31 Mai 2025
"Não tenho nenhuma pretensão de como serei lembrado. É minha vida que está nas fotos e nada mais.” (Sebastião Salgado)
O artigo é de Renan Dantas, diácono da Diocese de Juína.
A morte de Sebastião Salgado (+23 de maio 2025), aos 81 anos, encerra uma das mais luminosas jornadas da fotografia contemporânea. Mas seu legado permanece vivo – não apenas em livros e exposições, mas nas árvores que plantou, nos olhares que revelou e nas consciências que despertou.
De Serra Pelada às profundezas da Amazônia, Salgado fotografou o ser humano em seus extremos – a dor da migração, o peso do trabalho, a beleza das origens. Sua missão foi mais que documental: foi espiritual. Ele usou a luz não só para capturar a imagem, mas para revelar a alma do mundo.
A Doutrina Social da Igreja nos ensina que todo ser humano é imagem e semelhança de Deus, e que a justiça social é um imperativo do Evangelho. A lente de Salgado se afinou a essa doutrina: denunciou a desigualdade, exaltou a dignidade dos pobres, expôs a exploração do trabalho e da terra. Suas séries fotográficas – como eu Êxodos, Trabalhadores e Terra – são um testemunho vivo do princípio do bem comum, da opção preferencial pelos pobres e do valor sagrado da vida humana.
A fotografia documental se torna ministério comunicador: não apenas informa, mas forma; não apenas registra, mas transforma. A imagem se torna evangelho encarnado nas dores e esperanças do povo. Sebastião Salgado fez da câmera um instrumento de comunicação a serviço da dignidade humana – e suas imagens, mensagens visuais que falam ao coração e à consciência.
Ao longo de sua vida, Salgado passou de um documentarista do humano para um guardião da criação. Depois de décadas fotografando os efeitos da destruição social e ambiental, voltou-se para a regeneração da vida e da Terra. A série Gênesis é um verdadeiro cântico ao Criador. Um convite à contemplação da beleza original do mundo. Sua obra mais recente, Amazônia, é uma exortação visual à conversão ecológica. Os povos originários, as florestas intocadas, os rios serpenteando como veias da Terra – tudo clama por cuidado, respeito e proteção.
Profundo conhecedor da Amazônia – onde viveu por sete anos em sua fase mais recente –, Sebastião Salgado sempre defendeu a necessidade de conciliar desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental. Em entrevistas e palestras, reiterava que “a vida humana é muito frágil neste planeta”, e que cuidar da Terra é cuidar de nós mesmos. Sua convivência com os povos originários e sua escuta da floresta o tornaram não apenas um fotógrafo da Amazônia, mas um de seus maiores comunicadores e defensores.
Nesse ponto, sua obra se conecta profundamente com a encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, que propõe uma ecologia integral, onde o grito da Terra e o grito dos pobres se encontram. Sua sensibilidade fotográfica revela que a devastação ambiental é, antes de tudo, uma crise espiritual. Cuidar da criação é também evangelizar.
No documento Querida Amazônia, Francisco sonha com uma Amazônia que preserve sua beleza, seus povos e sua espiritualidade. Salgado, em sua obra homônima, retratou esse sonho com imagens. Fotografias que são preces. Cenas que convidam ao silêncio, à reverência, à defesa da Casa Comum. Ao documentar a floresta e seus guardiões, Salgado fez da imagem uma forma de anúncio missionário. Sua arte se converteu em resistência.
A etimologia da palavra “fotografia” é reveladora: escrever com a luz. Salgado escreveu com a luz da justiça, da fé e da esperança. Sua arte ilumina realidades sombrias, denuncia as trevas do mundo, mas também revela a luz escondida na humanidade. Seu trabalho é profundamente evangelizador. Ele nos recorda que a imagem tem poder de curar, de mobilizar, de transformar.
A Pastoral da Comunicação, hoje, é chamada a beber dessa fonte. A fotografia não é mero adorno. É instrumento pastoral. É linguagem de Deus. A imagem evangeliza onde a palavra não alcança. E quando bem utilizada, forma, comove, converte.
Sebastião Salgado deixa um legado que transcende a arte. Ele nos deixa um apelo: “Não deixem de olhar”. Não deixemos de ver os invisíveis. Não deixemos de anunciar a beleza da criação. Não deixemos de registrar a esperança que brota no chão seco das dores humanas. Em tempos de superficialidade e pressa, suas imagens continuam sendo pausas contemplativas, memoriais de fé e faróis de resistência.
Ao longo de sua carreira, Sebastião Salgado recebeu importantes prêmios internacionais que atestam não apenas sua excelência técnica, mas o impacto social e ético de sua obra:
Seus livros, exposições e projetos ambientais, como o Instituto Terra, consolidam sua memória como um dos maiores comunicadores visuais do século, comprometido com a beleza, a verdade e a justiça.