13 Mai 2025
“Quase todos os analistas aceitam o declínio relativo da hegemonia estadunidense, e muitos deles apostam que a atual guerra comercial será vencida pela China. Analisar a magnitude das lacunas produtivas entre um país e outro nos ajuda a entender melhor o que está em jogo”. A reflexão é de Raúl Zibechi, em artigo publicado por Brecha, 08-05-2025. A tradução é do Cepat.
Quase todos os analistas aceitam o declínio relativo da hegemonia estadunidense, e muitos deles apostam que a atual guerra comercial será vencida pela China. Analisar a magnitude das lacunas produtivas entre um país e outro nos ajuda a entender melhor o que está em jogo.
“Os primeiros 100 dias do segundo mandato do presidente Donald Trump provocaram mais danos à democracia estadunidense do que qualquer outra coisa desde o fim da Reconstrução. Trump tenta criar uma presidência sem as restrições do Congresso ou dos tribunais, na qual ele e seus indicados possam anular as leis escritas quando quiserem. É precisamente a perspectiva autocrática que os fundadores desta nação procuraram evitar ao redigir a Constituição”, observa o editorial do The New York Times de 1º de maio.
O texto, consensuado pela direção de um dos principais veículos de comunicação do mundo e intitulado “Lute como se nossa democracia dependesse disso”, convoca a população a se mobilizar com calma e dentro da lei para limitar o poder de Trump. Na verdade, é isso que vem acontecendo há algumas semanas. Em muitas tardes, e especialmente no dia 30 de abril, véspera do Dia dos Trabalhadores (que não é comemorado nos Estados Unidos), pequenos grupos de ativistas supostamente democratas e independentes se reuniam em cruzamentos ou em praças nos locais mais remotos, carregando faixas contra o presidente.
Alguns analistas preveem que nas próximas semanas os problemas de uma economia já em recessão irão piorar. Enquanto isso, a CNN relata que “os diretores dos gigantes do varejo Walmart, Target e Home Depot alertaram o presidente que as prateleiras das lojas nos Estados Unidos poderiam ficar vazias em breve”. Aparentemente, Trump teria suspendido tarifas sobre alguns produtos devido à pressão das grandes redes varejistas, mas, no geral, a política do governo parece errática e caprichosa.
Se as coisas estiverem indo como a CNN sugere, parece claro que a margem de manobra da Casa Branca está tendendo a diminuir. Um desabastecimento, mesmo parcial, teria consequências tremendas para um governo que já está perdendo popularidade.
Como resultado dos obstáculos impostos à China desde a primeira presidência de Trump, o Dragão começou a se dirigir para novos mercados na Ásia, África e América Latina por meio de sua Iniciativa Cinturão e Rota. O maior mercado de exportação da China agora é o sudeste asiático, e o país não depende mais da soja dos EUA porque está cultivando mais e comprando a maior parte restante do Brasil.
Os analistas do declínio dos Estados Unidos e o fato de que agora vivemos em um mundo multilateral lembram que a China e os Estados Unidos juntos representam apenas 34% da economia global, ao passo que em 1945 os EUA sozinhos respondiam por 45% do PIB global.
Os autores do artigo “O declínio dos Estados Unidos” (Consortiumnews, 30-04-2025) citam um artigo do historiador Paul Kennedy publicado em 1987: “Um dilema comum para os antigos países ‘número um’ tem sido que, enquanto sua força econômica relativa está diminuindo, os crescentes desafios externos à sua posição os forçaram a alocar cada vez mais recursos para o setor militar, o que por sua vez limita o investimento produtivo”. E acrescentam: “Desde 1987, contra todas as evidências históricas, sete presidentes estadunidenses, democratas e republicanos, aderiram cegamente à noção simplista propagada pelos neoconservadores de que os Estados Unidos podem deter ou reverter as marés da história econômica através da ameaça e do uso da força militar”.
Na verdade, a China está agora cercada por 100 mil militares estadunidenses alocados no Japão, Coreia do Sul e Guam (além de 73 mil no Havaí e 415 mil na Costa oeste dos EUA) “e armas nucleares e convencionais suficientes para destruí-la completamente, e ao resto de nós junto com ela”.
A China acredita que os Estados Unidos estão no meio de uma profunda crise dos opioides, semelhante àquela que contribuiu para a queda da dinastia Qing há 200 anos (Asia Times, 01-05-2025). O jornal pró-governo Diario del Pueblo informou em 28 de abril que, com 5% da população mundial, os Estados Unidos consomem 80% de todos os opioides do mundo. “Cerca de 200 anos atrás, a corte imperial restringiu as importações de ópio. Ainda assim, os comerciantes britânicos argumentavam que esse era o único produto que os chineses estavam dispostos a importar. Os britânicos, em 1840, e mais tarde uma aliança de potências ocidentais, em 1856, travaram duas guerras para liberalizar o comércio de ópio na China”. Por essa razão, os chineses culpam o vício em ópio pela decadência nacional que arruinou o país, “ao passo que os estrangeiros minimizam a questão, argumentando que o problema era o consumo do povo chinês”.
A imprensa de Hong Kong afirma que agora estamos vivendo “uma crise do ópio reversa”, já que as autoridades estadunidenses culpam a China por ignorar o tráfico de componentes do fentanil, enquanto os chineses argumentam que o vício em opioides nos EUA é o verdadeiro problema, afirmando que “culpar a China não vai resolvê-lo. Dois séculos atrás, essas tensões levaram a uma guerra. Haverá agora uma nova guerra do ópio?”
Para ilustrar a gravidade da crise dos opioides, deve-se dizer que em 2023 114 mil pessoas morreram de overdose de drogas nos Estados Unidos, em comparação com 87 mil no ano passado. Em comparação, os Estados Unidos perderam 58 mil soldados em combate ao longo de dez anos durante a Guerra do Vietnã, e cerca de 400 mil em toda a Segunda Guerra Mundial, de um total de mais de 50 milhões de mortos.
A Paridade do Poder de Compra (PPC) é atualmente o método preferido usado por economistas do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial para medir o PIB de um país. Trata-se de comparar o PIB ajustado pelos preços dos bens e serviços de cada país. Em termos da PPC, a China ultrapassou os Estados Unidos como a maior economia do mundo em 2016. Hoje, a economia da China seria pelo menos 25% maior que a dos Estados Unidos. Curiosamente, a China é responsável por quase 20% do PIB global, os Estados Unidos e a União Europeia são responsáveis por 14% cada, enquanto a Índia, a Rússia, o Brasil, o Japão e o resto do mundo são responsáveis pelos 51% restantes.
Em maio, o Banco Mundial concluiu uma de suas avaliações periódicas do Programa de Comparação Internacional, a pesquisa de preços que determina “oficialmente” o PIB em termos de paridade do poder de compra. De acordo com The Economist, pesquisadores do Banco Mundial visitaram 16 mil lojas somente na China para coletar dados de preços. “O resultado final é que o PIB da China foi subvalorizado em US$ 1,4 trilhão, o que elevou o PIB da China para 125% do PIB dos Estados Unidos” (Asia Times, 17-06-2024).
O Asia Times recusa-se a acreditar que o PIB da China seja apenas 25% maior que o dos Estados Unidos. “Vamos lá!... A quem estamos enganando? No ano passado, a China gerou o dobro de eletricidade que os Estados Unidos, produziu 12,6 vezes mais aço e 22 vezes mais cimento. Os estaleiros chineses foram responsáveis por mais de 50% da produção global, enquanto a produção estadunidense foi insignificante. Em 2023, a China produziu 30,2 milhões de veículos, quase três vezes mais que os 10,6 milhões fabricados nos Estados Unidos”.
Na opinião do Asia Times, não é que o Banco Mundial tenha feito um trabalho ruim. “Acreditamos que o Instituto Nacional de Estatística (NSB) da China, ao contrário da opinião popular, vem subestimando o PIB há décadas, e que o Banco Mundial deveria se ajustar aos dados publicados pelo NSB. Isso foi politicamente importante décadas atrás para as concessões da OMC [Organização Mundial do Comércio] e é politicamente importante hoje para manter seu status como uma economia em desenvolvimento, enquanto a China aspira liderar o Sul global”.
As autoridades chinesas rejeitam veementemente a forma como o PIB é medido em muitos países ocidentais. O Reino Unido, por exemplo, inclui as drogas, os roubos e a prostituição em seu PIB, enquanto outros adicionam taxas e atividades de mercado ilegais. Os chineses, pelo contrário, “consideram os serviços como custos necessários da produção material, mas não como parte da criação de valor real”. Apesar da pressão do Banco Mundial, a China continua resistindo à inflação de determinados serviços que ocupam um lugar de destaque na medição do PIB no Ocidente. “A crise de acessibilidade nas economias ocidentais, especialmente nos Estados Unidos, se deve em grande medida à inflação dos serviços básicos (aluguel, saúde, educação e creche), não aos produtos manufaturados. Embora esses custos também tenham aumentado na China, o aumento foi menor, e muitos ainda estão fora do PIB”, conclui o Asia Times.