02 Outubro 2024
No ensaio “Attachments”, o antropólogo Charles Stépanoff oferece uma reflexão sobre a forma como nos relacionamos com as outras formas de vida. Convida-nos a repensar a forma como habitamos o mundo.
A entrevista é de Hortense Chauvin, publicada por Reporterre, 30-09-2024. A tradução é do Cepat.
Como tecemos as nossas relações com o mundo vivo? Como esses laços influenciam nossas organizações sociais? Estas são algumas das perguntas que o antropólogo Charles Stépanoff tenta responder no seu ensaio Attachments (Vínculos), publicado no dia 12 de setembro pela editora La Découverte. Um trabalho fascinante, que combina pesquisa etnográfica, história, psicologia cognitiva e filosofia.
Para você, as comunidades humanas estão divididas em torno de dois polos: aquelas que cultivam “redes densas” com o mundo vivo e aquelas que mantêm redes “espalhadas”. O que quer dizer com isso?
No plano metabólico, os humanos exploram uma grande quantidade de espécies: crustáceos, aves, plantas, cogumelos... No plano emocional, também temos uma capacidade única de atribuir uma alma e sentir empatia pelos animais, pelas árvores e até os rios e as montanhas.
As sociedades humanas variam de acordo com as suas formas de organizar os seus vínculos com o seu ambiente. As redes densas se baseiam em ligações exploratórias e empáticas com muitas espécies. Foi o caso onde trabalhei na Sibéria, entre os Tozhu, onde pelo menos cinquenta espécies são utilizadas para alimentação, aquecimento, vestuário, habitação, saúde... e também têm um papel mitológico. O zimbro, por exemplo, pode ser usado para aquecimento, mas também tem usos rituais e terapêuticos.
O estilo de vida urbano, dominante à nossa volta, está no extremo oposto. As espécies com as quais interagimos são muito poucas e as nossas relações com elas são simplificadas. As plantas do Jardim de Luxemburgo servem de ornamentação, mas certamente não de combustível – caso contrário, corre-se o risco de ter problemas com os guardas.
Temos uma relação principalmente empática e estética com o ambiente em que vivemos. Não porque nos tornamos anjos sem metabolismo, mas porque trazemos os nossos abastecimentos de zonas distantes de onde vivemos: tomates da Espanha, combustíveis fósseis ou urânio que nos permitem viver em apartamentos num microcosmo semitropical enquanto estamos em zonas temperadas... Neste sistema, existe uma separação entre o habitat e as zonas de abastecimento. Isso é o que chamo de redes espalhadas.
Como é que chegamos a ter, no Ocidente, apenas relações afetivas com os seres vivos?
Foi o que me interessou durante a minha pesquisa anterior, em L’animal et la mort (O animal e a morte). No Ocidente, podemos distinguir duas relações principais e bastante contraditórias com os animais: o animal-filho, por um lado, e o animal-matéria. O animal-filho é o animal de estimação, cão ou gato principalmente, que é um suporte de afeto e ao qual damos alimentação e cuidados veterinários, mas que não permitimos que cresçam ou se reproduzam livremente, e a quem não proporcionamos acesso às suas habilidades de predadores.
Por outro lado, os animais-matérias são utilizados para a produção de um minério de carne utilizado na indústria alimentícia. São os porcos, as galinhas, as vacas, que produzem carne e leite da forma mais racional possível, e com quem não devemos estabelecer relações afetivas, pois servem apenas de alimento.
Estas duas relações são complementares: se os cães e os gatos podem viver em apartamentos é porque conseguimos produzir carne a baixo custo industrializando a vida de outros animais e produzindo ração barata a partir disso.
Em outras regiões do mundo, você mostra que essas diferentes visões dos animais estão mais interligadas...
O mesmo acontecia entre nós até pouco tempo atrás. O porco podia ser um animal de companhia, cuidado pelas mulheres e tratado como um bebê. Coletávamos ervas para ele à beira das estradas, preparávamos seu mingau, passeávamos com ele na coleira... Ele tinha seu lugar na comunidade híbrida formada pela fazenda, e ainda era comido durante uma festa coletiva.
