12 Março 2025
"Se formos realmente sinceros, todos nós temos algo para corar. Além disso, como Twain observa, a pessoa humana tem uma interação entre a alma e o corpo, entre interioridade e expressão exterior, razão pela qual seu próprio rosto revela um rubor íntimo diante do mal realizado", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 09-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O homem é o único animal que cora. Ou que precisa corar.
É paradoxal, mas talvez na Europa agora secularizada é mais conhecido o período penitencial do Ramadã do que a Quaresma que começou na última quarta-feira com o rito das Cinzas.
Como o título de nossa coluna é “Breviário”, um termo totalmente eclesial, não poderíamos deixar de propor uma reflexão alinhada com esse período litúrgico cristão que antecede a Páscoa. Fazemos isso, no entanto, com uma citação profana, baseando-nos no gracejo de um brilhante e famoso escritor estadunidense, Mark Twain, falecido em 1920 e autor de romances populares como As aventuras de Tom Sawyer. Ele propõe um tema que está na base da experiência da Quaresma, ou seja, a consciência das próprias culpas, a partir da qual deveria brotar o arrependimento e, portanto, a conversão e o perdão.
Se formos realmente sinceros, todos nós temos algo para corar. Além disso, como Twain observa, a pessoa humana tem uma interação entre a alma e o corpo, entre interioridade e expressão exterior, razão pela qual seu próprio rosto revela um rubor íntimo diante do mal realizado. Devemos, entretanto, confessar que a superficialidade ou a impudência muitas vezes extinguem o tremor da consciência.
Assim, chega-se não apenas à “cara de pau” como máscara de autodefesa, mas até mesmo à ostentação despudorada dos próprios atos vergonhosos. Pensamos em determinados programas de televisão que têm como suculento material a ostentação justamente das infâmias dos personagens convocados, indecentes em sua vulgaridade a fim de aparecer. O Hamlet, de Shakespeare, gritava para a mãe: “Ó vergonha, onde está teu rubor?”
Como não pensar também em alguns políticos que continuam impertérritos suas carreiras, mesmo depois que os véus da corrupção praticada sem constrangimento foram levantados? Outro famoso escritor do século XIX, Anton Chekhov, não hesitava em advertir que “uma pessoa boa sente vergonha até diante de um cão”.