11 Janeiro 2025
"A transição para o quarto sacramento não pode ser planeada como um evento iniciático, mas apenas como um remédio em caso de necessidade", escreve Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Settimana News, 21-12-2024.
Uma publicação recente, fruto de vários anos de trabalho de três Institutos Teológicos da área do Trivêneto, aborda a delicada questão da penitência e o seu repensar, suscitada pelas práticas "extraordinárias" nascidas durante a pandemia de Covid-19, que levou várias dioceses italianas a caminhos de valorização da “terceira forma” do sacramento, para enfrentar o desafio imposto pelo distanciamento e pela profilaxia.
O volume (Bischer, R.; Toniolo, A., Repensando a penitência. A terceira forma do rito: exceção ou recurso?, Queriniana: Brescia, 2024), além da questão específica, oferece a oportunidade para uma consideração mais geral do que a relação eclesial com o quarto sacramento e com a experiência do perdão dos pecados, a cujo serviço exerce a sua autoridade definida e não ilimitada.
Precisamente neste nível, porém, a leitura de muitos dos ensaios do texto leva o leitor a deparar-se com um problema decisivo, que é tanto de natureza terminológica como teológica.
Eu gostaria de mostrar a sua urgência, para o debate atual, relacionando o livro com um dos documentos mais interessantes dos últimos anos, nascido da experiência pastoral do Vicariato de Roma, onde se propõe, ainda que apenas ad experimentum, uma recolocação do IV sacramento na experiência da iniciação cristã, trazendo-o de volta, como o próprio nome sugere, ao “quarto lugar”.
Mas antes de chegar a um breve exame deste texto (que se intitula A iniciação cristã das crianças em Roma. Vade-mécum para catequistas, em dois volumes, que pode ser lido aqui) coloco algumas questões terminológicas e teológicas que normalmente somos levados subestimar.
a) Tanto o título do volume do qual começo como as palavras do Vade-mécum em questão atestam um uso do termo “penitência” que permanece surpreendentemente equívoco. É correto dizer, de fato, que precisamos “repensar a penitência”, mas precisamos de ter clareza sobre qual é o objeto de repensar. Se lermos os dois primeiros textos do volume, vemos o quanto dom Marco Busca, no Prefácio, utiliza o termo penitência como sinônimo de sacramento da penitência, e Andrea Toniolo, no ensaio introdutório, diz que o objeto do volume é a “terceira forma de penitência”.
Parece claro que em nível terminológico a palavra “penitência”, de uso comum e também em textos investigativos, assume frequentemente o significado de “sacramento da penitência”. Notamos que “reconciliação” também é frequentemente usada da mesma forma: diz-se simplesmente reconciliação, mas para indicar o quarto sacramento.
b) Esta forma de falar, porém, não é acidental. Deriva, de fato, de um fato histórico e teórico, caracterizado pela progressiva concentração da atenção eclesial, pastoral e teológica na identificação entre a penitência e o sacramento da penitência. Esta tendência, que pudemos identificar na recepção gradual do Concílio de Trento, especialmente nos séculos XIX e XX, levou a um uso casual, e muitas vezes não tematizado, do termo penitência como sinônimo do quarto sacramento.
c) Na realidade, olhando mais de perto, a tradição atesta um uso do termo “penitência” que apresenta três outros significados diferentes, enquanto hoje esses significados tendem a ser sugados diretamente para a área semântica do sacramento. Vamos tentar enumerá-los em ordem:
– penitência significa conversão, arrependimento, como termo latino que traduz "metanoia";
– penitência significa a virtude dada pelo batismo e pela confirmação, e depois alimentada repetidas vezes pela Eucaristia;
– penitência significa o terceiro ato do penitente, também denominado "satisfação", exigido no sacramento juntamente com a contrição e a confissão e em relação à absolvição do ministro.
d) Se relido no contexto destes significados fundamentais, o uso do termo “penitência”, assim identificado apenas com o sacramento, constitui um grave empobrecimento da tradição, provavelmente ligado ao desenvolvimento de uma leitura ditada pela moderna burocracia jurídica, que tende a identificar a experiência pastoral com atos administrativos válidos e eficazes.
