06 Janeiro 2025
"Olhando para o futuro, creio que é necessário ouvir não só os teólogos presentes na sala, mas também dar espaço à escuta das diferentes narrativas, à compreensão das diferentes epistemologias, para criar uma teologia que se saiba ser uma forma entre outras de discernir e dizer Deus", escreve Manuel António Teixeira, em artigo publicado por Settimana News, 04-01-2025.
Nos dias 9 e 10 de dezembro de 2024, teve lugar na Aula Magna da Universidade Lateranense o primeiro congresso teológico convocado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação. O encontro contou com a presença de 450 pessoas representando faculdades e institutos de teologia presentes em todos os continentes. O tema do Congresso foi “O Futuro da Teologia: Herança e Imaginação”. O congresso abordou três temas: o onde da teologia; o como da teologia; e o porquê da teologia.
O congresso começou na Sala Clementina da Cidade do Vaticano com uma audiência concedida pelo Papa Francisco aos participantes. Em seu discurso, o papa enfatizou que a teologia é discreta, como uma luz que ilumina e faz aparecer os objetos, mesmo que a luz não seja vista. O teólogo deve ajudar a repensar o modo de pensar. A teologia deve estar à altura dos desafios presentes na complexa realidade de hoje.
No entanto, existe sempre o risco de simplificar a nossa abordagem à realidade, o que pode levar à fragmentação, à polarização e à ideologia. Para evitar o perigo de simplificações, o Papa Francisco convidou os participantes a trabalhar de forma interdisciplinar e transdisciplinar, conforme proposto no documento Veritatis gaudium (4c). Neste sentido, o Papa exortou a não reduzir o trabalho teológico ao espaço de alguns estudiosos, mas a torná-lo acessível a todos.
Já no grande salão da Universidade Lateranense, o Cardeal Tolentino e o Bispo Cesareo Pagazzi convidaram todos os teólogos a abrirem-se à escuta. Este primeiro momento caracterizou-se pela escuta do lugar das lógicas teológicas.
Geraldo De Mori, representante da Faculdade de Teologia e Filosofia de Belo Horizonte, sublinhou a necessidade de uma escuta hospitaleira que acolha com gentileza e interesse tudo o que se faz nos diversos cantos do nosso planeta. Ouvir diferentes teólogos nos fará compreender que a teologia não é uniforme.
A pluralidade não é a origem de um fragmentarismo em desintegração. Com efeito, o professor Vittorio Viola insistiu no fato de que esta diversidade se harmoniza na liturgia, em particular na Eucaristia, espaço de encontro e de superação de qualquer lógica absoluta. A encenação da tensão entre uma unidade (a celebração litúrgica) numa pluralidade de visões e lógicas teológicas das duas primeiras intervenções foi o prelúdio que convidou os presentes a ouvir vários teólogos de diferentes cantos do mundo: Estados Unidos, Nigéria, Austrália, Filipinas, Argentina, França (todos teólogos representantes da Igreja Latina) e um representante das Igrejas Orientais.
O lugar foi articulado como a apresentação de uma pluralidade de empreendimentos teológicos em diferentes contextos. Paradoxalmente, esse esforço do congresso em demonstrar a pluriformidade acabou, em certo sentido, sendo vítima da uniformidade. Na verdade, a lógica teológica dos teólogos destes lugares deixou de fora outros modos de pensamento teológico presentes nos vários continentes. Cada representante mostrou-se como portador paradigmático de um esforço teológico local, que é a negação de uma maior diversidade.
A teologia da Argentina, por exemplo, desenvolveu-se de forma diferente daquela da América do Norte, do Sul e Central. A teologia da França apresentada pelo professor de Estrasburgo, Michel Deneken, não é a expressão do pensamento europeu, mas de uma parte bastante localizada do pensamento teológico europeu.
Talvez as maiores fragilidades deste primeiro momento (o onde da teologia, precisamente) tenham sido a ausência de um estatuto epistemológico capaz de justificar o topos como espaço de singularidade teológica, por um lado, e o pouco espaço dado aos tempos de diálogo teológico no método de escuta do Espírito, por outro.
O pouco tempo dedicado à escuta e a falta de preparação prévia fizeram com que as intervenções dos teólogos permanecessem na esfera da opinião, deixando oculta a da argumentação. Agradeço que tenha sido usado o método de ouvir no Espírito, embora acredite que era necessário um consenso sobre o que precisava ser dito. Não é de estranhar que as conclusões dos diferentes grupos apresentadas à assembleia tenham sido caracterizadas por uma multiplicidade de opiniões desligadas entre si e desprovidas de argumentos.
