27 Fevereiro 2025
Texto apresentado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, que permite exploração econômica de terras indígenas, entre outros pontos, é considerado um “grande retrocesso”
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Repórter Brasil, 26-02-2026.
Três relatorias especiais da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre meio ambiente, mudanças climáticas e direitos indígenas condenaram a proposta de Gilmar Mendes sobre o marco temporal indígena. Em comunicado, a organização classificou o texto apresentado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) como um “grande retrocesso”.
“As novas alterações propostas, se aprovadas, constituirão um grande retrocesso para os direitos dos povos indígenas, para a proteção ambiental e para as ações voltadas para a emergência climática”, diz o pronunciamento publicado nesta terça-feira (25). As relatorias especiais da ONU são formadas por especialistas indicados pelo Conselho de Direitos Humanos da organização. Eles são responsáveis por receber denúncias, fiscalizar e fazer sugestões.
O marco temporal determina que os indígenas só tenham direito à demarcação das terras sob sua posse na data da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. A tese foi considerada inconstitucional pelo STF em setembro de 2023, mas ganhou roupagem nova em dezembro daquele mesmo ano, quando foi aprovada pelo Congresso na lei 14.701.
Diante do impasse, o STF criou em agosto de 2024 uma comissão especial com lideranças indígenas, representantes de ruralistas e autoridades públicas para tentar uma conciliação sobre o tema. Naquele mesmo mês, no entanto, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) se retirou da mesa.
Publicada no último dia 17, a minuta elaborada pelo gabinete de Mendes altera o processo de demarcação de terras indígenas e abre os territórios tradicionais para atividades de mineração, dentre outros pontos.
“No momento em que o planeta enfrenta uma crise climática sem precedentes, o STF apresenta uma proposta que vai impactar significativamente o clima, o meio ambiente e os direitos indígenas”, critica Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. “A proposta apresentada pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes conseguiu ser pior do que a própria lei [do marco temporal]”, complementa.
“A Câmara tornou um espaço onde direitos já reconhecidos passaram a ser negociados, revelando uma manobra para alterar, sem debate legítimo, o que foi assegurado pela Constituição de 1988”, diz a Apib em nota publicada em 18 de fevereiro, um dia após a proposta de Mendes vir à tona.
Esta não é a primeira vez que a ONU demonstra preocupação diante do tema. Em julho do ano passado, relatores da organização fizeram um apelo para que o STF e o Senado suspendessem a aplicação do marco temporal.
Na nota mais recente, a organização destacou o papel do Brasil no enfrentamento da crise climática, e alertou que, se aprovada, a proposta de Mendes “poderá agravar significativamente a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição tóxica”.
“Demarcar terras indígenas é fazer uma política de direitos humanos, mas, acima de tudo, uma política de clima”, reforça Maurício Terena.
Para Luis Ventura Fernández, secretário executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a minuta representa uma ameaça aos direitos dos povos indígenas e não é consenso nem mesmo entre os membros da câmara de conciliação que analisa o marco temporal.
Fernández espera que o trabalho da comissão termine o quanto antes para que o STF retome “o caminho da segurança jurídica”. “E qual é o caminho da segurança jurídica? Apreciar a inconstitucionalidade da lei do marco temporal”, avalia.
Gilmar Mendes suspendeu por 30 dias os trabalhos da comissão a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que pediu mais tempo para avaliar.
O gabinete do ministro Gilmar Mendes foi procurado, mas informou que não iria comentar o relatório.
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