17 Março 2025
Ferran Sáez (Granja de Escarpe, 1964) é um conservador honesto. Professor na Universidade Ramon Llull e especialista em Montaigne, publicou cerca de vinte ensaios. Entre suas últimas obras, destaca-se La fi del progressisme il·lustrat (Pòrtic), onde aborda questões a priori perfeitas para terminar em um grande jardim (a pós-modernidade, a teoria queer, a ascensão da autoajuda e do individualismo), mas de forma crítica e bem fundamentada, sem cair na caricatura.
A entrevista é de Oriol Solé Altimira, publicada por El Diario, 01-03-2025. A tradução é do Cepat.
Seu livro apresenta um panorama bastante pessimista, um mundo em decadência.
Decadência é uma palavra feia e a associamos a momentos políticos turbulentos. Quando se observa com atenção não só a situação política, mas também a cultural e acadêmica, penso que o mundo tende mais à decadência do que à emergência de algo positivo. Pensemos em uma situação não decadente, como a alegria dos Estados Unidos com Kennedy no século passado. Havia uma situação insustentável de segregação racial e podridão moral, e o país votou para sair dela. A situação atual, com Putin e Trump, é que este mundo desmorona. Pelo menos essa é a minha percepção.
Em especial, ressalta a decadência cultural e a vincula à evolução da pós-modernidade. Por quê?
Em um sentido cultural, a origem da pós-modernidade foi muito interessante e necessária, mas seus seguidores se tornaram decadentes. Em um sentido político, também implicou um retorno de conceitos e fenômenos que pensávamos que nunca mais voltariam, como o populismo, que voltou a entrar em nossas vidas através da Internet. Em um sentido econômico, também não esperávamos que a globalização acabasse transformando os europeus em pouco mais que consumidores de produtos, em sua maioria chineses.
Destaca a ruptura que ocorre na passagem da modernidade para a pós-modernidade.
A ideia de igualdade de direitos vinculada à modernidade está sendo substituída por uma exacerbação da diferença e da individualidade, algo muito diferente a ser levado em conta e cuidar da diferença, que é algo necessário. Vemos isto nos Estados Unidos, com a reação liderada por Trump a políticas que não são percebidas como uma conquista de direitos, mas como uma rendição a ideias liberais ou progressistas.
Tudo começou com Foucault?
Foucault é muito importante porque tem uma influência enorme e com ele começa o que depois foi chamado de French theory. É uma teoria que inverte muitas ideias existentes, não só em matéria de gênero. Sua maior influência provém de sua teoria que mistura a ideia de conhecimento com a ideia de poder. Uma de suas frases mais repetidas é que o poder não pode ser entendido sem o conhecimento e o conhecimento não pode ser entendido sem o poder. Isto abre as portas para questionar coisas que não teriam razões para ser questionadas. Por trás desta ideia existe uma base irracionalista que desemboca na famosa e temida frase: ‘bem, essa é minha opinião’. É uma frase cada vez mais ouvida no debate público ou mesmo em salas de aula da universidade.
Articula a crítica à pós-modernidade tardia através do debate entre natureza e artifício, como dois polos opostos. Não deveria ser mais fácil e possível encontrar um consenso entre as duas ideias?
Em parte, é muito difícil por causa da influência de Foucault e seus seguidores. O consenso entre natureza e artifício é possível, mas o problema é que suas traduções políticas são terríveis e há o risco de chegar a conclusões muito perigosas, ainda que tenham um fundamento científico (ou não) por trás. Por exemplo, imaginemos um experimento que calcula o QI de uma população levando em consideração sua raça, e só a partir de seus resultados é que se decide investir mais ou não. É um experimento extraordinariamente perigoso, ainda que pretenda ter caráter científico.
Outro exemplo: uma coisa é o gênero e outra é o sexo. Parece-me que ninguém contesta. Agora, quando se passa a argumentar que o sexo também é um artifício, ou seja, que não há biologia, o debate se complica. Em abstrato, são debates que podem ser feitos, mas quando se pretende que tenham uma tradução política concreta é que as portas para o irracionalismo se abrem.
E assim chegamos ao que batiza como ‘pós-modernismo paródico’. O que é?
É a recriação pouco respeitosa de uma coisa. Há um pós-modernismo não paródico, por exemplo, os excepcionais David Lynch e Francis Bacon em nível artístico. Mas há outras referências pós-modernas, sobretudo na filosofia, que são paródicas porque são uma espécie de piada. E isto se aplica a certos autores pós-estruturalistas, que dizem coisas muito estranhas, e para a muito atual autoajuda, que é uma paródia filosófica.
No livro, aborda a teoria queer, sobre a qual se mostra crítico. Não pode ser, como qualquer outra teoria, um ponto de partida para gerar vínculos e alianças?
A base da teoria queer é uma negação da biologia, que pode ser negada e para mim tudo bem. O problema não é a teoria queer, nem a rejeição que pode gerar em parte da sociedade (o que não é um argumento válido para discuti-la). O problema, para mim, é a contradição da própria teoria: da gradualidade e da não estabilidade da identidade, faz uma identidade em si mesma.