Observou-se que os facilitadores do diálogo não tiveram a preparação necessária para garantir que as discussões tivessem pontos em comum e que as diferenças argumentativas pudessem ser trazidas à tona. Teria sido interessante se, como teólogos, tivéssemos refletido previamente sobre o tema a ser tratado em nosso contexto.
Tornou-se claro que o contexto é importante quando se pensa e se escreve sobre teologia, mas isso não foi justificado epistemologicamente e permaneceu apenas no domínio da observação.
Sobre como fazer teologia, os organizadores da conferência convidaram todos os presentes a ouvir alguma lógica não-teológica e a abrir-se à possibilidade de novos estilos de fazer teologia. Quatro dessas lógicas representavam quatro formas de ler a realidade e compreender a verdade.
Maeve Louise, musicista e teóloga, falou da música como uma linguagem que não impõe um pensamento, mas cria espaços e possibilidades de encontro. A música cria uma dialética tópica, isto é, um “entre” como possibilidade de espaço teológico criativo, respeitoso dos diferentes contextos e hospitaleiro à pluralidade.
Uma segunda abordagem a uma lógica não-teológica foi a apresentada por Eric Emmanuel Schmitt, um conhecido escritor francês. Segundo ele, na literatura, mais do que encontrar respostas, é importante identificar as questões que afligem a humanidade hoje; neste sentido, ele acredita que podemos falar de uma irmandade da dúvida. Segundo o escritor, no atual contexto europeu, a fé não nasce, mas precede a experiência eclesial.
Deus não é um objeto que possa ser apreendido pela razão, mesmo que possa ser intuído com o coração. Deus não pode ser provado, mas a fé nele pode ser demonstrada. Deus não pode ser explicado, mas é possível testemunhá-lo. O cristianismo é uma estrutura e uma marca que permeia todas as culturas. No mundo ocidental o cristianismo está presente, como nostalgia, como lamento ou como inimigo.
Uma terceira intervenção foi a de Carlo Rovelli, físico italiano, que reconheceu ter aceitado o convite para participar no congresso porque considera o papa um homem de escuta e de diálogo que não coloca as suas conclusões antes da comparação com outras ideias.
O físico italiano falava da ciência como uma investigação aberta a novas descobertas e capaz de superar paradigmas que não dão conta da explicação dos fenômenos. Rovelli considera o cientista uma pessoa não estranha à realidade, mas parte dela. Sua explicação se afasta do esquema sujeito-objeto e coloca ênfase na pesquisa científica como uma relacionalidade com o cosmos, as pessoas, as crenças, os mitos e a própria fé.
Uma justificativa final foi apresentada por Alice Rohrwacher, uma diretora italiana. Ela começou dizendo que não havia sido iniciada no mundo da teologia. Confessou que ficou impressionada com o fato de os seus filmes, dos quais o mais comentado é “Corpo Celestial”, terem tido eco e recepção no mundo cristão, visto que as suas longas-metragens contêm uma crítica a certos comportamentos cristãos. Ela reconhece, no entanto, que a sua crítica não é contra a fé, mas contra as formas de compreender e ensinar essa fé.
Ela não entende como na Igreja a fé deixa de ser um espaço de encontro que une e acaba sendo um espaço de segurança que divide. As produções da diretora não buscam dividir, mas unir, reconhecer os símbolos (referindo-se ao sentido etimológico do termo) presentes na realidade para transformá-los em espaços de encontro.
Um “corpo celeste” (aludindo ao seu filme, mas também ao nosso planeta) não é um asteróide acima de nós, mas sim o espaço que partilhamos; na verdade, às vezes esquecemos que fazemos parte desse corpo celeste, que habitamos um planeta que faz parte de uma galáxia composta por múltiplos corpos celestes. Este espaço, que todos habitamos, deve ser cuidado, porque é de todos nós.
É surpreendente que todos os oradores, sem terem concordado previamente, insistiram na necessidade de um espaço comum, de um “entre” como espaço partilhado e não conquistado. Em essência, todos concordaram que o futuro da teologia não está isolado.
Um teólogo e duas teólogas reagiram a lógicas não-teológicas. A estudiosa bíblica Mary Jerome Oniorah, da Universidade da Nigéria, o teólogo fundamental Christoph Theolbald, do Centre Sèvre em Paris, e o teólogo moral James Keenan.
Todos os três acolheram a partilha dos quatro convidados e sublinharam a importância para a teologia de ouvir estas lógicas não-teológicas. A professora Mary Jerome falou sobre a dificuldade de fazer teologia num contexto multilíngue e multicultural e por isso pediu para ouvir a cultura, ou seja, ouvir um mundo que vai além dos interesses intrateológicos.
O professor Theobald enfatizou a necessidade de ouvir estereofonicamente o que há de novo, mas ao mesmo tempo o que Deus quer nos dizer. A complexidade deve ser bem-vinda se não quisermos trair a verdade.