Esta prática ainda existe entre alguns grupos camponeses e em outras sociedades, onde esta complexidade da relação com os animais está no centro da vida cotidiana. Entre os povos turco-mongóis, o cavalo é um companheiro de vida, considerado mais inteligente que os humanos, que guia, protege, avisa quando há espíritos malignos... E então, no final da sua vida, ele é abatido e serve de alimento para os humanos. E não há contradição. No mundo da equitação na França, isso é um tabu absoluto.
Por que confinamos os animais a funções específicas?
Permite que camuflemos a violência da nossa relação com o mundo, delegando-a à indústria ou ao Terceiro Mundo. É um processo manifesto e historicamente bem descrito. Já no século XVI, os filósofos consideravam que o sangue não deveria mais correr na cidade. Isto foi implementado nos séculos XIX e XX: os matadouros afastaram-se cada vez mais das cidades e tornaram-se cada vez mais fechados.
Houve uma massificação e uma ocultação da morte e da violência. Elas não desapareceram. Pelo contrário, explodiram, mas de forma oculta. Esta camuflagem resolve problemas morais a nível individual, mas não resolve o problema a nível coletivo ou ecológico.
Como esse fenômeno contribui para a destruição do planeta?
Delegar a nossa relação com os vivos nos livra de qualquer forma de constrangimento ou autolimitação. Se não tivermos que perceber que a carne provém de seres vivos que têm afetos, podemos comê-la sem limites, porque não temos que experimentar a perturbação causada pelo fato de abatermos um animal. E você pode desperdiçar a carne sem nenhum problema, já que nunca olhou um porco nos olhos.
Quando vou a criadores que criam ao ar livre, eles sabem o nome do porco cujos rillettes comemos. Toda uma relação humano-animal está guardada na terrina. Isso incentiva uma forma de respeito e sobriedade.
O fato de os humanos, em última análise, terem direito à vida ou à morte sobre os animais não produz necessariamente uma relação assimétrica e, portanto, antiética?
A pecuária é assimétrica porque os humanos abatem os animais e não o contrário, mas isso não implica falta de ética. Pelo contrário, implica responsabilidade e pacto. Os criadores camponeses ou indígenas colocam a sua existência a serviço dos animais.
Vivi com pastores na Sibéria que literalmente deram a vida pelos seus animais: concordaram em viver em áreas muito confortáveis para as renas, mas terríveis para a fisiologia humana, a tal ponto que alguns ali morreram de frio ou foram mortos por ursos.
A vida na Terra está repleta de relações assimétricas de dominação: entre presas e predadores, entre genitores e crias, entre animais dominantes e submissos, e não há necessidade de considerar que a dominação seria, por si só, antiética. Caso contrário, a vida seria antiética.
Devemos perguntar-nos se a dominação se reduz à violência, ou se está presa a algo mais complexo, mais rico, que cria um socioecossistema resiliente onde várias espécies encontram um habitat. A questão ecológica da possibilidade de vida partilhada ao longo de várias gerações parece-me crucial.
No livro, você questiona a ideia de que a domesticação equivale necessariamente à escravização. Menciona particularmente o caso dos Tozhu e das suas renas, na Sibéria. A domesticação ali tem mais a ver com a troca de boas práticas: as renas ficam perto dos humanos porque gostam da sua urina, e os humanos em troca saboreiam o seu leite...
Quando realizei meu trabalho de campo no sul da Sibéria, fiquei perturbado em minhas certezas como antropólogo. As definições que aprendi e ensinei aos alunos sobre domesticação foram contrariadas pelo que observei: as renas não são alimentadas, não há recintos, não há supervisão, ninguém as protege dos predadores...
Também não existe isolamento genético: é comum que estas renas domésticas se reproduzam com renas selvagens. As pessoas estão acampadas e as renas saem para pastar pela manhã, um pouco como as crianças que vão à escola e voltam à noite. Se elas não voltarem durante vários dias seguidos, não há muito com o que se preocupar.
As renas não são criadas para serem comidas, mas como companheiras de vida, sendo utilizadas como montarias essenciais ao dia a dia.
Os siberianos contam histórias bastante curiosas sobre o nascimento desta relação: uma mulher foi urinar na floresta e as renas se aproximaram dela. Elas fizeram um acordo: em troca de sua urina, ela poderia ordenhar e montar nelas. É um pacto de solidariedade, e não de escravização. Isto tem implicações morais: as pessoas não podem tratar estes seres apenas como matéria.