Chegamos agora ao Vade-mécum do Vicariato de Roma. É um documento que oferece um importante repensar da tradição iniciática, com uma série de escolhas corajosas, que devem ser consideradas como uma novidade no panorama pastoral atual. Contudo, algumas expressões dedicadas à “iniciação à penitência” revelam significativamente a ambiguidade que indiquei acima. Leiamos este texto revelador, cujo lado problemático sublinho em itálico:
"Para as crianças, normalmente batizadas desde bebês, a experiência da catequese concentra-se na confirmação e na Eucaristia, num processo de conclusão da iniciação cristã. A estes dois sacramentos foi então acrescentado o sacramento da reconciliação, que em si não faz parte da iniciação (batismo-confirmação-Eucaristia), mas que podemos agora considerar como um momento iniciático ineliminável" (p. 5).
A análise é impecável ao identificar tanto a sequência correta de iniciação (confirmação-eucaristia) quanto a natureza estranha do sacramento da penitência (aqui chamado de reconciliação) em relação à iniciação. E, no entanto, o acréscimo que completa a frase, como uma cláusula adversativa, contém um lapso que não é fácil de compreender. Com efeito, quem poderia negar que a iniciação à reconciliação e à penitência é necessária para o jovem cristão?
Precisamente aqui, porém, abre-se espaço para uma análise complementar, que é, ao mesmo tempo, terminológica e teológica. Por que deveria a iniciação cristã (batismo-confirmação-eucaristia), para ser uma iniciação à reconciliação e à penitência, exigir um “outro” sacramento? A resposta é simples: uma vez que identificamos a reconciliação e a penitência com um “sacramento de cura” (e não de iniciação), acreditamos hoje que, por fidelidade à tradição, somos obrigados a iniciar as crianças no quarto sacramento, a completar sua iniciação cristã.
Isto acontece porque perdemos aquele conceito de penitência e reconciliação que é central na iniciação cristã e que diz respeito não a um sacramento diferente (de cura), mas precisamente à tríade iniciática. É a iniciação batismal, crismal e eucarística que nos faz viver a penitência e a reconciliação, como experiência de ser perdoado e de poder perdoar. Só quando perdemos esta virtude é que entra em jogo o quarto sacramento, como remédio para a perda da comunhão eclesial.
Aquele “momento iniciático inevitável”, de que fala o Vade-mécum, é a iniciação à penitência e à reconciliação como virtude dos sacramentos de iniciação. Ter confundido este sentido de penitência e reconciliação com o sacramento da cura não permite orientar de forma fundamentada a iniciação na fé cristã. A fisiologia cristã vive da reconciliação e da penitência aprendidas na vida batismal, crismal e eucarística. Encontra nos grandes ciclos do Lecionário Eucarístico o lugar penitencial máximo, a inesquecível palavra de reconciliação, que a oração eucarística realiza aqui e agora. Só quando a patologia se impõe, quando a comunhão é posta em causa, é que encontramos o remédio do quarto sacramento, que não está em jogo na iniciação à fé, mas apenas na cura da própria condição patológica.
Se dos 4 significados de “penitência” retivermos apenas aquele referente à cura, perderemos três quartos da tradição penitencial, tanto no regime excepcional como na condição de experiência normal de fé. Iniciar a penitência e a reconciliação não tem a ver principalmente com o sacramento da cura, mas com o batismo, a confirmação e a Eucaristia. A transição para o quarto sacramento não pode ser planeada como um evento iniciático, mas apenas como um remédio em caso de necessidade.
Confundir virtude com sacramento significa, precisamente, confundir iniciação com cura: inicia-se na virtude pela fisiologia, enquanto recorre-se ao sacramento em caso de patologia. Para citar Tomás de Aquino, a primeira penitência é per se, a segunda é por acidente. Confundir o essencial com o acidental marcou profundamente a tradição penitencial moderna e contemporânea, mesmo na formação dos mais jovens. Sobre isto precisamos realmente “repensar a penitência”.
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Sobre o Quarto Sacramento. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU