25 Outubro 2024
Daqui a um mês conheceremos os resultados da Cimeira das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29). De 11 a 24 de novembro, em Baku (Azerbaijão) cientistas, ativistas do clima e responsáveis políticos de todo o mundo discutirão como custear medidas que minimizem as alterações climáticas e como colocar à disposição dos países mais pobres meios financeiros para enfrentarem as consequências da crise climática. Alguém espera decisões corajosas? Silêncio… Os tempos, tal como o clima, não são esperançosos.
A artigo é de Jorge Wemans 24-10-2024.
Teremos, sem lugar para dúvidas, declarações bombásticas sobre os biliões de dólares que ficarão como promessa de investimento em medidas de adaptação para contrariar o aquecimento global e outros tantos biliões para ajudar os países em desenvolvimento a mitigarem as violentas consequências e o sofrimento que as alterações climáticas provocam às suas populações.
Com promessas de biliões de dólares, as empresas e os países que vivem da exploração dos combustíveis fósseis continuarão a expandir os seus negócios e a acelerar o aquecimento global. Como tem sido costume, há sempre múltiplas formas de adiar promessas e de complicar o acesso ao financiamento. Assim, nesta que já é apelidada a “COP das finanças”, se evitará a decisão de pôr termo à exploração de combustíveis fósseis – a principal medida que nos permitiria manter alguma esperança de ser possível cumprir a meta definida em 2015 de manter o aquecimento global no limite de mais 1,50 Celsius em relação ao período pré-industrial.
São necessários compromissos “eficientes, vinculativos e facilmente monitoráveis” em “quatro áreas: a eficiência energética; as fontes de energia renováveis; a eliminação dos combustíveis fósseis; e a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos” – pediu, em novembro de 2023, o Papa Francisco às centenas de governantes e empresários de todo o mundo presentes na COP28. Não foi atendido no ano passado, no Dubai. Também não há expectativa de que o venha a ser agora, em Baku.
O triste caminhar em direção ao “inferno climático”, como o atual estado de coisas foi classificado por António Guterres, é um dos aspetos que sinaliza o retrocesso civilizacional em que vivemos. O Papa Francisco fala de mudança de época e de um mundo que já está em “plena III Guerra Mundial aos pedaços”. De facto, falar de ‘crise’ parece demasiado banal para caracterizar o nosso tempo. Estamos a viver uma regressão civilizacional marcada pelo regresso do poder implacável do mais forte, do império ilimitado da força bruta sobre o mais fraco.
Na história recente da humanidade, nas últimas décadas, conseguimos que em boa parte do planeta a violência dos poderosos e dos poderes fosse contida pela lei, pelo Estado de Direito. Mas, olhando o mundo e o que hoje nele se passa, é cada vez mais difícil encontrar situações em que impere the rule of the law – “o mecanismo, processo, instituição, prática ou norma que apoie a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, assegure uma forma não arbitrária de Governo e, de forma mais geral, impeça o uso arbitrário do poder”, como o define a Encyclopædia Britannica.
O “inferno climático” é apenas um dos sinais do indisfarçável recuo civilizacional bem visível nos acontecimentos que os media nos relatam quotidianamente: a brutal invasão da Ucrânia pelos exércitos russos; o genocídio do povo palestino planeado e concretizado pelo poder das armas israelitas; a violência infinda das guerras sem quartel que pululam nos continentes africano e asiático; a repressão intolerável exercida pelos regimes coreano e chinês; o crescimento dos populismos xenófobos e anti-imigrantes nas democracias ocidentais, países em que o fosso astronómico que separa o punhado dos mais ricos das enormes franjas mais pobres corrói o contrato social, sustentáculo da democracia.
Perante este cenário, soa infantil e ingénuo lembrar os “novos céus e a nova terra” que nos estão prometidos, referir o amor do Criador pelas suas criaturas, garantir que o destino do homem é a vida em abundância numa terra de paz e fraternidade, ou manter viva e dizível qualquer narrativa que exprima a crença na presença amorosa de Deus na história.
Será?
Sim, a tradição cristã (atendo-nos apenas à maior confissão presente no país, mas cuja reflexão poderia ser alargada às grandes tradições religiosas) corre o perigo de, não encontrando sinais de esperança no mundo e no tempo, procurá-la exclusivamente na esfera individual, lá onde é possível relevar memórias de acontecimentos belos e felizes prenhes da humanidade que se esfuma nas realidades coletivas. Sim, é necessário “darmo-nos tempo para interrogar a nossa memória” [1] e meditar na “feliz aventura” que ela traz até nós. Mesmo sabendo que nem todos podem olhar a sua vida e dizer como Josep Maria Esquirol: “(…) tive ainda um privilégio maior. O de testemunhar a incrível bondade de certas pessoas. Elas deram-me o sentido e a força para resistir a todas as investidas do absurdo.” [2]
É exatamente o absurdo da história que hoje se levanta diante de nós para ensombrar as memórias individuais, por mais felizes e portadoras de esperança que elas sejam. Na verdade, a esperança (como a fé) cristã não depende de factos concretos, reais, palpáveis e demonstráveis. Contudo, os cristãos, para manifestarem a esperança que os move, terão de saber comunicar aos seus contemporâneos de todas as épocas uma visão da história liberta do absurdo e, pelo contrário, vinculada ao plano amoroso de Deus para as suas criaturas. Hoje, tal como noutros “tempos sombrios”, essa é uma tarefa difícil a que boa parte das comunidades cristãs se esquiva, preferindo o autocontentamento fugaz das alegres e ruidosas realizações envolvendo multidões.
Mas não há como escapar: o que o tempo pede aos cristãos é que estes o salvem, oferecendo-lhe as razões da sua esperança, tal como Pedro os incentivava, escrevendo que a isso deviam estar sempre prontos.
Também Paulo lembrava aos cristãos de Roma que os seguidores da via de Jesus deviam viver animados da mesma esperança com que Abraão esperou a concretização da promessa que o Senhor lhe havia feito de que teria geração. Velho de uma centena de anos, sem descendência e casado com uma mulher estéril “acreditou, firme na esperança contra toda esperança” (Romanos 4, 18), ou, na tradução de Frederico Lourenço, como “Abraão esse que, em esperança para lá da esperança, acreditou que seria pai de muitas nações”.
Acreditar sem ver, esperar sem razão – a fé e a esperança cristãs não são uma ‘teimosia acientífica’ de olhos fechados à realidade. São antes caminhos de procura incessante, embora alicerçada numa radical confiança, do Deus que anda amorosamente misturado com os homens, envolvido na sua história, sempre presente, mas nunca chamando a si o papel de quem fabrica essa história – tarefa que deixa para nós, mesmo se correndo o risco “das toneladas de sofrimento que nós, humanos, fomos e somos capazes de infligir a outros humanos”. [2]
[1] Espérer avec les Saints du Carmel de Geneviève Pochat – Éditions des Béatitudes 2023. Pág.81
[2] A Escola da Alma de Josep Maria Esquirol – Paulinas 2024. Pags.14 e 21
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Clima: recuo civilizacional sem esperança. Artigo de Jorge Wemans - Instituto Humanitas Unisinos - IHU