Isto é muito diferente do nosso modelo, segundo o qual os humanos são os criadores das espécies domésticas. Diz-se que, diante da escassez, os caçadores-coletores tomaram o poder sobre os cereais e os animais, prendendo-os e transformando-os através da seleção genética para torná-los objetos de consumo. Neste nosso cenário, os humanos são os únicos agentes, e os outros seres passam passivamente por essa mudança de atitude.
Como chegamos a pensar dessa maneira?
Antes do século XVIII, “doméstico” designava aquilo que se relaciona com a casa ou que vive à sua volta, como o pardal ou o rato. O termo “doméstico” mudou de significado no século XVIII. Para o naturalista Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon [1707-1788], especialmente, passou a designar o fato de estar sujeito à autoridade humana.
Nas concepções camponesas, foi Deus quem criou os animais domésticos e as plantas, e os ofereceu – sob certas condições – aos humanos. Ele retirava, por exemplo, os grãos da espiga de trigo porque as pessoas os estavam estragando e — sacrilégio! – usavam para limpar seus filhos.
Por outro lado, Buffon afirmou que o homem criou o trigo a partir de ervas selvagens, ultrapassando assim a criação divina. Foi aí que nasceu a ideia de que o ser humano melhora a natureza. Ela foi aplicada a animais, especialmente pelo [zoólogo] Isidore Geoffroy Saint-Hilaire [1805-1861]. Ele fez da domesticação uma verdadeira prática ao tentar domesticar cangurus e avestruzes. Foram criadas instituições, como o Jardin d’Acclimatation. É neste contexto que nasceu a nossa noção moderna de domesticação, entendida como o controle da reprodução.
Qual foi o papel do Estado nesta inversão da nossa relação com a domesticação?
Já na Idade Média, na Europa Ocidental, os senhores tentaram cruzar cães de caça para criar tipos mais eficientes. Mas uma sistematização destas práticas ocorreu a partir do século XVII, quando o ministro Jean-Baptiste Colbert tomou medidas para melhorar as raças de cavalos. Os editais davam indicações sobre como deveriam ser gerados os garanhões confiados à nobreza, que acabava por deter o monopólio da reprodução.
O objetivo era criar uma raça de cavalos de guerra mais fortes e ágeis. Colbert também tentou organizar um monopólio sobre os reprodutores ovinos para a produção de lã para fins comerciais. Depois de um fracasso, este projeto foi retomado no século XVIII, com a criação da Escola de Pastores de Rambouillet, que mais tarde se tornou a Bergerie Nationale de Rambouillet.
Para que o nosso modelo moderno de domesticação se concretizasse, tiveram de surgir instituições centralizadas extremamente fortes, tão fortes que ainda hoje existem.
Podemos salvar a domesticação inventando uma forma mais moral?
Há muito tempo que nós desistimos da ideia de que só existe uma forma de civilização, a nossa. Admitimos a existência da civilização chinesa, inca, árabe, etc. É hora de fazer o mesmo com a domesticação: existem formas muito diversas porque houve centros de domesticação na Amazônia, na África, na Índia, na Papua, etc.
Em cada um destes locais, os humanos estabeleceram ligações originais com plantas e animais, baseadas em mitologias e éticas únicas. Explorá-los abre um campo infinito de possibilidades.
Como podemos reconectar vínculos profundos, numerosos e fortes com o resto dos seres vivos?
Penso que os humanos têm sempre ligações ricas e interessantes com os seres vivos, mesmo a nossa bipartição entre animal-filho e animal-matéria é original; por outro lado, é dificilmente sustentável em termos ecológicos.
Outros modos de relação com os seres vivos – como o nomadismo pastoril, a agricultura camponesa – têm vários milênios de experiência e têm-se mantido. Por outro lado, o que implementamos a partir dos séculos XVIII e XIX levou, em apenas alguns séculos, a ameaças ao sistema Terra como um todo.
Os estilos de vida resilientes são caracterizados por uma diversidade de laços multifibras com as espécies e não delegam a outros grupos dominados a complexidade e a violência das relações humanas com o ambiente de vida.