02 Abril 2025
O movimento Munduruku Ipereğ Ayũ divulgou ontem (31) uma carta em que reforça as reivindicações da mobilização iniciada uma semana atrás na BR-230, a rodovia transamazônica. Desde o dia 25 de março, indígenas do povo Munduruku bloqueiam a rodovia, cobrando a derrubada da Lei 14.701/2023 e o fim da mesa de conciliação conduzida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes a respeito do tema.
A informação é de Tiago Miotto, publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 01-04-2025.
Os indígenas cobram uma audiência com o ministro Gilmar Mendes e denunciam as frequentes agressões, ameaças e xingamentos de que têm sido alvo durante a ocupação. Na noite de quinta-feira (27), caminhoneiros dispararam com armas de fogo contra o acampamento Munduruku.
“Nosso movimento é pacífico, porém temos sofrido repetidos ataques e ameaças de caminhoneiros, incluindo xingamentos, arremesso de pedras, disparos e manobras violentas com veículos”, afirmam os Munduruku, que atribuem ao STF “qualquer dano que venhamos a sofrer, pois estamos aqui lutando para sermos ouvidos”.
“Queremos uma audiência imediata com o Ministro Gilmar Mendes, na qual nossas vozes sejam de fato escutadas”, reivindica o movimento. “Se não houver resposta positiva em até 24 horas após o recebimento deste documento, intensificaremos a mobilização e manteremos a paralisação total da rodovia”.
A ocupação ocorre num ponto em que a BR-230 intersecciona-se com a BR-163, na região do rio Tapajós, no sudoeste do Pará. A via dá acesso ao porto de Miritituba e é um dos principais canais de escoamento da produção do agronegócio da região Centro-Oeste.
Os bloqueios são interrompidos à noite e restabelecidos ao nascer do sol, diariamente, desde o dia 25 de março. As lideranças informam que estão liberando a passagem de pessoas doentes, ambulâncias e cargas vivas, e barrando apenas a circulação dos demais veículos. Indígenas do alto, do médio e do baixo Tapajós participam da ocupação.
“Estamos sofrendo pressões de empresas ligadas ao agronegócio e recebendo intimidações judiciais que buscam reprimir nossa ocupação”, relatam os Munduruku. “No entanto, este trecho da BR-230 que sobrepõe a BR-163 – fundamental para o escoamento da soja e símbolo do poder econômico que impulsiona o Marco Temporal – permanecerá interrompida enquanto nos negarem o devido reconhecimento”.
“Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda câmara de conciliação convocada pelo ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos”
A mobilização Munduruku teve início um dia antes da retomada das atividades da mesa de conciliação, que havia sido suspensa a pedido da União. A primeira reunião após a interrupção ocorreu na quinta-feira (27) – mesmo dia em que os Munduruku foram alvo de disparos de arma de fogo. Na ocasião, o governo começou a apresentar sua proposta à mesa e o ministro Gilmar Mendes determinou a exclusão do tema da mineração em terras indígenas das discussões.
Em fevereiro, o ministro havia apresentado um anteprojeto de lei como proposta de resultado da mesa. A proposição acolhia sugestões do advogado da mineradora canadense Potássio do Brasil e aproveitava partes do Projeto de Lei (PL) 191/2020, do governo Bolsonaro, para permitir a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas em caso de “relevante interesse público da União”, conforme apontam apurações do InfoAmazonia e da Agência Pública.
“Tentam ainda nos enganar ao retirar a mineração da pauta, mas mantêm múltiplos ataques à nossa existência, o que não aceitaremos”, afirma a carta dos Munduruku.
“Temos ido a Brasília inúmeras vezes, mas nunca fomos de fato ouvidos. Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda câmara de conciliação convocada pelo ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos”, afirma o povo.
No ano passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiu se retirar da mesa, por considerá-la uma negociação forçada” e ilegítima de seus direitos. Apesar da saída dos representantes indígenas, a mesa seguiu seus trabalhos.
“Não deixaremos este local enquanto não houver diálogo verdadeiro. Nosso compromisso não é apenas com o presente, mas com as futuras gerações: nossos filhos, netos e todos que ainda virão. Não abriremos mão dos direitos que conquistamos com séculos de luta e resistência”, afirmam os Munduruku.
Leia a carta na íntegra ou clique aqui para acessá-la no site do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ.
BR-230, 31 de março de 2025
Nós, do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ – caciques, cacicas lideranças, guerreiras, guerreiros, crianças, pajés –, estamos há sete dias em ocupação na BR-230, região de Itaituba-PA, exigindo uma audiência urgente com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nosso movimento é pacífico, porém temos sofrido repetidos ataques e ameaças de caminhoneiros, incluindo xingamentos, arremesso de pedras, disparos e manobras violentas com veículos. Repudiamos veementemente essas agressões que colocam em risco a vida do nosso povo e declaramos que o STF será responsabilizado por qualquer dano que venhamos a sofrer, pois estamos aqui lutando para sermos ouvidos. Já que a Câmara de conciliação do Ministro Gilmar Mendes foi criada sem a devida consulta prévia aos povos Indígenas.
O Marco Temporal, amplamente defendido pelo agronegócio, viola nossos direitos originários e fere a Constituição Federal, que reconhece nossa ancestralidade e a demarcação de nossas terras. O Ministro Gilmar Mendes e outros integrantes do STF detêm poder para definir o rumo de decisões que afetam nossas vidas, mas preferem seguir trilhas que atentam contra direitos que nos cabem muito antes da formação do Estado Brasileiro. Enquanto são realizadas reuniões fechadas, sem consulta livre, prévia e informada, o Povo Munduruku segue resistindo embaixo de chuva e de sol na proteção de territórios como Sawre Ba’pin e Sawre Muybu, cujas demarcações vêm sendo ameaçadas ou paralisadas. Tentam ainda nos enganar ao retirar a mineração da pauta, mas mantêm múltiplos ataques à nossa existência, o que não aceitaremos.
Destacamos, ainda, que estamos sofrendo pressões de empresas ligadas ao agronegócio e recebendo intimidações judiciais que buscam reprimir nossa ocupação, com uso das forças armadas do estado, na tentativa de violar nossos direitos humanos e direito a manifestação. No entanto, este trecho da BR-230 que sobrepõe a BR-163 – fundamental para o escoamento da soja e símbolo do poder econômico que impulsiona o Marco Temporal – permanecerá interrompida enquanto nos negarem o devido reconhecimento.
Reafirmamos nosso apelo por diálogo direto: queremos uma audiência imediata com o Ministro Gilmar Mendes, na qual nossas vozes sejam de fato escutadas. Se não houver resposta positiva em até 24 horas após o recebimento deste documento, intensificaremos a mobilização e manteremos a paralisação total da rodovia. Não será a primeira vez que exigimos ser ouvidos, mas nunca fomos considerados realmente. Não recuaremos, pois esta luta não começou agora – temos ido a Brasília inúmeras vezes, mas nunca fomos de fato ouvidos. Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda câmara de conciliação convocada pelo Ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos.
Por fim, exigimos respeito à Constituição Federal e às leis que protegem os povos indígenas. Não deixaremos este local enquanto não houver diálogo verdadeiro. Nosso compromisso não é apenas com o presente, mas com as futuras gerações: nossos filhos, netos e todos que ainda virão. Não abriremos mão dos direitos que conquistamos com séculos de luta e resistência.
Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