08 Abril 2024
É preciso abrir o coração e a mente para perceber as inúmeras conexões entre a nossa espécie e as outras. A observação dos outros animais pode redespertar em nós a importância da afetividade.
A opinião é de Roberto Marchesini, etólogo e filósofo italiano e fundador da zooantropologia, em artigo publicado em Rewriters, 26-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A vida emocional dos animais continua sendo um tema central nas ciências evolutivas, como demonstra o fato de ter sido o próprio Charles Darwin quem introduziu seu significado comparativo através de um ensaio que pode ser considerado um precursor da etologia. Refiro-me ao célebre “A expressão das emoções no homem e nos animais”, publicado em 1872.
O naturalista inglês percebeu imediatamente que o comportamento também se prestava à comparação, exatamente como a conformação do corpo. Em particular, quando um animal era dominado pela raiva ou pelo medo, podiam ser identificadas sobreposições expressivas, tais como: o arrepio dos pelos em determinadas áreas da pelagem, as expressões faciais, as posturas. Tais manifestações eram significativamente semelhantes principalmente entre os mamíferos, demonstrando a presença de ancestrais comuns.
Darwin, aliás, foi o primeiro a evidenciar a importância comunicativa das emoções, ou seja, o fato de que a expressão da condição psicológica do indivíduo também tinha um significado social, tanto na comparação entre os indivíduos quanto como onda osmótica capaz de influenciar todo o grupo. Pensemos no caso da reação de medo que, surgindo em um indivíduo, tem um efeito de contágio.
O fato de os animais também sentirem emoções e não serem aquelas máquinas insensíveis regidas exclusivamente por automatismos, como queria o filósofo francês René Descartes, encontrou em Konrad Lorenz um defensor convicto. O cientista austríaco, de fato, descreveu a condição de profunda tristeza de um ganso diante da morte de um companheiro e não hesitou em ilustrar detalhadamente, como era seu estilo, as reações emocionais encontradas.
Hoje, sabemos que as emoções são estados psicológicos com bases muito precisas dentro do sistema nervoso central e que evoluíram por serem funcionais para a sobrevivência do indivíduo. Em primeiro lugar, as emoções regem as respostas fisiológicas e comportamentais aptas a colocar o corpo nas melhores condições para lidar com um certo tipo de situação.
O medo, por exemplo, ativa o sistema de alerta, concentrando toda a atenção em eventuais perigos ou riscos presentes, e, ao fazer isso, aciona o sistema de estresse, acelera os batimentos cardíacos e a vasoconstrição periférica, esvazia os esfíncteres e, por fim, prepara o corpo para a fuga.
Pelo contrário, a raiva, que surge diante de um obstáculo ou após uma frustração, alimenta a agressividade do sujeito e o prepara para a reação de resistência ou de luta.
Existem emoções básicas, aquelas que não requerem condições sociais para serem ativadas – além das já citadas, temos: a alegria, o nojo e a tristeza – e emoções que, pelo contrário, só ocorrem em um contexto relacional, como o ciúme, a vergonha, o orgulho.
Em geral, tendemos a aceitar que os animais também são dotados de emoções básicas, embora nem todos os cientistas concordem em lhes atribuir emoções sociais.
Um etólogo que, vice-versa, sempre lutou para demonstrar que os animais também eram dotados de emoções sociais complexas é Marc Bekoff, que publicou a esse respeito “A vida emocional dos animais” (Ed. Cultrix, 2010). No livro, o autor se concentra na riqueza da experiência emocional no universo não humano e sublinha igualmente seu significado evolutivo. A vida social de muitos animais é regulada pelas emoções, razão pela qual um animal muitas vezes vive emoções negativas, como a tristeza ou a angústia, quando é separado de seus pares, como um filhote separado de sua mãe ou um indivíduo de seu grupo de pertença, quando um genitor perde seu filhote ou ocorre um luto.
(Foto: Divulgação)
As emoções também desempenham uma função importante nos processos de aprendizagem, pois é sabido que a ativação emocional aumenta a atenção e a concentração em um evento particular, aumenta sua memorização momentânea, mas sobretudo facilita a recordação onírica da experiência e a consolidação da aprendizagem, como nos sugere o neurobiólogo Stanislas Dehaene no ensaio “É assim que aprendemos” (Ed. Contexto, 2022). É por isso que falamos da marcação emocional de uma experiência e do colorido emocional de uma recordação. Trata-se de algo que todos já experimentamos, quando, de repente, um cheiro ou um som evoca sentimentos em nós, como Marcel Proust descreveu magnificamente em seu “Recherche” [Em busca do tempo perdido].
(Foto: Divulgação)
Certamente, na educação cinófila, o profissional sabe muito bem que, para fazer o cão aceitar algo, seja a introdução em um canil ou a imposição de uma focinheira, o segredo está na utilização de uma guloseima ou de qualquer outra coisa que torne a ocasião agradável.
Por outro lado, o autor que não pode ser esquecido quando falamos de vida emocional do mundo animal é o primatologista holandês Frans de Waal, que infelizmente faleceu nos últimos dias. Existem muitíssimos livros que eu poderia recomendar desse autor, que nos brindou com verdadeiras pérolas na descrição da complexidade psicológica dos animais.
Mas quero me concentrar em um texto que eu considero uma verdadeira obra-prima, quase um testamento espiritual deste etólogo, “O último abraço da matriarca” (Ed. Zahar, 2021), cujo subtítulo, “As emoções dos animais e o que elas revelam sobre nós”, é particularmente significativo.
(Foto: Divulgação)
A tese de De Waal é que as emoções são como os nossos órgãos: os seres humanos não têm nenhum órgão a mais do que os outros animais, e o mesmo vale para as emoções. Não somos a única espécie capaz de expressar amor, ódio, medo, vergonha, nojo e empatia. O autor nos convida a abrir o coração e a mente para perceber as inúmeras conexões entre a nossa espécie e as outras. Acredito que essa solicitação é fundamental neste nosso tempo que parece ter perdido as bases da educação sentimental: talvez a observação dos outros animais possa redespertar em nós a importância da afetividade.
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O último abraço: a vida emocional dos animais. Artigo de Roberto Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU