Luiz Marques responde à questão em videoconferência nesta quinta-feira, 10-12-2024, em evento promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU
A realização de 29 Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs) não tem surtido os efeitos esperados. Os países-membros têm dificuldades de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e elaborar políticas públicas de mitigação e enfrentamento dos eventos climáticos extremos. A incapacidade de financiar o combate à crise climática e políticas de adaptação ficou visível na Conferência realizada em Baku, no Azerbaijão, mês passado. A COP29 “foi uma COP Zumbi”, “um cadáver insepulto”, lamenta Luiz Marques, professor da Ilum Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
A morte, contudo, ocorreu cinco anos antes, segundo o anúncio do pesquisador em 2021: “A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, nascida em 1992, está morta. Morreu em Madri, em 2019, e o enterro foi em Glasgow [Escócia]. A Missa de Sétimo Dia será no Egito, em 2022 (COP27), e a missa de um ano será oficiada nos Emirados Árabes Unidos, em 2023 (COP28), uma das capitais do petróleo”.
As consequências da falta de políticas públicas de enfrentamento ao novo regime climático foram sentidas neste ano em diversas partes do mundo, devastadas por eventos climáticos extremos. O aumento da temperatura, que tem sido anunciado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é um deles. Segundo dados do observatório europeu Copernicus, a temperatura global em 2024 será a mais elevada da história: 1,6ºC acima da média pré-industrial.
A continuação da emissão de gases do efeito estufa na atmosfera agravará ainda mais a situação, adverte Marques. “Isso resultará em um provável aumento na temperatura média global de cerca de 1°C acima do valor atual até 2025 e 3°C antes do final do próximo século”, salienta.
Ano passado “a produção de petróleo e gás atingiu um recorde histórico: 55,5 bilhões de barris de petróleo equivalente (bboe)”, informa. Somente nos EUA, exemplifica, o presidente Joe Biden aprovou “quase 50% mais licenças de exploração de petróleo e gás em terras federais do que Trump em seus primeiros três anos de governo”. Com a eleição de Trump neste ano, acrescenta, “os Estados Unidos sairão novamente da convenção do clima”. Apesar do impacto político negativo, a presença dos EUA nas COPs “sempre atrapalhou mais do que ajudou as negociações”, assegura.
Neste contexto, surge a pergunta: “Ainda faz sentido a COP30?” Refletir sobre os limites e possibilidades da próxima conferência climática é o tema da videoconferência de Luiz Marques na próxima quinta-feira, 19-12-2024, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento será transmitido às 17h30min na página eletrônica do IHU, no YouTube e nas redes sociais.
A próxima Conferência do Clima será realizada em Belém, no estado brasileiro do Pará. No site do Planalto, o anúncio sobre a preparação da COP30 é acompanhado da declaração do presidente Lula: "Uma coisa é discutir a Amazônia no Egito; outra coisa é discutir a Amazônia em Berlim; outra coisa é discutir a Amazônia em Paris. Agora, não. Agora nós vamos discutir a importância da Amazônia dentro da Amazônia. Nós vamos discutir a questão indígenas, vendo os indígenas. Nós vamos discutir a questão dos povos ribeirinhos, vendo os povos ribeirinhos e vendo como eles vivem”.
A capital paraense fica a 760 quilômetros de Altamira, município onde está instalada a hidrelétrica de Belo Monte, construída apesar da resistência de povos tradicionais da região e em operação desde 2016. “Os projetos de engenharia previam uma série de benefícios para a população local, com promessas de melhorias em saneamento, tratamento e distribuição de água e esgoto, saúde e educação. Mas, depois da construção da hidrelétrica, pouco ficou: houve uma explosão de violência e alta dos preços, a agricultura colapsou e os rios perderam até 30% dos peixes – aqueles bagres enormes de 100-200 quilos desapareceram, por exemplo. Até hoje a estrutura de água e esgoto e o novo hospital de Altamira não foram entregues”, resume Emilio Moran, professor da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ao relatar a situação da região em outubro.
A COP30 será realizada dez anos depois da criação do Acordo de Paris, na COP21, na França. Na conferência do próximo ano, segundo Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “vão ser renegociadas novas metas de controle de emissões de gases do efeito estufa”. A expectativa, disse em entrevista concedida ao IHU em outubro, é de que sejam “consolidados, muito provavelmente, novos mecanismos de transferência de renda de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, como forma de auxílio a esses países em desenvolvimento para que construam um futuro mais resiliente à mudança climática, para ajudar a se adaptarem ao novo clima e a reduzir essas emissões”.
Para José Ribamar Bento da Silva Júnior, engenheiro florestal formado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e doutorando em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a realização da COP30 na capital paraense tem significados simbólicos e práticos. “A cidade é a porta de entrada para a Amazônia e representa a complexa realidade ambiental, social e econômica da maior floresta tropical do mundo. Estar no coração dessa realidade permitirá que os líderes mundiais e ativistas vejam de perto o que está em jogo”.
Entre os efeitos práticos da Conferência do Clima, o pesquisador espera resultados internos no enfrentamento da devastação ambiental na Amazônia. “Entre as vantagens está o fato de que a presença internacional pode gerar pressão para que o Brasil intensifique suas políticas ambientais e a proteção da Amazônia. Nos últimos anos, a região tem enfrentado desmatamentos crescentes, exploração ilegal de madeira e garimpo, além de conflitos fundiários envolvendo povos indígenas e comunidades tradicionais. A COP30 pode impulsionar o desenvolvimento de acordos e compromissos mais firmes em torno de uma economia sustentável, com incentivo à bioeconomia e ao turismo sustentável, gerando alternativas econômicas para a população local, sem comprometer os recursos naturais”, conjectura.
Luiz Marques tem comentado a inconsistência das COPs, as implicações do negacionismo climático, as opções políticas das nações no contexto de emergência climática e os efeitos do novo regime climático no meio ambiente. Diversas análises estão publicadas na página eletrônica do IHU. Entre elas, destacam-se:
Luiz Cesar Marques Filho (Foto: Arquivo pessoal)
Luiz Marques é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, formado em Sociologia da Arte pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS), na França, e doutor em História da Arte pela mesma instituição. Foi curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (MASP), entre 1995-1997. É professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História da Unicamp e professor da Ilum Escola de Ciência do CNPEM. É autor de Capitalismo e colapso ambiental (Editora da Unicamp, 2018) e O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência (Elefante, 2023).