09 Abril 2025
Tarifas de até 50% afetam países africanos que já sofrem com dificuldades políticas e econômicas e revelam falta de clareza sobre critérios adotados pelo governo americano.
A reportagem é de Martina Schwikowski, publicada por DW, 08-04-2025.
As pesadas tarifas anunciadas por Donald Trump na semana passada geraram uma onda de preocupação em todo o continente africano que atingiu especialmente países pequenos e pobres com pouca relevância na balança comercial dos Estados Unidos.
Lesoto, um reino montanhoso com 2,3 milhões de habitantes totalmente cercado pela África do Sul, é o maior exemplo disso. Conhecido como a "capital do denim da África", o país tem uma economia fortemente dependente da venda de jeans para grandes marcas americanas, como Levi's e Wrangler. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, foi o mais taxado por Trump, com uma tarifa de 50%.
O comércio do Lesoto com os EUA – seu segundo maior parceiro comercial, atrás apenas da África do Sul – representa mais de um décimo do PIB do país africano. As vendas para os EUA foram de 237 milhões de dólares (R$ 1,4 bilhão) em 2024. Do outro lado, esse comércio equivale a 0,006% do total das importações dos EUA.
A taxa aplicada "não se baseia em fatos concretos", e o governo está tentando esclarecer a situação com Washington, disse à DW o ministro do Comércio de Lesoto, Mokhethi Shelile.
"Temos, no total, cerca de 11 fábricas que abastecem o mercado americano", disse ele. "E essas empresas empregam mais de 12 mil pessoas, o que representa cerca de 42% do total de empregos no setor têxtil do país".
A maior preocupação do governo agora é com o fechamento imediato de fábricas e a perda de empregos com a guerra tarifária de Trump. "Precisamos viajar com urgência para os EUA para conversar com seus executivos e defender nosso caso", disse Shelile a repórteres nesta terça (08/04).
Para Daniel Silke, diretor da consultoria sul-africana Political Futures Consultancy, a fórmula tarifária imposta por Trump é problemática porque "não reflete as várias nuances que cada país tem em termos de sua própria economia doméstica e estrutura de exportação".
Entre os países africanos mais prejudicados pelo tarifaço de Trump estão ainda Madagascar, taxada em 47%, Botsuana, em 37% e África do Sul, em 30%.
Essas tarifas podem não afetar o PIB geral da África do Sul, mas atingirão setores importantes como o agronegócio e as exportações de veículos, analisa Silke. Cerca de 10% dos veículos fabricados na África do Sul são exportados para os EUA.
A maior economia da África buscará novos mercados para as exportações agrícolas, mas o vinho e outros produtos frescos sentirão o impacto inicial, acredita Silke.
A Associação de Produtores de Cítricos da África do Sul, por exemplo, alertou que as novas tarifas podem colocar em risco 35 mil empregos relacionados ao cultivo de frutas cítricas no país.
A indústria têxtil em Lesoto cresceu em torno do acesso livre de tarifas aos EUA sob a Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (Agoa), que foi introduzida em 2000 para impulsionar o desenvolvimento e a industrialização no continente.
De acordo com Silke, as tarifas dos EUA representam, na prática, o fim da Agoa, responsável por centenas de milhares de empregos.
Para os sul-africanos, os efeitos serão sentidos não apenas nas exportações, mas também na inflação, no emprego e na política de taxas de juros.
O Quênia também exporta roupas para os EUA, mas Washington impôs uma tarifa mais baixa, de 10%, ou seja, sua economia não será tão afetada quanto a de outros países, o que pode representar uma vantagem competitiva.
Gana, Etiópia, Tanzânia, Uganda, Senegal e Libéria também estão entre os países cujas exportações para os EUA estarão sujeitas à tarifa básica de 10%.
Com uma economia diversificada e a China como seu principal parceiro, a África do Sul pode olhar para além dos EUA em busca de novos mercados, disse Silke.
"As consequências políticas, que estão profundamente ligadas à economia, serão de longo alcance e podem não ser desejadas por Washington como resultado", concluiu Silke.
Kako Nubukpo, economista e ex-ministro do governo do Togo, alertou que as tarifas atingiriam as nações africanas que já sofrem com dificuldades políticas.
"Os que foram deixados para trás pela globalização parecem cada vez mais numerosos. E, portanto, temos visto um aumento nos regimes iliberais, seja na Europa, na África ou na América", disse à agência de notícias AFP.
Os países africanos devem promover suas próprias cadeias de valor nacionais e regionais como amortecedores contra as tarifas, sugere Nubukpo.