03 Outubro 2021
Sebastião Salgado é um homem visionário e tenaz. Sua missão, há décadas, é salvar o último Éden remanescente, a Amazônia, minado por uma destruição progressiva e imparável. Defender uma região (tão grande quanto a Europa) equivale a evitar que a Terra se autodestrua.
O grande fotógrafo entra bem cedo da manhã no Maxxi, o museu de arte contemporânea em Roma, na Itália, e se detém frente às imagens malucas e proféticas que fazem parte de uma exposição destinada a percorrer as grandes capitais.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada em Il Messaggero, 01-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A COP-26 será inaugurada em Glasgow em um mês. O que você espera dessa cúpula do clima?
Faço logo uma premissa para limpar o campo de qualquer mal-entendido: o meu trabalho não tem referências de tipo político, é uma espécie de missão caracterizada pela independência total. Mas a fotografia é a minha vida. Nas imagens que eu capturo com as lentes, eu expresso as minhas opiniões, a minha ética e, consequentemente, tento também viver de modo coerente. Pessoalmente, alimento uma grande esperança na Cúpula de Glasgow que será realizada em novembro na Escócia. Espero que haja dois aspectos centrais nas discussões previstas.
Primeiro: a preservação da região amazônica, assim como a defesa das florestas temperadas do Canadá, do Alasca, da Sibéria e das grandes extensões desérticas. Isso porque devemos garantir tudo aquilo que ainda não destruímos. O segundo aspecto diz respeito à estratégia a ser elaborada para sanar as feridas infligidas ao ecossistema. Há também o tema do reflorestamento. Por meio de uma fundação, nós já plantamos milhões de árvores de centenas de espécies diferentes desde 1999. Acredito que se deva fazer o mesmo em outros lugares, também aqui na Itália, onde eu vejo o avanço das monoculturas, sobretudo. Caso contrário, perde-se aquela biodiversidade sem a qual a vida na terra será cada vez mais difícil. É preciso agir, e o tempo está se esgotando.
Vamos falar sobre o imposto sobre o carbono: você acha que ele pode realmente servir à causa ambiental e ajudar a reduzir as emissões de CO2 na atmosfera?
Amadureci uma opinião favorável, mas com uma condição: que os valores arrecadados efetivamente sirvam para apoiar projetos rigorosos de proteção da terra. Explico: os créditos devidos pelo CO2 emitido, ou seja, a receita do imposto sobre as emissões de dióxido de carbono, são recursos realmente essenciais se quisermos recuperar o nosso ecossistema começando a plantar florestas. Infelizmente, até hoje, os créditos foram principalmente para apoiar o setor industrial que, em vez de reduzir as emissões nocivas, aumentou a produção.
Estou convencido de que os incentivos no mínimo deveriam ser dirigidos aos agricultores. A abordagem que predomina hoje deve ser revertida, razão pela qual não apenas os representantes do mundo empresarial ou financeiro deveriam ser convidados para Glasgow, mas também os agricultores e os cultivadores. Ajustar o planeta significa agir concretamente com projetos locais, generalizados controláveis. Plantar árvores continua sendo fundamental. Repito isso várias vezes, porque as árvores representam o único instrumento para transformar o CO2 em oxigênio. Na madeira, o carbono é coletado por meio da fotossíntese. Por isso, os créditos do imposto sobre o carbono deveriam ser dirigidos aos agricultores, caso contrário não se resolverá nada.
O que devemos entender aqui e agora, sem perder mais tempo?
O mundo deve entender que a Amazônia é o espaço mais puro que temos à disposição. Uma espécie de Éden. Ecologicamente não contaminado do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista humano, pois lá reside o maior grupo cultural do planeta, que pode ser rastreado até as nossas raízes. A Amazônia é um milagre vivo. Nela vivem 180 tribos espalhadas, que falam 182 línguas diferentes, dando origem a culturas distintas. Trata-se de um espaço essencial: nessa macrorregião, captura-se a maior quantidade de CO2 do planeta e existe a maior massa de água e de umidade terrestre, capaz de alimentar os chamados rios aéreos. Eu os fotografei o tempo todo: são rios de nuvens, um fenômeno único e incrivelmente poderoso. Confio ao Messaggero, o jornal que o papa lê todos os dias, uma mensagem cheia de realismo. A Amazônia também pode ser comparada a uma espécie de Paraíso terrestre com populações formadas por homens e mulheres não tocados pelo pecado original. É o símbolo daquilo que é bom, narrado no Gênesis.
Por nada menos do que 10 anos você viveu essa realidade extraordinária tanto do ponto de vista natural quanto humano: o que ainda não conseguiu contar com as suas fotos?
Em geral, posso dizer que passei naqueles lugares inacessíveis o tempo necessário para trabalhar como eu queria, completando 48 reportagens. Só há uma história que não consegui terminar por causa da Covid, mas consegui ver tudo o que eu queria.
Depois de uma experiência tão intensa, o que os seus olhos veem que ainda não conseguimos captar?
A constatação de que aquelas tribos somos nós desde o início. Viver com eles é penetrar no desenvolvimento da espécie humana, desde quando o Homo sapiens entrou no continente americano há 20 mil anos, pelo Estreito de Bering, depois da era do gelo. E, quando os portugueses e os espanhóis descobriram as Américas, eles encontraram a nossa progênie, deparando-se com a pré-história da humanidade. Lembrando que ainda hoje existem dezenas de grupos de índios que nunca entraram em contato com a nossa civilização. Considero um grande privilégio ter podido conhecê-los e observá-los. É como se encontrar diante das origens da nossa espécie.
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“A Terra só se salvará com mais árvores, mas o tempo para agir está se esgotando.” Entrevista com Sebastião Salgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU