05 Mai 2025
"Aqueles que pretendem bloquear ou, pelo menos, filtrar as correntes de ar novo que começaram a circular na Igreja falam de uma 'hermenêutica da continuidade' entre João Paulo II-Bento XVI-Francisco, um artifício retórico útil para neutralizar a novidade de Bergoglio, aliás já usado no passado (por Ratzinger) para redimensionar a atualização introduzida pelo Concílio Vaticano II", escreve Luca Kocci, jornalista, em artigo publicado por Il Manifesto, 04-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
À medida que as reuniões dos cardeais continuam, tanto as oficiais nas congregações gerais no Vaticano quanto as não oficiais nas várias “salinhas” informais, emerge a verdadeira linha de falha que divide os cardeais chamados a eleger o sucessor de Bergoglio, para além das declarações ecumênicas de unidade: o novo papa terá que expressar continuidade ou descontinuidade com o pontificado de Francisco? Continuar os “processos iniciados” - que são tantos quanto as reformas não concluídas - ou interrompê-los?
O novo pontífice? “Estamos procurando por ele. O desejo é que ele possa estar em continuidade com Francisco”, declarou o cardeal argentino Bokalic Iglic ontem de manhã, antes de entrar no salão do Sínodo para a nona congregação geral.
Do outro lado, o Cardeal Arcebispo Goh, de Cingapura: “Reconhecemos os méritos de Francisco, mas nenhum papa é perfeito, encontraremos a pessoa certa”.
Ambos nomeados cardeais por Francisco (em 2024 e 2022, respectivamente), na realidade têm visões muito diferentes sobre o futuro pontífice. Isso diz muito sobre a suposta compactação dos “bergoglianos”: se os 108 eleitores dos 133 escolhidos por Bergoglio estivessem se movendo como um bloco unitário, o conclave já teria terminado, porque alcançaria facilmente a maioria de 2/3 (89 votos) para eleger o novo papa. Mas, de fato, não é o caso.
Aqueles que pretendem bloquear ou, pelo menos, filtrar as correntes de ar novo que começaram a circular na Igreja falam de uma “hermenêutica da continuidade” entre João Paulo II-Bento XVI-Francisco, um artifício retórico útil para neutralizar a novidade de Bergoglio, aliás já usado no passado (por Ratzinger) para redimensionar a atualização introduzida pelo Concílio Vaticano II.
Outros, ao contrário, enfatizam a descontinuidade do pontificado de Francisco e apostam em um papa que continuará nessa linha. O resultado é um conclave que se apresenta particularmente incerto - também por causa de sua composição variegada e multipolar - e que poderia terminar com uma escolha de mediação ou de compromisso. Vinte e seis cardeais falaram na congregação geral da manhã de ontem, abordando vários temas de relevância eclesial e pastoral: o papel da cúria em relação ao papa (o fato de ter reduzido a cúria romana é uma das críticas feitas a Bergoglio pelos setores conservadores), a ação da Igreja pela paz, a sinodalidade e a colegialidade, o diálogo ecumênico e o viés missionário. Alguns cardeais, informa uma nota da sala de imprensa da Santa Sé, “expressaram o desejo de que o próximo papa tenha um espírito profético, capaz de guiar uma Igreja que não se feche sobre si mesma, mas que saiba sair”, temendo o risco de que “se torne autorreferencial e perca sua relevância se não viver no mundo e com o mundo”.
A discussão está aberta e o perfil do sucessor de Francisco ainda não existe, como deu a entender o Cardeal Gugerotti (Prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais até a morte de Bergoglio, quando todas as nomeações cessaram automaticamente) com uma metáfora botânica: “Somos flores a serem regadas, precisamos de muita água”. Um conceito reiterado pelo cardeal francês Vesco, arcebispo de Argel: “Ainda não estamos prontos, precisamos de mais tempo”.
De fato, amanhã as congregações dobrarão: além da sessão matinal habitual, haverá uma segunda à tarde, também porque ainda há muitos cardeais que querem falar, antes que as portas da Capela Sistina se fechem em 7 de maio para o início da votação.
O Vaticano não comentou a postagem de Trump na qual o presidente dos EUA - que na verdade está torcendo por Dolan, um cardeal conservador de Nova York - se retrata vestido de papa. Mas os EUA, sim: “Não há nada de inteligente ou engraçado nessa foto, Sr. Presidente. Não zombe de nós”, aparece na conta da conferência dos bispos dos EUA. E os conservadores temem o efeito reverso de Trump: depois das vitórias dos progressistas nas eleições do Canadá e da Austrália, será que acontecerá o mesmo no Vaticano?
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