Finalmente, o professor James Keenan falou sobre a vulnerabilidade da teologia. A teologia é vulnerável e deve aprender a ouvir as vulnerabilidades deste mundo: a vulnerabilidade das pessoas, a sua própria vulnerabilidade, o lamento e o choro das pessoas. Não podemos fazer teologia sem vulnerabilidade, devemos estar ao nível da dor das pessoas. Devemos evitar prolongar o luto e o sofrimento das pessoas que precisam de consolo.
As lógicas não-teológicas foram talvez um dos aspectos mais inovadores do congresso. Infelizmente, limitou-se ao campo das artes e das ciências e apenas levou em consideração os interlocutores ocidentais. Na minha opinião, teria sido interessante ouvir a lógica mítica, religiosa e literária dos povos não ocidentais.
O terceiro momento centrou-se no porquê da teologia. Primeiro, foram feitas pequenas apresentações por representantes de diversas universidades em diferentes continentes. Os oradores concordaram que a justificação da teologia não reside nas respostas que podem ser dadas aos porquês, mas nas razões que levam a teologia a continuar a pensar.
Neste sentido, um teólogo africano sublinhou a necessidade de fazer teologia tendo em conta a gênese do povo africano. A teologia deve falar do sofrimento e do sangue derramado pelos povos. Não é mais possível ensinar a doutrina sem levar em conta o modo de recepção.
A teóloga filipina Stephanie Ann Y. Puen e o prof. Gerald Kellly, australiano, concordou que a questão chave para o trabalho teológico é perguntar o que Deus está pedindo de nós em nossos lugares hoje? Ambos compreendem que, ao fazerem esta pergunta, não podem deixar de olhar para as populações indígenas, com as quais é necessário estabelecer um diálogo cultural e religioso. O teólogo australiano também acredita que a teologia deve refletir e discernir a presença de Deus no difícil contexto dos abusos cometidos durante décadas pelos ministros da Igreja. É necessária uma reflexão que leve ao perdão e à reconciliação na sociedade.
O Professor Piero Coda identificou três aspectos necessários no trabalho teológico atual na Europa: a compreensão das consequências da divisão dos cristãos, bem como a constituição e evolução da sociedade europeia após esta divisão; A pilhagem dos países colonizados pela Europa e as atuais políticas europeias de imigração; finalmente, a fragmentação do conhecimento na sociedade europeia e a necessidade de diálogo inter-religioso.
O professor Waldicir Gonzaga destacou então como o contexto de injustiça e a centralidade dos pobres continuam a ser uma força motriz no trabalho teológico latino-americano. A teologia não é um pensamento que permanece apenas teórico, mas tem um horizonte pastoral onde é possível uma verificação soteriológica.
O teólogo reconheceu o fato de que ter um papa latino-americano, com uma teologia ligada ao continente, promoveu a reflexão teológica. O professor Mark Jenson, canadense, também falou sobre a necessidade de diálogo com as populações aborígenes. A América do Norte tem, sem dúvida, uma responsabilidade histórica na qual o Evangelho não pode ficar à margem, por isso uma tarefa urgente na reflexão teológica é uma reflexão sobre a imigração que não termine apenas em gestos de caridade, mas que conduza a uma justiça cuja pedra angular é a fraternidade.
O professor de teologia oriental Željko Paša falou sobre a importância do Oriente para o Ocidente como interlocutor válido para todo o aspecto da reflexão sobre o mistério.
O porquê da teologia foi o aspecto mais inconsistente de todo o encontro, pois faltou novidades e novos espaços. As intervenções convidaram-nos a percorrer caminhos já percorridos. Parece que, como teólogos, devemos contentar-nos em continuar a fazer o que sempre fizemos. Isto explica porque o momento da escuta no Espírito foi marcado pela incerteza.
Perguntar o como e o porquê da teologia levou a respostas óbvias como “é preciso falar de Deus e esta é a tarefa da teologia” – além de repetir algumas das ideias que mais chamaram a atenção nas curtas intervenções dos vários teólogos.
Não há dúvida de que a reunião foi importante; é o primeiro momento de outros que esperamos que se sigam. Olhando para o futuro, creio que é necessário ouvir não só os teólogos presentes na sala, mas também dar espaço à escuta das diferentes narrativas, à compreensão das diferentes epistemologias, para criar uma teologia que se saiba ser uma forma entre outras de discernir e dizer Deus.
Na minha opinião, uma teologia católica será tal na medida em que for capaz de reconhecer a pluralidade de visões, a pluriculturalidade e a plurireligiosidade. Felizmente esta jornada já começou, embora devamos reconhecer que ainda temos muito a abandonar e muito a aceitar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vaticano: caminhos teológicos. Artigo de Manuel António Teixeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU