17 Janeiro 2025
"O presidente da Corte Internacional de Justiça, o jurista Nawaf Salam, se colocou à disposição, caso fosse indicado pelos grupos parlamentares, para assumir a liderança do novo executivo. Formado em Harvard e Sorbonne, é considerado um liberal, um estudioso atento e um devoto do estado de direito: exatamente o que é necessário e o que, como um todo, nunca existiu, mas agora simplesmente não pode ser imaginado", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 14-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma cadeia de eventos sem precedentes derrubou o pequeno e fraco Líbano, sob todos os pontos de vista. Depois, quando tudo parecia perdido, a pressão conjunta dos Estados Unidos, Arábia Saudita e França praticamente obrigou o rixoso e feudal Parlamento libanês, após 26 meses de impasse, a eleger o General Joseph Aoun, comandante-chefe do exército, como Presidente da República.
Era a única maneira de possibilitar que, em 27 de janeiro, quando se esgotarem os dois meses concedidos pelo cessar-fogo provisório acertado com Israel, o Hezbollah pudesse cumprir os compromissos assumidos, ou seja, retirar-se do solo e do subsolo por 30 quilômetros da fronteira entre os dois países até a foz do rio Litani, salvando assim a cessação das hostilidades e também levando à esperada retirada israelense do Líbano.
A pressão internacional surtiu o efeito desejado, mas o recém-eleito General Aoun se apresentou com um discurso ambicioso: a questão militar é obviamente prioritária, mas ele indicou a urgência simultânea de reconstruir o Estado, que entrou em colapso sob os golpes da ineficiência, do clientelismo e do loteamento desenfreado de um sistema confessional que claramente fracassou e que deixou de joelhos a justiça, o sistema bancário, a credibilidade internacional do país e sua estabilidade interna.
Um fato frequentemente citado é suficiente para resumir a situação: desde 2020, o Líbano declarou inadimplência, uma escolha arriscada do governo liderado pelo Hezbollah para desafiar o sistema financeiro internacional. Tudo isso se transformou em uma avalanche sem precedentes: com o dólar valendo 1.500 desde 1990, a moeda local logo despencou para uma taxa de câmbio impensável que ainda oscila em torno de 90.000 libras libanesas por um único dólar. O governo, em acordo com o Banco do Líbano, governado por 30 anos pela vestal do loteamento local, Riad Salameh, congelou ilegalmente todas as contas em moedas fortes, reduzindo à ruína camadas sociais inteiras que sempre viveram de remessas do exterior de libaneses emigrados no mundo. Mas, enquanto fazia isso, tanto o banco quanto o governo não aprovaram uma lei de controle dos capitais, permitindo uma fuga para o exterior de recursos econômicos estimados por todos em 14 bilhões de dólares.
Segundo a imprensa libanesa, esse dinheiro pertence à “casta”, ou seja, àqueles que controlam o sistema político-financeiro do país. Os bancos ocupam um lugar de destaque, pois sua participação nesses capitais exportados para o exterior chega a 8 bilhões.
Como imaginar que um general pudesse enfrentar todos esses desafios? Difícil. Tanto que, nas horas que se passaram, quase todos concordaram que seu caminho teria sido confirmar o primeiro-ministro complacente com o Hezbollah, Najib Mikati, para obter uma linha suave do Partido de Deus (é isso que o Hezbollah quer dizer) e chegar com um desarmamento apresentável no prazo de 27 de janeiro próximo. O governo poderia ter atendido a outras demandas do partido-milícia, em evidentes dificuldades.
Então, no domingo à noite, por volta das 18 horas, a surpresa. O presidente da Corte Internacional de Justiça, o jurista Nawaf Salam, se colocou à disposição, caso fosse indicado pelos grupos parlamentares, para assumir a liderança do novo executivo. Formado em Harvard e Sorbonne, é considerado um liberal, um estudioso atento e um devoto do estado de direito: exatamente o que é necessário e o que, como um todo, nunca existiu, mas agora simplesmente não pode ser imaginado. Basta dizer que os acusados pelo terrível massacre causado pela explosão no porto de Beirute nunca foram levados a julgamento, nem mesmo um. Por um triz, o juiz de instrução não sofreu as consequências.
