Verborragia. Destaques da Semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 11 Janeiro 2025

Bem-vindo 2025. É hora de deixar o pessimismo para dias melhores. É hora de superar tudo o que não contribui para um futuro feliz e justo, aproximando-nos especialmente dos menos favorecidos e refletindo sobre suas dores. Um novo ciclo sempre enseja dias melhores e é assim que caminhamos juntos à esperança. Apesar da crença no amanhã, nessa semana vivenciamos um começo de ano conturbado. Trump está jogando com todo o poder que terá nas mãos e disparando bravatas. Claro que ele não está sozinho, os CEOs da Big Techs estão jogando alto também e a Meta é a nova peça do jogo. No Brasil, fizemos memória aos atentados antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Essas e outras notícias nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Ano novo

“O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos”, ressaltou frei Betto em sua mensagem de final de ano. Para o dominicano, “se o novo se faz advento em nossa vida espiritual, então com certeza teremos, sem milagres ou mágicas, um Feliz Ano-Novo, ainda que o mundo prossiga conflitivo; a crueldade, travestida de doces princípios; o ódio, disfarçado de discurso amoroso”.

Inauguração

2025 começa prometendo a inauguração de uma nova ordem mundial com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Além disso, o aumento da crise climática, as guerras e os bilionários da tecnologia são outros problemas que devemos enfrentar. O presidente-eleito dos Estados Unidos nem tomou posse, mas já começou a ameaçar o mundo. Uma verborragia para impor apoio por meio do medo, para colocar os EUA no centro das atenções. Com desejos expansionistas, Trump não descarta usar o exército para tomar o Canal do Panamá e a Groenlândia. Ainda ameaçou anexar o Canadá aos Estados Unidos. A melhor resposta aos devaneios trumpistas veio da presidente do México, Claudia Sheinbaum, que propôs renomear os EUA para América Mexicana. Para o economista Branko Milanovic, o dia da posse “marcará o fim simbólico do neoliberalismo global. Seus dois componentes desapareceram. O globalismo foi transformado em nacionalismo, e o neoliberalismo aplica-se apenas à esfera econômica. Seus elementos sociais — a igualdade racial e de gênero, o livre movimento dos trabalhadores, o multiculturalismo — estão mortos. Restam apenas os baixos impostos, a desregulação e a veneração dos lucros”.

Guinada à desinformação

A decisão de Mark Zuckerberg de eliminar o programa independente de verificação de dados do Facebook e Instagram é um claro alinhamento do magnata da tecnologia a Trump. Com uma guinada no discurso, a decisão da Meta, aponta o pesquisador Ergon Cugler, “representa uma ameaça à democracia e ‘o nascimento de uma nova forma de autoritarismo digital’”. “Uma a uma, as big techs deixam cair a máscara de isenção, de objetividade e de compromisso com os fatos e mostram sua natureza essencial: são usinas de propaganda e manipulação a serviço do autoritarismo. Não têm e nunca tiveram nada a ver com educação ou conhecimento”, pontuou Eugênio Bucci.  

Donos do mundo

Após as declarações de Trump e Elon Musk, inclusive com o dono do X apoiando a extrema-direita europeia – o que lhe traz rendimentos financeiros  – e atacando o Reino Unido, o jornal francês Le Parisien classificou a dupla como “os novos donos do mundo”. Apesar dos receios da maior parte da Europa, a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni está tecendo um acordo com o tecnobilionário para usar os satélites da Starlink.

Norte e Sul sobrepostos

“Existe um ‘Norte’ no ‘Sul’ e um ‘Sul’ no ‘Norte”. A divisão da humanidade em condições desiguais, característica do capitalismo e intimamente ligada à estrutura do imperialismo, ainda está presente, mas sua topografia ou sua ‘geometria’ sofreu uma revolução”, ponderou Étienne Balibar. Já vemos tanta pobreza no Norte quanto no Sul; tantos ricos no Sul quanto no Norte. Como sinaliza o pesquisador, trata-se de “uma nova divisão de mundo”. 

Golpe fracassado

Na semana que passou fizemos memória à tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Como a serpente ainda está viva, Manuel Domingos Neto acredita que a democracia continua sob ameaça. “A democracia persiste ameaçada não apenas no Brasil, pois a onda obscurantista é mundial e, particularmente no Ocidente, ela está muito viva. Vivemos sob ameaça constante e, no caso brasileiro, a militância da extrema-direita é extremamente ativa. Mas, no que diz respeito às Forças Armadas, creio que estão relativamente contidas. Acho que há um compromisso do atual comando em enfrentar o ativismo militar, no caso do Exército, vemos o comandante e a chefia do Estado-Maior conseguindo segurar a ‘cadeia de comando’, mas esse enfrentamento é limitado porque a militância extremista tem se exercido através das redes sociais, algo muito difícil de controlar”, explica. O colega Alexandre Francisco elaborou um artigo em que argumenta a importância do cuidado diária com a democracia: “a democracia venceu, mas não vencerá por tanto tempo se não for cuidada diariamente”, sinalizou.

Gaza

Superamos mais de 450 dias de uma guerra que promove uma carnificina sem precedentes dos palestinos. O Natal já não pode ser comemorado e nem as crianças carregam mais esperanças, tampouco lágrimas. “Enquanto o mundo festeja, na Faixa de Gaza os pequenos procuram restos de comida podre no meio do lixo. Suas mãos estão levantadas não em comemoração, mas para se protegerem de mísseis”, relatou a jovem estudante palestina Rita Baroud . Entre os 45 mil mortos no conflito, ao menos 17 mil e 500 eram menores de idade. Entre estes agora também se contabilizam mais bebês recém-nascidos, que agora morrem de hipotermia, como a pequena Sila, que morreu de frio na noite de Natal. Não obstante o massacre, a desumanização dos soldados israelenses fez com que dois deles gravassem um react debochando das crianças que perderam seus familiares na guerra. Trump promete um “inferno” aos moradores de Gaza após sua posse, caso o Hamas não liberte os reféns. Será que dá para ficar pior, já que aos palestinos só restou a morte?  

Trocas sinistras

Um estudo divulgado essa semana evidenciou como os programas de transferência de renda voltado aos mais pobres contribui para a melhora da qualidade de vida dos beneficiários. A pesquisa concluiu que “entre as pessoas que vivem em extrema pobreza, a incidência de tuberculose foi reduzida em 51% e as mortes em 40%. Nas comunidades indígenas, a incidência foi reduzida em 63% e a mortalidade em 65%”. As soluções para algumas doenças não são apenas médicas, mas também socioeconômicas, afirmou o pesquisador Davide Rasella ao comentar os dados. Em contrapartida a essa boa notícia, uma investigação de mais de dez anos trouxe novas informações sobre a população em situação de rua. Sinalizando que há um aumento das pessoas sem moradia, o grupo de pesquisa apresentou uma nova teoria que tem como conceito-chave “trocas sinistras”. Segundo os autores, ele serve “para entender como a sociedade tem construído tipos de vulnerabilidade e criado sistema de descarte de pessoas”. 

Guardiões do futuro

Para seguirmos otimistas no porvir, o teólogo Flávio Lazzarin nos convida a olhar para os mais empobrecidos. “Os protagonistas da transformação do mundo não são os líderes iluminados e os partidos majoritários, mas os pequeninos e as pequeninas, que, em companhia de Jesus e dos Encantados, guardam os segredos do Amor, da Beleza e da Verdade. Guardiões de um futuro, num presente em que a própria vida na Terra é ameaçada de extinção”. Para o filósofo Robson Chaves, na ânsia de eliminarmos o sofrimento imediatista, esquecemos como a dor poder nos ensinar a enxergar o mundo sob outro prisma. “A dor que depura nossas intenções, fortalece nossos valores e refina nossa humanidade. As tradições espirituais e filosóficas de diversas culturas reconhecem esse potencial da dor como um processo que nos aproxima do essencial, nos liberta das superficialidades e nos ensina a contemplar o que verdadeiramente importa”, sustenta.

Arrasou

Por fim, parabenizamos Fernanda Torres pelo troféu no Globo de Ouro, por sua atuação no filme Ainda Estou Aqui. Um prêmio para mostrar que dizer sim à arte  é dizer sim a uma possibilidade de vida mais humanitária, é dizer sim à humanidade e não à barbárie.

Uma boa semana a todas e todos!