Uma pessoa queer no século XXI não faz algo semelhante ao que um operário fazia no século XIX: organizar-se para defender seus interesses e reivindicar avanços sociais?
Esta pergunta é marxismo cultural de verdade, não do que diz a extrema direita. Tudo o que é uma autopercepção vinculante (afirmar algo sobre mim ou de meu grupo, mas também esperar que todos o aceitem sem discussão) está fadado ao fracasso. É muito complicado. No melhor dos casos, dentro de uma geração, a teoria queer pode alcançar um consenso, mas hoje não o possui.
Vemos isso até mesmo em grupos progressistas, como todo o debate interno do PSOE acerca do conceito LGBTQI+.
O que aconteceu no PSOE foi uma das primeiras respostas à teoria queer. E não me parece em nada anedótico, mas, sim, relevante. Tais questões, que antes não estavam na agenda, agora estão. O PSOE é um partido de tradição progressista moderna, não pós-moderna como o Podemos ou parte do Sumar, e é daí que nasce o conflito.
Ao mesmo tempo, o livro se mostra muito crítico ao conceito de “guerra cultural” fomentado pela extrema direita.
O conceito de guerra cultural é uma forma de fugir de debates sérios. Precisamos falar sobre o que nos incomoda como sociedade, não fingir que nada está acontecendo! Quando Mitterrand era presidente da República Francesa, surgiu uma fotografia dele em um ato antissemita. E a sociedade francesa falou de seu antissemitismo, e serviu como uma catarse. Foi um debate muito incômodo, mas o realizaram. Não colocaram um véu sob uma questão tão central como o antissemitismo.
Essa falta de debate afeta mais a esquerda ou a direita?
É um problema que não afeta só a esquerda ou a direita, porque o efeito nocivo atinge a sociedade como um todo. Uma maneira de distorcer o debate é argumentar que um tema de debate é imaginário. De uma forma miseravelmente oportunista, a extrema direita aborda alguns temas por meio de uma linguagem emocional, com o TikTok e as redes. E isto é uma bomba.
No livro, também alerta sobre a “substituição da vida por ciclos obrigatórios de consumo”.
A roda de consumo interfere nos ciclos vitais das pessoas. Passamos da Black Friday para as compras de Natal, e depois para as liquidações de janeiro, para ir gastando. É possível tentar viver fora desse ciclo de consumismo, mas é extremamente complicado. Acontece um pouco o mesmo com os celulares, que se tornaram um apêndice obrigatório dos corpos.
Seu livro levanta uma hipótese provocativa: o pós-modernismo como sublimação do individualismo.
O pós-modernismo nasce como um exemplo de individualismo extremo. ‘Minha identidade acaba onde termina meu casaco’ e, portanto, desde o início está associada ao individualismo. Quando se renuncia a referências coletivas, sejam elas políticas, religiosas ou linguísticas, e se interpreta que é necessário cuidar apenas de nossa subjetividade, criar vínculos se torna algo impossível.
Para onde esse individualismo nos leva?
O individualismo extremo nos leva não só à perda do sentido coletivo, mas também a nos sentirmos dissociados. Perdemos o sentido da coletividade. De um ponto de vista individual, a ausência de identidades coletivas nos afeta de forma negativa, tanto em questões sociais quanto culturais. A linguagem é uma questão coletiva e individual ao mesmo tempo. Se perdermos o sentido da coletividade como falantes, acabaremos sendo afetados em nível individual.
Sem referências coletivas, estamos perdidos?
Vivemos uma época de mudanças. Não sabemos muito bem onde nos apoiar, e quando isto acontece existe o risco de se apoiar na primeira coisa que se encontra. Em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria retirou o narcisismo como um transtorno de conduta porque considerou que tinha se generalizado. É anedótico, mas demonstrativo ao mesmo tempo, sobretudo entre os jovens. O curso desse narcisismo é incerto, mas não parece muito positivo.
Qual é a maior contradição que enfrentamos nessa ruptura entre modernidade e pós-modernidade?
O niilismo ambiental, pensar que não há nada, que tudo é efêmero ou uma fraude é o que me parece mais grave. Esta tendência de pensar que não há nada por trás da ciência, ou por trás da política e da cultura, tem uma tradução política e vital que elimina a esperança e os projetos de futuro, a ponto de atingir o cerne da nossa sobrevivência como espécie.
Existe alguma boia para se agarrar?
Há um exemplo dado por Susan Sontag, em A doença como metáfora (1977), que parece vigente: temos que ser críticos e nos agarrar a algo, mas não à primeira coisa que encontrarmos. Isto é o populismo: agarrar-nos à primeira besteira que ouvimos, mas que nos satisfaz emocionalmente.
Se não fizermos o esforço de nos acalmar e ser críticos, será muito difícil encarar o futuro, porque ou acabaremos olhando para o nosso próprio umbigo, em uma demonstração de narcisismo, ou apostaremos em algo que nos atrai muito, mas deixando de lado ambições coletivas. Esse individualismo que ignora os outros e suas necessidades não nos faz felizes e, na realidade, é muito insatisfatório. Precisamos voltar a determinadas visões coletivas que, sem ser um consolo e com o risco de parecer autocomplacentes, nos ajudam a ter um lugar para nos agarrar.