Quando a notícia começou a circular nas ruas de Beirute, a objeção, relatada por muitos jornais, era simples: a Arábia Saudita retornou, tirou o país das garras do Irã e de sua milícia, o Hezbollah: agora ela vai querer um seu subordinado, não um liberal formado na Europa que se sente em casa em um estado de direito. Mas, em seguida, os vários grupos parlamentares começaram a se pronunciar - a opinião deles é vinculante - e, à medida que os grupos ou os deputados individuais anunciavam suas intenções de voto, ficava evidente que os sauditas haviam dado seu aval e que também os marginalizados, os antigos simpatizantes do Hezbollah, não tinham outro caminho para se manter no jogo a não ser votar nele, no jurista. No final, ele teve uma porcentagem muito alta de apoio e o presidente Aoun o nomeou em poucas horas.
O golpe desferido contra o projeto iraniano, a exportação da revolução teocrática khomeinista, já havia sido muito forte com a eleição do general Aoun para a suprema magistratura republicana. Agora se demostra, contudo, que desta vez, provavelmente a primeira desde o fim da guerra civil, a previsão constitucional que indica a necessidade tendencial de superar o sistema confessional se torna realidade. Será muito difícil, é claro, porque serão afetados os interesses vitais dos membros do Parlamento que devem votar as reformas do sistema judiciário, do sistema bancário e do sistema eleitoral, que certamente serão a prioridade do primeiro-ministro, aquelas militares competem ao Presidente que, como ex-general, sabe o que fazer, fortalecido também pelos apoios internacionais que tem.
O Líbano, portanto, não apenas pôs fim a uma página negra, sombria, aquela que levou uma milícia a tomar o lugar do Estado, com várias cumplicidades. Também demonstrou que quer refundar o Estado e fazê-lo sem perder tempo, talvez porque muito tempo já tenha sido perdido.
A derrota do Hezbollah é total? Da milícia Hezbollah, parece que sim. Mas se o partido conseguisse voltar à realidade e optar por se tornar um partido normal, ou seja, com suas ideias e base, mas sem milícia, talvez absorvível no exército nacional, teria um novo papel a desempenhar. Como todas as comunidades, também a xiita, que é muito numerosa, tem muito a oferecer ao Líbano, basta que alguém abra mão de militarizá-la para responder a um projeto estrangeiro. Portanto, é a perspectiva miliciana que, em meio a enormes resistências, parece destinada a sair de cena, embora sempre sejam possíveis reviravoltas, de parte de quem tem muitas armas.
Mas o que se abre em Beirute, após a queda do regime sírio de Assad, o eterno inimigo da soberania libanesa, é um discurso que diz respeito a todo o mundo árabe, e os sauditas provavelmente sabem disso. Beirute foi a terceira via árabe entre o absolutismo dos totalitarismos “seculares” e o dos totalitarismos “de inspiração religiosa”. O confessionalismo libanês não conseguiu manter viva essa terceira via, libertária e liberal, transformando-a em uma associação feudal.
Agora, talvez seja lícito dizer que a primeira pedra foi lançada, em meio a enormes dificuldades, para reconstruir, atualizando e adaptando-o aos nossos tempos, aquele primeiro exemplo de estado árabe plural. No entanto, é preciso considerar que os inimigos são muitos e que esse ensejo, até o momento, se baseia apenas nas intenções de dois homens que, no entanto, já devolveram esperança a grande parte dos libaneses.
Um razoável ponto de partida em uma jornada que será interessante de acompanhar. Será interessante, por exemplo, ver se considerarão a possibilidade de reformar não apenas a lei eleitoral, mas também o sistema eleitoral imediatamente, uma necessidade absoluta para renovar a classe dirigente, que a atual, de qualquer forma, tentará impedir. Mas o trem já partiu. Veremos onde poderá chegar.