17 Janeiro 2025
Edith Bruck, 93 anos, escritora, poetisa, cineasta, testemunha do Holocausto, se alegra diante das imagens que mostram os festejos dos palestinos no que resta de sua terra. A última de seis filhos de uma família judia húngara, ela foi deportada para Auschwitz aos 13 anos de idade. Ela sobreviveu e acreditou, como muitos, no sonho de um estado de Israel, onde foi morar em 1948. A realidade era muito diferente e ela acabou saindo e se estabelecendo na Itália. “Cresci no antissemitismo e morrerei no antissemitismo”, ela deixa escapar a certo ponto da entrevista, e culpa claramente por essa nova onda de antissemitismo o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pedindo que ele assuma a responsabilidade e enfrente os julgamentos que ainda pendem sobre ele com a mesma coragem com que desencadeou um conflito que deixou 46.000 mortos, de acordo com os últimos números oficiais.
A entrevista é de Flavia Amabile, publicada por La Stampa, 16-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O novo presidente Donald Trump o anunciou, israelenses e palestinos o confirmaram: um acordo foi firmado entre Israel e o Hamas. E agora?
Agora espero que seja posto um fim a esse conflito que já causou danos demais. Vimos o ressurgimento de manifestações antissemitas que se alastraram pela Europa e pelos Estados Unidos. Netanyahu tem uma enorme responsabilidade: ele não percebeu que os judeus são sempre julgados de forma absoluta. Se um deles é rico, todos são considerados ricos. Se um deles comete um erro, a culpa recai sobre todos.
O antissemitismo deveria ser substituído pelo anti-Netanyahuísmo?
Nem todos nós, judeus, pensamos como ele. Temos ideias diferentes, como todos os indivíduos no mundo. A política deveria ter resolvido esse problema sem causar esse tsunami de antissemitismo que prejudicou a todos nós.
Os israelenses poderiam ter feito mais para deter Netanyahu?
Muito foi feito. Houve manifestações todos os sábados, os israelenses discordantes tentaram de tudo para deter Netanyahu, mas era muito difícil conseguir, ele teme o processo e está se agarrando ao poder com todas as suas forças. Ele só está preocupado com sua pele, não com o resto.
E agora que estamos em uma trégua, será que também chegou a hora de um acerto de contas com Netanyahu?
Agora Netanyahu deveria ter a coragem de assumir suas responsabilidades, como teve a coragem de bombardear e matar.
A senhora acusa Netanyahu de ter provocado uma onda de antissemitismo, mas entre os palestinos houve 46.000 vítimas. É uma culpa ainda maior pela qual Netanyahu é responsável.
Estou devastada por todas as mortes causadas por esse conflito. Sou a favor da paz, voltei da prisão no campo de Auschwitz sem sentir ódio de ninguém, gostaria de poder viver em paz com todos. Mas, contudo, é escandaloso assistir ao que aconteceu. Não acredito que existam vidas de primeira classe e de segunda classe, todas as vidas são preciosas. Infelizmente, pelo menos duas gerações de palestinos cresceram se alimentando de ódio e eu realmente não sei quando isso vai acabar.
Antigamente, esperava-se que o caminho para uma coexistência pacífica fosse aquele dos “dois povos, dois Estados”. Ainda é ou o ódio deste ano e três meses de conflito impossibilitou essa opção?
Espero que ainda seja possível seguir o caminho dos ‘dois povos, dois Estados’. Eu o apoiava há sessenta anos e continuo apoiando-o agora. Precisamos pôr um fim a esse ódio que é como uma erva daninha que nunca será erradicada e basta uma pequena faísca para atiçar o fogo novamente.
Por quanto tempo esse acordo se sustentará?
Não sei, agora é difícil saber o que vai acontecer. Só posso dizer que esse acordo chegou tarde demais, quando já foram causados enormes danos. Por enquanto, o cessar-fogo já é um passo à frente e agradecemos a quem quer que tenha sido responsável por esse acordo. Eu só gostaria que pelo menos ninguém mais morresse. Depois, como sempre, eles prometerão, farão, dirão, mas o que importa é que agora deponham as armas.
Netanyahu tentará falar de vitória. O que pensa?
Eu só gostaria que não houvesse mais mortes.
De acordo com o ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa'ar, a reação em Gaza foi justa, não houve assim tantos mortos.
São afirmações aterradoras. É preciso fazer de tudo para eliminar essa rivalidade e encontrar o bem que existe dentro de nós. Eu nasci no antissemitismo e acredito que morrerei no antissemitismo, mas há 64 anos venho falando nas escolas, mudei a maneira de pensar de muitas pessoas, todos nós devemos nos empenhar pelo respeito e pela paz.