15 Fevereiro 2025
"Uma visão essencialista da ação simplesmente introduz oposições, entre santificação e culto, entre sacramento e uso, entre externo e interno, que impedem dar uma solução persuasiva para as questões levantadas. Um defeito sistemático impõe remédios inadequadas", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado no blog Come se non, 11-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ipsum sacramentum dicitur a quibusdam opus operatum; usus autem sacramenti est ipsa operatio, quae a quibusdam opus operans dicitur” São Tomás de Aquino, Scriptum super Sent, IV, d1, q1,a 5, qst1 corpus
Para avaliar hoje o uso da locução ex opere operato, devemos considerar brevemente a história da fórmula. Podemos recuperá-la em quatro etapas, que também descrevem bem a “curvatura” de seu significado.
A distinção entre opus operatum e opus operans nasce da reflexão sobre a eficácia da paixão de Cristo, na qual se distingue o efeito objetivo (como um bem) da intenção subjetiva (como um mal). Aqui encontramos a origem da distinção.
A construção como “causa eficiente”, com ex, em Tomás de Aquino é típica apenas da reflexão sacramental. Na qual, no entanto, em Tomás está presente também o uso dos termos no nominativo com a identificação do sacramento com opus operatum e do uso do sacramento com opus operans. Há, entretanto, algumas passagens (relativas aos sacramentos da lei natural) em que a distinção é entre ex opere operato e solum ex fide. Esses contextos serão a premissa do uso tridentino.
A locução assume autoridade quando é adotada pelo Concílio de Trento, no cân. 8 do Decreto sobre os sacramentos em geral. “Se alguém disser que com os sacramentos da nova lei a graça não é conferida ex opere operato, mas que é suficiente apenas a fé na promessa divina para obter a graça: seja excomungado” (DH 1608).
Com a locução ex opere operato, o catolicismo tridentino defende a irredutibilidade do sacramento à fé como a única forma de justificação. Em vez disso, os reformadores leem a locução como uma substituição exterior e formal da confiança autêntica do sujeito pecador na Palavra de salvação, que acontece somente na fé. Portanto, é preciso lembrar que o significado que a locução assume no campo católico não é o mesmo da interpretação dada no campo protestante. O que para os católicos é irredutibilidade do dom da graça à fé do sujeito, soa para os protestantes como redução da fé a uma exterioridade controlada pela Igreja. A passividade do dom para os católicos é garantida pela forma sacramental indisponível, enquanto a própria passividade para os protestantes é garantida por uma Palavra indisponível à qual a fé pessoal tem acesso.
Os católicos, por sua vez, tendem a ler a “sola fide” como uma redução subjetiva, enquanto os reformados interpretam a sola fide como irredutibilidade institucional do dom de Deus. Já nesse plano, cuja releitura pacata só foi possível muitos séculos depois de Lutero e Trento, é evidente como se tenha criado um equívoco entre o que é ação e o que é dom, entre o que é disposto pela Igreja e o que é antecipado por Deus. A suspeita de que o sacramento seja uma obra humana que salva (em concorrência com a ação única de Deus) ou de que a fé seja uma virtude humana (em concorrência com a graça única oferecida por Deus no sacramento) são as perspectivas opostas que vêm se enfrentando há 400 anos e que hoje podemos reler como uma nova riqueza mútua.
A releitura da locução, dentro da encíclica Mediator Dei representa mais uma fase de desenvolvimento, como resposta à redescoberta da liturgia pelo Movimento Litúrgico. Aqui estão os dois textos decisivos:
“Essa eficácia, se se trata do sacrifício eucarístico e dos sacramentos, provém antes de tudo do valor da ação (sacramental) em si mesma (ex opere operato); se se considera ainda a atividade própria da imaculada esposa de Jesus Cristo com a qual orna de orações e de sacras cerimônias o sacrifício eucarístico e os sacramentos, ou, se se trata dos sacramentais e de outros ritos instituídos pela hierarquia eclesiástica, então a eficácia deriva principalmente da ação da Igreja (ex opere operantis Ecclesiae), enquanto esta é santa e opera sempre em íntima união com a sua Cabeça” (DH 3844).
Como é evidente, o texto oferece uma compreensão da tradição sacramental que requer uma integração: a esfera sacramental, relida com a demanda litúrgica, se apresenta como marcada por uma relação entre opus operatum e opus operans de nova qualidade e articulação. Por outro lado, um pouco mais adiante, o texto da Encíclica esclarece melhor como pretende interpretar as duas locuções:
“Por isso na vida espiritual nenhuma oposição ou repugnância pode haver entre a ação divina que infunde a graça nas almas para continuar a nossa redenção e a operosa colaboração do homem que não deve tornar vão o dom de Deus; entre a eficácia do rito externo dos sacramentos, que provém do cumprimento (sacramental) da ação (ex opere operato) e o mérito de quem os administra ou recebe, que chamamos ação de quem opera (ex opere operantis)” (DH 3846).
A correlação originária entre os extremos da distinção é expressa com as palavras com as quais a tradição interpretou a si mesma, mesmo que o rastro da visão apologética tridentina não seja fácil de apagar. Assim, também nesse texto, continua a emergir uma espécie de exterioridade estrutural entre rito e fé: a eficácia do rito externo do sacramento se distingue profundamente dos méritos de quem os administra ou recebe, assim como a diferença entre “sacramento” e “sacramental” se sustenta como horizonte de sentido das duas locuções. Nessa divaricação está escrita, ainda hoje, a dificuldade teológica de uma tentação dualista. Correndo o risco de cair na tentação teológica e pastoral de reservar à dogmática somente o opus operatum e confiar à disciplina litúrgica o estudo e o cuidado do opus operans, o Magistério está tentando responder a uma nova questão, que já havia surgido há mais de um século.
Como vimos nesta breve revisão, a distinção opus operatum/opus operans indica um campo de tensão entre:
A polarização não ajuda à compreensão do fenômeno. Isso também vale para o último documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, a Nota Gestis verbisque. Sobre a validade dos sacramentos de 2 de fevereiro de 2024.
Se a locução ex opere operato deve ser traduzida, hoje, com ex ordine celebrato, como sugerido por estudiosos competentes (em particular por A. Dal Maso, L'efficacia dei sacramenti e la “Performance” rituale. Ripensare l'Ex opere operato a partire dall'antropologia culturale, Padova, EMP, 1999), significaria que, se permanecermos presos a uma mentalidade formalista, estaríamos diante do risco de um novo excesso. A locução, pelo menos a partir de Trento, quis excluir uma posição unilateral: isto é, a redução à “sola fide” da experiência cristã da salvação. Como vimos, a fórmula nasce em correlação não opositiva com “ex opere operante”. Se hoje a interpretação da fórmula, devido ao desgaste cultural das categorias clássicas, pode significar que o efeito é garantido pela “sola fórmula”, ela alcança com isso um efeito de distorção irremediável. A fórmula deve receber uma justa atenção, que, no entanto, nunca pode ser exclusiva. Se a tradição católica, em seu mais alto nível de autoridade, perde as aquisições teológicas e pastorais dos últimos 60 anos e perde a unidade de santificação e culto, de sacramento e uso, como foram amadurecidas pelo Concílio Vaticano II, perde o sentido com o qual a expressão ex opere operato foi utilizada pelo Concílio de Trento. Justamente o uso que a Nota faz da locução tridentina deixa um tanto perplexos. De fato, lemos nos n. 18-19 do texto:
“18. [...] Matéria, forma e intenção são unidas intrinsecamente entre si: elas se integram na ação sacramental de tal modo que a intenção se torna o princípio unificante da matéria e da forma, fazendo delas um sinal sagrado mediante o qual a graça é conferida ex opere operato.
19. À diferença da matéria e da forma, que representam o elemento sensível e objetivo do Sacramento, a intenção do ministro – junto com a disposição daquele que recebe – representa o seu elemento interior e subjetivo. A intenção, todavia, tende por natureza a manifestar-se também externamente através da observância do rito estabelecido pela Igreja, de modo que a grave modificação dos elementos essenciais introduz igualmente a dúvida sobre a real intenção do ministro, comprometendo a validade do Sacramento celebrado. De fato, parte-se do pressuposto que a intenção de fazer o que a Igreja faz exprime-se no uso da matéria e da forma que a Igreja estabeleceu”.
A redução substancial da intenção do ministro a matéria e forma (como únicos “indicadores oficiais” de validade) parece ser uma solução totalmente inadequada, que ignora totalmente os outros “sinais sensíveis” da intenção (não apenas do ministro, mas de toda a comunidade celebrante) que emergem de todo o conjunto das linguagens verbais e não verbais que estruturam a ação ritual.
Uma visão essencialista da ação simplesmente introduz oposições, entre santificação e culto, entre sacramento e uso, entre externo e interno, que impedem dar uma solução persuasiva para as questões levantadas. Um defeito sistemático impõe remédios inadequados.