'Influenciadores' católicos não são evangelizadores, segundo grupo de pesquisa no Brasil

18 Outubro 2024

O surgimento dos chamados influenciadores católicos nas mídias sociais levou um grupo de pesquisadores no Brasil a questionar se a evangelização é mesmo possível em ambientes digitais. Ao tentarem decifrar alguns dos desafios da Igreja hoje, eles acreditam que as demandas da evangelização excedem a ambição e a capacidade de “influenciar”. Eles concluem que muitas das personalidades católicas mais populares nas mídias sociais no Brasil não estão apresentando um testemunho significativo do Evangelho.

A reportagem é de Filipe Domingues, publicada por America, 17-10-2024.

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, em Minas Gerais, reuniu cinco escritores em um grupo de pesquisa para analisar influenciadores contemporâneos de mídia social católica — uma das inúmeras iniciativas de pesquisa sobre cultura digital lançadas recentemente pela Igreja no Brasil. “Muitas vezes há uma manipulação malévola e deformação do cristianismo quando os 'influenciadores' são governados pelas leis do mercado de mídia”, disse Dom Joaquim Mol à revista America.

Em fevereiro, os cinco autores publicaram um livro com os resultados de seus trabalhos, incluindo estudos de caso de personalidades online que se apresentam como influenciadores católicos em plataformas de mídia social como Instagram, Facebook, TikTok e X. Os pesquisadores brasileiros acreditam que é importante esclarecer a diferença entre um “influenciador” e um “evangelizador digital”.

“Muitos ‘influenciadores’ tentam adaptar [a mensagem religiosa] a interesses econômicos, por meio de monetização e patrocínios que acabam interferindo no conteúdo postado”, disse Dom Joaquim. “Como na parábola do [joio] e do trigo, o fenômeno digital mistura aspectos positivos e interessantes com outros altamente negativos. Ele tem que ser analisado e compreendido com uma visão crítica”, explicou.

Autor de diversos livros nas áreas de comunicação e teologia, Moisés Sbardelotto, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), tem convicção de que o esforço para se tornar um influenciador muitas vezes esbarra na evangelização dos ambientes digitais.

“Podemos ver muitos exemplos de contratestemunhos, ou o que o Papa João Paulo II chamou de antievangelização, o que é muito grave”, disse Sbardelotto, que foi um dos pesquisadores do projeto diocesano. “Essa crítica é necessária para que aqueles que querem se dedicar à evangelização digital possam entender e rever suas próprias práticas, repensar e discernir seus comportamentos.

“Os padrões do mercado de comunicação definem o que é um influenciador digital”, disse Sbardelotto. “O evangelista digital, por outro lado, permanece fiel às Escrituras e, fundamentalmente, ao Evangelho. Ele sustenta os ensinamentos da Igreja, em comunhão com o papa e os bispos locais. Sua forma de agir deve ser centrada na pessoa de Jesus”.

“Isso tem que se refletir em suas próprias vidas e na maneira como eles apresentam a pessoa de Cristo aos outros”, disse ele.

Outra colaboradora do projeto, Alzirinha Souza, é coordenadora do Observatório Eclesial do Brasil. Ela estudou cuidadosamente cinco influenciadores católicos, incluindo quatro padres e um leigo. Ela observou que os influenciadores católicos estão nas mídias sociais com objetivos diferentes: alguns representam as ideias e interesses de uma organização religiosa específica, e outros estão online para compartilhar suas visões individuais e perspectivas sobre a fé.

Um dos influenciadores que ela analisa é Patrick Fernandes, padre de Parauapebas, no norte do Pará, que atualmente tem mais de 6 milhões de seguidores em sua conta do Instagram. Ele usa humor irreverente para responder às perguntas de seus seguidores, muitas vezes comentando sobre suas vidas amorosas e sexuais ou fazendo piadas sobre a aparência das pessoas, especialmente mulheres. Ele também dá conselhos de autoajuda sobre como melhorar a qualidade de vida, incluindo recomendações de condicionamento físico.

Outro padre que ela analisou é o Pe. Fábio de Melo, que já foi membro da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos), mas depois foi incardinado na Diocese de Taubaté, no estado de São Paulo. O Pe. Fábio de Melo também é cantor e considerado uma celebridade televisiva nacional.

Em suas redes sociais ele fala principalmente sobre si mesmo, sua vida pessoal, publicações e shows, mas também dedica boa parte de suas postagens a compartilhar vídeos engraçados e mensagens com conteúdo inspirador ou conselhos como: “Algumas pessoas passam por nossas vidas apenas para nos lembrar como não ser”.

“Em 90% das postagens, esses dois padres estão se representando como indivíduos, não como uma instituição ou uma ideia”, disse a Alzirinha Souza.

Ela também analisou a presença nas redes sociais de Paulo Ricardo, padre da Arquidiocese de Cuiabá, no Mato Grosso, e de um leigo, Bernardo Küster, que se apresenta no YouTube como “católico, jornalista e professor de mais de [10.000] alunos em cursos de defesa da fé, presenciais e online”.

Ambos adotam uma abordagem predominantemente doutrinária e política para questões católicas. Elas vendem dezenas de cursos com esse tipo de conteúdo. Também disponibilizam muito conteúdo gratuito, enquanto monetizam suas mídias sociais de forma profissional.

“Eles estão situados na extrema-direita política e fazem uma representação sociopolítica em suas contas de mídia social”, disse a Alzirinha Souza. “Ambos eventualmente se alinham com valores políticos que não convergem com os valores cristãos. Eles têm um discurso crítico da conferência dos bispos e um discurso subliminar crítico do Papa Francisco”.

Ambas as personalidades das mídias sociais são apoiadoras abertas do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que governou o país de 2019 até o final de 2022. O Brasil está entre as nações onde as ideias e políticas de direita se tornaram mais populares e mais radicais nos últimos anos, culminando na presidência de Bolsonaro. A base política de Bolsonaro está concentrada entre evangélicos conservadores e católicos — assim como a maioria dos militares, do setor agrícola e de empresários e famílias de direita.

As mídias sociais têm desempenhado um papel decisivo no fenômeno da radicalização populista do discurso político e religioso no Brasil. Nesse contexto, disse Alzirinha Souza, grandes influenciadores católicos geralmente conseguem fazer suas mensagens reverberarem — ou se tornarem virais — à medida que começam a ser compartilhadas entre muitos outros influenciadores menores.

Influenciadores católicos socialmente conservadores e populistas se tornam fontes para grupos políticos legitimarem suas próprias visões, frequentemente discutindo questões que seriam mais apropriadas para especialistas ou autoridades religiosas comentarem, ela disse. Eles se comportam como se tivessem “uma autoridade eclesiástica que eles mesmos deram”.

“Eles se colocam como supradiocesanos, supraeclesiais”, disse a Alzirinha Souza. “Eles falam por si mesmos, criando uma bolha eclesial e quase uma versão paralela dos ensinamentos católicos”. A mídia social se tornou um canal convencional para a disseminação de mensagens e práticas religiosas, disse ela, mas frequentemente seu “grande alcance é usado para um discurso desconectado das diretrizes da Igreja universal, do papa e da Igreja brasileira local, substituindo a autoridade da conferência dos bispos”.

Muitos desses influenciadores, disse Alzirinha Souza, resumem a vida na Igreja meramente como adotar e seguir um conjunto de leis ou normas. “Hoje, muitas vezes vemos pessoas nas redes digitais ditando regras, dizendo aos outros como eles devem se comportar, como devem agir nas celebrações. É um cristianismo de normas, não de significado, como se para ser seguidor de Jesus bastasse seguir um código de normas, decorar a Bíblia e o Catecismo”, disse ela.

O Pe. Júlio Lancellotti é um padre diocesano que lidera um projeto social para moradores de rua por meio de sua paróquia na cidade de São Paulo. Alzirinha Souza vê sua presença nas mídias sociais de forma mais positiva. “Este é um pastor que usa as mídias sociais para defender uma causa na qual ele trabalha há mais de 20 anos”, disse ela, acrescentando que ele também usa sua plataforma politicamente em críticas ao governo. De acordo com sua análise de sua presença online, o Pe. Júlio Lancellotti atua em favor de um grupo de pessoas marginalizadas e nunca contradiz publicamente outras autoridades eclesiásticas.

Evangelizador digital e defensor de moradores de rua, o Pe. Julio Lancellotti abençoa um morador de rua em São Paulo. (Foto CNS/Luciney Martins, cortesia de O São Paulo)

“Há pessoas da Igreja fazendo um bom trabalho nas mídias sociais, buscando uma linguagem para evangelizar e falar com seu público, mas elas são claramente uma minoria”, ela disse. “Temos uma gama de pessoas que falam em nome da Igreja e que estão completamente desconectadas das demandas reais das pessoas, sejam elas morais, sociais ou existenciais”.

Moisés Sbardelotto e Alzirinha Souza concordam que a única maneira de combater o impacto excessivo que os influenciadores têm na vida da igreja hoje é promover um pensamento mais crítico entre os fiéis católicos. O povo de Deus deve ser capaz de reconhecer tentativas de manipular a fé para fins políticos e econômicos, eles disseram.

Eles precisam ser capazes de “discernir bem as ações dessas pessoas na web para que possamos separar os 'evangelizadores' daqueles que são apenas 'influenciadores'”, disse Sbardelotto.

A contribuição que a Igreja pode dar nesse campo envolve capacitar aqueles que atuam nessas áreas, mas também aqueles que são o público-alvo das mensagens dos influenciadores, explicou Alzirinha Souza. “Precisamos ter cada vez mais agentes evangelizadores capacitados, preparados para entender não só a tecnologia digital, mas a mensagem que eles querem comunicar. Encontrar esse caminho é um desafio”.

Moisés Sbardelotto observa que os influenciadores digitais estão mudando o exercício das religiões contemporâneas em todos os níveis. Os líderes da Igreja “não têm mais controle sobre o sagrado como antes”, mesmo que também estejam tentando ter uma “face digital”.

A Igreja “se encontra no meio de uma efervescência de novas linguagens, práticas e tecnologias de comunicação” que podem levar a muitas oportunidades de evangelização e missão. Os evangelizadores devem se esforçar para entender essa nova fronteira digital, disse ele.

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