07 Fevereiro 2025
"Basta pensar que a palavra grega adelphós ressoa nada menos do que 343 vezes e até mesmo o feminino adelphé ecoa 26 vezes, com vários derivados, como philadelphía, o amor fraternal (seis vezes) e um original adelphótes, desconhecido para o classicismo, que é citado duas vezes na Primeira Carta de Pedro para designar a comunidade de irmãos na fé, uma 'fraternidade'", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 02-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Releitura bíblica. Enzo Bianchi tece uma densa trama de considerações sobre o tema e seu olhar se amplia para a “aceitação incondicional do irmão”. Com uma boa dose de ironia, costuma‑se dizer que, da famosa trilogia iluminista francesa, a liberté e a egalité se instalaram plenamente nas ruas, nos parlamentos, na sociedade civil com a grandeza de suas figuras, enquanto a fraternité se abrigou sob as abóbadas das igrejas, permanecendo na penumbra, louvada meio cansadamente apenas pelos pregadores. O Papa Francisco se esforçou para trazê‑la à tona com a famosa encíclica Fratelli tutti (2020) e com uma evocação incessante em palavras e atos: basta pensar no documento Sobre a fraternidade em prol da paz mundial e a convivência comum, assinado em 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi com o Grande Imã de al‑Azhar.
Quem a está propondo agora é Enzo Bianchi, que sempre foi capaz de entrelaçar templo e rua, fé e cultura, e o fez com um pequeno livro essencial que é apresentado em um panorama atual antitético, manchado pelo sangue das guerras com seu cortejo de ódio, violências domésticas, raiva inflamada, rancores e medos. É, portanto, apenas uma semente espalhada em um solo infelizmente pedregoso. É claro que há uma estrela guia de referência nesse discurso, que é sempre límpido e apaixonado, ou seja, o grande código dos crentes e da própria cultura ocidental, a Bíblia.
Fraternità, de Enzo Bianchi (Foto: Divulgação)
Assim, entram em cena, em primeiro lugar, as Escrituras Hebraicas, marcadas por casais que geram, por famílias e clãs parentais, por povos e por toda a humanidade, todos representados não de forma utópica e idealizada, mas na pesada cadência da história. Não é à toa que uma das primeiras cenas é emblemática, o assassinato do irmão Abel por Caim, para o qual “a fraternidade é ameaçada em seu próprio nascimento”. Na raiz não está apenas a inveja, mas também o medo do outro e de sua existência serena, que aos olhos do fratricida se transforma em “uma insídia, uma ameaça, um obstáculo, como diria Sartre, o outro é o inferno”.
O tema da fraternidade luminosa se espalha, depois, nas escrituras cristãs, que, no entanto, não ignoram a traição, como atesta Judas. Basta pensar que a palavra grega adelphós ressoa nada menos do que 343 vezes e até mesmo o feminino adelphé ecoa 26 vezes, com vários derivados, como philadelphía, o amor fraternal (seis vezes) e um original adelphótes, desconhecido para o classicismo, que é citado duas vezes na Primeira Carta de Pedro para designar a comunidade de irmãos na fé, uma “fraternidade”.
Bianchi tece uma densa rede de considerações sobre a sequência textual do Novo Testamento em que Cristo define os seus discípulos como “meus irmãos”, atribuindo o título também a todos aqueles que “fazem a vontade de Deus” de modo que são “todos irmãos”, sendo filhos de um único Pai Deus (e aqui percebe‑se a preciosa importância do monoteísmo) que “não tem preferências de pessoas”, tanto que o símbolo da fraternidade operosa é um estrangeiro, o Bom Samaritano, em uma parábola de Jesus na qual Deus não é mencionado porque o exemplo é encarnado por um homem.
Por fim, o olhar de Enzo Bianchi se alarga, no estilo da aplicação moral, para um corolário de exigências, como a “aceitação incondicional do irmão/irmã”, a assunção da responsabilidade de uns para com os outros, a solidariedade e a comunhão, e assim por diante. Tudo isso é expresso “com a habitual profundidade humana e inteligência espiritual”, reconhecidas pelo Papa Francisco no caloroso prefácio ao irmão Enzo. Esse escrito do fundador da comunidade de Bose nos permite trazer de volta ao centro das atenções uma extraordinária figura religiosa do século XX, o padre David Maria Turoldo, também pronto para deixar o oásis sagrado do templo para entrar no emaranhado da sociedade.
L'innario turoldiano, de Mauro Manzoni (Foto: Reprodução)
De fato, é o próprio Bianchi quem redige o prefácio de um belo ensaio que, embora tenha nascido do âmbito acadêmico, revela seu próprio frescor e originalidade. O autor é Mauro Manzoni, professor de religião nas escolas, que combina esse empenho com o cargo de prefeito de Varenna (Lecco), um promontório encantador, caro a um grande pensador alemão de origem italiana, Romano Guardini, e, mais modestamente, também a quem escreve estas linhas, que o contempla em uma admirável vista frontal do alto durante as férias de verão. Turoldo também a amava e dedicou um poema reproduzido nesse volume a esse pequeno vilarejo, hoje também marcado pelo excesso de turismo. Não podemos deixar de mencionar a pesquisa refinada e exemplar do prefeito‑professor: ela se aprofunda na imensa produção de Turoldo para descobrir um vasto território, geralmente ignorado, o dos hinos litúrgicos. Basta pensar que esse corpus poético‑espiritual abrange todos os domingos e as principais festas, seguindo os três ciclos anuais que a liturgia desenvolve. Estou ciente desse bordado insone que o frade servita realizou, não só pela profunda amizade que nos unia e pelo diálogo constante, mas também por ter estado envolvido nele. O próprio card. Carlo Maria Martini ficou tão maravilhado que comparou Padre David a Romano, o Melodioso, um admirável criador de hinos na Igreja siríaca no século VI, segundo um modelo chamado contacio, ou seja, uma homilia lírica (diz‑se que compôs cerca de mil, dos quais restam apenas 85, nem todos autênticos).