas funções acabam se confundindo.
IHU – Qual é a relação dos coaches cristãos com a política? Pablo Marçal é um exemplo dessa relação?
Taylor Pedroso de Aguiar – Essa relação se tornou evidente com a pré-candidatura de Marçal à presidência da República, em 2022, e posteriormente com a sua candidatura à prefeitura de São Paulo, em 2024. Trata-se de um caso específico e inédito de participação de coaches cristãos no campo político, mas que delineia uma plataforma de ação baseada em uma mescla de liberalismo econômico, conservadorismo moral e concepções de coaching aplicadas à vida pública. O programa de governo e os discursos de Pablo Marçal enquanto candidato demonstram que a noção central do coaching – o empreendedorismo de si, conforme o defini na tese – é incorporado como ponto de partida para o entendimento do que é cidadania no “governalismo” marçalista. O termo, estranho ao léxico político convencional, reflete o que Marçal denomina um novo sistema, nem capitalista nem socialista, onde o que importa é que “cada um cuide da sua vida”. Em linhas gerais, o coaching aplicado à vida política, segundo o experimento de Pablo Marçal, significa uma radicalização da concepção de que o indivíduo deve procurar em si as soluções para os próprios problemas, o que se estende, consequentemente, aos problemas sociais. Através do “governalismo”, vislumbra-se uma política feita por e para indivíduos, com lastro em um discurso cristão que dispensa vinculação com estruturas religiosas tradicionais.