19 Outubro 2019
Agraciado com um dos prêmios literários mais importantes da Alemanha na Feira do Livro de Frankfurt, fotógrafo brasileiro afirma que homenagem tem significado especial num momento em que o Brasil vive "situação difícil".
A reportagem é de Guilherme Becker, publicada por Deutsche Welle, 18-10-2019.
Em meio aos corredores e estandes coloridos da Feira do Livro de Frankfurt, destaque para as imagens em preto e branco de um brasileiro. Laureado com o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão deste ano, uma das mais renomadas distinções literárias da Alemanha, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, 75 anos, falou a jornalistas durante o evento nesta sexta-feira (18/10), refletindo sobre seu trabalho e manifestando preocupação com a situação do Brasil sob o presidente Jair Bolsonaro.
Sebastião Salgado. (Foto: Wikipedia)
A organização do prêmio ressaltou que a homenagem a Salgado deve-se não só a seu trabalho focado em imagens do cotidiano de pessoas menos favorecidas – como imigrantes, refugiados e moradores de regiões em que o meio ambiente está ameaçado, caso dos povos indígenas na Amazônia –, mas também pelo fato de tomar ações práticas, como a fundação do Instituto Terra.
Por meio do instituto, Salgado e a mulher, Lélia, já fizeram o plantio de mais de 2,5 milhões de mudas de árvores em uma área de cerca de 700 hectares que pertencia aos pais dele, na região do Vale do Rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Salgado receberá o prêmio numa cerimônia na igreja Paulskirche, em Frankfurt, neste domingo, quando se encerra a Feira do Livro.
"Para mim, foi uma grande surpresa [receber o prêmio]. É muito especial. Estou orgulhoso, porque o prêmio leva 'paz' em seu nome. E precisamos de tanta paz. A situação no meu país está tão difícil. Tão difícil para os indígenas. Por isso, significa muito para mim receber este prêmio", disse Salgado, em inglês.
Ao anunciar o prêmio para Salgado, a Federação do Comércio Livreiro afirmou que, com suas fotografias, ele promove a "justiça e paz sociais" e confere urgência ao "debate mundial sobre a proteção da natureza e do clima".
Seu mais recente projeto chama-se Amazônia. Com imagens de povo indígenas e animais da região, o projeto deve ser lançado em livros e exposições no Brasil e no exterior a partir de 2021.
"É um desastre o que está acontecendo no Brasil, não apenas nas florestas, mas sim em toda a sociedade. Governos de direita e de esquerda respeitam as instituições. Mas quando há o extremo, como a extrema direita, isso não é respeitado. Estamos destruindo instituições que levaram anos para ser construídas", afirmou o fotógrafo, referindo-se a órgãos como a Funai e o Ibama.
Em seguida, ele criticou o projeto de flexibilização para o porte de armas de fogo no país, uma das principais políticas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, e também a redução dos incentivos à cultura.
"O Brasil se tornou um país violento. Se cada um tiver uma arma na mão, vai ficar ainda pior", disse. "A cultura também tem sido um desastre. Investimentos têm sido cortados. Esse governo é um desastre, mas, ao mesmo tempo, vem perdendo poder. Temos esperança de que ele não chegue ao fim [do mandato]. No entanto, se chegar, temos que lutar para que não seja reeleito", disse.
Questionado sobre o que poderia ser feito para apaziguar o conflito envolvendo terras indígenas e o agronegócio, Salgado foi direto: "Pressionar. Temos que pressionar o máximo possível. E pedir ajuda, inclusive da Alemanha. Temos que fazer essa pressão, e isso pode funcionar", complementou.
Ao comentar seu trabalho realizado ao longo das últimas décadas, focado em questões humanitárias como o genocídio em Ruanda e crises de refugiados, Salgado fez questão de salientar que procura enxergar a dignidade acima da estética. Em todos os continentes.
"Não há diferença de beleza. Há beleza em todos os continentes, não apenas estética, mas sim de dignidade. E a dignidade está em todo o lugar. Vocês, que vivem na França, na Alemanha, vivem na exceção. Eu venho de um país subdesenvolvido, e é preciso mostrar a realidade do mundo. As pessoas precisam ter direitos iguais", afirmou.
O fotógrafo afirmou que o trabalho documental exige concentração e saúde. Devido à cobertura da guerra civil que culminou no genocídio em Ruanda – no qual estima-se que 800 mil pessoas tenham morrido em apenas quatro meses, entre abril e julho de 1994 –, adoeceu por causa do estresse das cenas que presenciou.
"Tive muitos pesadelos. Fiquei doente por isso. Mas era preciso ir. É preciso ir quando isso é o seu trabalho e a sua responsabilidade", disse.
Depois disso, decidiu parar por um tempo. E comentou que seguiu para o mesmo local em que a seleção alemã de futebol ficou hospedada no Brasil, na Copa do Mundo de 2014, em uma praia localizada a 45 minutos de Porto Seguro, no sul da Bahia.
"Junto com a Lélia, fiquei lá três meses e me recuperei. Mas é claro que isso [o trabalho] me afeta. Para mim, a real inteligência humana é a capacidade de adaptação. Quando você vai contar histórias, o primeiro, o segundo e o terceiro dias são difíceis. Mas, a partir do décimo, aquilo se torna o seu escritório, com seus amigos, com as pessoas com quem você trabalha e cria relações. Isso se torna a sua vida", enfatizou.
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"É um desastre o que está acontecendo no Brasil", diz Sebastião Salgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU