14 Fevereiro 2025
"A instrumentalização da religião para fins políticos é uma questão tão antiga pelo menos quanto Constantino, portanto, seria ingênuo ficar surpreso. No entanto, como leiga, fico impressionada com as maneiras grosseiras e descaradamente inautênticas. As expressões excessivamente contritas dos presentes em oração não transmitem nenhuma emoção", escreve Nicoletta Verna, jornalista e autora italiana, em artigo publicado por La Stampa, 11-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A foto de Trump no Salão Oval me lembrou instintivamente, antes e mais do que A Última Ceia, dos famosos tableaux vivants de Pasolini em La ricotta. É a história de um pobre homem, eternamente faminto, que aparece como ladrão em um filme sobre a Paixão de Cristo, e na cena Pasolini insere a pedissequa reprodução de duas famosas pinturas do século XVI, A Deposição da Cruz, de Rosso Fiorentino, e A Deposição de Cristo, de Pontormo. Ambas as cenas, no entanto, se resolvem de forma trivial: os atores são amadores, como música em vez de Scarlatti começa um twist e, em um determinado momento, o Redentor cai ao chão, entre às risadas gerais. O efeito é grotesco: um dos momentos mais intensos do Evangelho reduzido a uma farsa.
O filme custou a Pasolini um processo por vilipêndio à religião, e ele se defendeu argumentando o seguinte: ao profanar a imagem sagrada, ao banalizar totalmente o sentido emocional e devocional dessas pinturas, ao destacar o quanto de cinismo pode haver na exploração descarada da mensagem religiosa, Pasolini está fazendo uma crítica à sociedade dos consumos. Em Cinecittà, A Paixão de Cristo é um vulgar “Kolossal” - e, de fato, os dois tableaux vivants são as únicas cenas em cores, enquanto o restante do filme é em preto e branco. A religião não autêntica é uma mercadoria como outra qualquer, diz Pasolini, e sendo muito procurada, pode ser vendida a baixo preço.
“As the Bible says, ‘Blessed are the peacemakers.’ And in that end, I hope my greatest legacy when it's all finished, will be known as a peacemaker and a unifier.” —President Donald J. Trump pic.twitter.com/ArXe38r1EY
— The White House (@WhiteHouse) February 8, 2025
Essa, eu dizia, foi a primeira sensação que tive quando me deparei com a foto de Trump. As poses plásticas, as cores berrantes, o cenário pomposo, o vestido de apresentadora de Paula White: tudo concorre a criar uma paródia do sagrado. Um palco onde, assim que as câmeras se apagam, começa um jingle publicitário.
A instrumentalização da religião para fins políticos é uma questão tão antiga pelo menos quanto Constantino, portanto, seria ingênuo ficar surpreso. No entanto, como leiga, fico impressionada com as maneiras grosseiras e descaradamente inautênticas. As expressões excessivamente contritas dos presentes em oração não transmitem nenhuma emoção - o que, ao contrário, é comovente na Última Ceia de Leonardo: os apóstolos de Cristo tão abalados, desorientados, incrédulos, se esforçando para apresentar a infinita gama de sentimentos humanos diante do Mistério, diante do Sagrado que se torna um evento humano e, como todo evento humano, pode ter um fim injusto. Aqui, ao contrário, tudo é zerado. Esvaziado de qualquer sentido espiritual.
A impressão se torna mais forte ao ler o texto que acompanha a imagem. A imagem deveria representar pessoas em oração e, portanto, um sentido comunitário, que é o principal e mais importante aspecto da oração. A oração é a união de pensamentos e vozes, encontrando o mesmo tom, o mesmo som. O poder consolador do rito, o imenso conforto de não estar sozinho. É por isso que todas as orações estão no plural: “Rogai por nós, pecadores”, “Perdoai-nos as nossas ofensas”, “Nós vos louvamos, nós vos abençoamos”. A oração é união, compartilhamento como poucos outros aspectos da vida de um religioso. Nisso reside sua força.
A oração de Trump, ao contrário, é no singular, na primeira pessoa. “Meu maior legado será de pacificador e unificador”. Portanto, não é uma oração, é apenas mais um spot eleitoral como outro qualquer.