Se "há mundo por vir" ainda não sabemos. No sul do Brasil somos acordados e amedrontados pelas tormentas incessantes. Na metade norte o país, a seca e as queimadas evaporam as perspectivas de uma mudança concreta. A geleira do juízo final dá sinais de esgotamento, enquanto na cúpula da ONU os líderes se mostram pouco interessados em abonar os combustíveis fósseis. Os idiotas se espalham pelo mundo na intenção de controlar os afetos. As guerras se intensificam e o papa continua a ser a voz dissonante. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.
Confira os destaques na versão em áudio.
Ao invés da delicadeza das flores que desabrocham, a primavera no Rio Grande do Sul trouxe medo de 2023 para cá. O RS nem se recuperou das enchentes e uma chuva torrencial já voltou a castigar o estado, isolando o principal acesso à região sul, que sofre com as cheias, mais uma vez. São quase 900 pessoas fora de casa e cerca de 1,4 milhão de raios e trovões em três dias. A semana também marca o primeiro ano em que as mudanças climáticas mostram sua perversidade aos gaúchos de forma mais contundente. Enquanto a crise climática assola, os conservadores se consolidam na Porto Alegre que um dia foi símbolo altermundialista.
“Essa guerra movida pelo processo produtivo (produzir, consumir, descartar) contra Gaia representa uma batalha perdida”, asseverou Leonardo Boff. Não é para menos, o Piroceno (era do fogo) já chegou no mundo todo. São ondas de calor cada vez mais intensas, secas e queimadas. O Brasil continua em chamas, as fumaças dos incêndios daqui já cruzaram o oceano, chegando à África do Sul, e a aceleração do colapso da geleira do “juízo final” anuncia o fracasso da sociedade de consumo e da nossa civilização.
Em menos de uma semana, ocorreu o segundo assassinato na retomada indígena Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Para conter a onda de violência, a mesa de conciliação no STF acordou com os ruralistas o pagamento pela terra e pelas benfeitorias em troca da saída dos fazendeiros da terra indígena Ñande Ru Marangatu. Não é uma vitória plena dos indígenas, contrários à indenização, mas é um avanço na luta e defesa desses povos. Uma conquista concreta e histórica aconteceu para o Povo Munduruku. Depois de 17 anos de espera, o Ministério da Justiça publicou no dia 24 de setembro a portaria declaratória da Terra Indígena Sawré Muybu, na região do médio Tapajós. Um suspiro diante da perseguição e sofrimento desses povos.
“Presidente não vê ‘nenhuma contradição’ entre sua fala pró-descarbonização na ONU e sua reunião com a petroleira, que está de olho na foz do Amazonas”, alertou o ClimaInfo. Lula, fez um discurso na ONU contra as "metas de redução de carbono negligenciadas" um dia após se encontrar a CEO global da Shell, ainda fez lobby contra a lei antidesmatamento da União Europeia. Para garantir o lucro máximo, as petroleiras têm praticado um fortíssimo marketing para disseminar a desinformação. Na contramão, Gustavo Preto foi o único líder a tomar uma posição mais contundente e falar que toda a humanidade está em risco.
Estadão checou a veracidade de todas as declarações de Lula hoje na ONU. Deu tudo verdadeiro. Parece pouco, mas comparem com populistas radicais como Trump, Bolsonaro, Marçal, Milei, e outros desprezíveis. A verdade está fora de moda e precisa ser valorizada para a democracia ficar de pé.
— Christian Lynch (@ceclynch.bsky.social) 24 de setembro de 2024 às 13:03
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O final de semana também foi marcado pelo Pacto para o Futuro, acordo firmado entre 193 países na ONU. São mais de 50 medidas a serem adotadas para enfrentar os desafios do nosso tempo. Um desses problemas, a fome bíblia de 733 milhões de pessoas no mundo, foi ressaltada por Lula. No Brasil, as notícias sobre a insegurança alimentar na maior metrópole do país foram destaque: 1,4 milhão de pessoas passam fome e o déficit chega a mais da metade das residências paulistanas.
Javier Milei isolou a Argentina na cúpula da ONU ao declarar que o país não manterá a neutralidade, não cumprirá a Agenda 2030 e não participará do Pacto pelo Futuro. Populista e messiânico, pouco convencional, uma anomalia, como definiu Pablo Stefanoni. Milei conseguiu fazer saltar a pobreza, atingindo mais da metade da população. Um político não consegue manter a postura de um estadista, assim como a maioria dos líderes populistas da extrema-direita, que recorrem a figura do idiota como forma de capturar o pensamento das pessoas, com explicou Domenico Hur em entrevista ao IHU.
Na ONU, Milei tenta mascarar fracasso de seu governo com groselhas ideológicas
— Revista Fórum (@revistaforum.com.br) 26 de setembro de 2024 às 18:02
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Por falar em anomalias, Donald Trump e Elon Musk estão em uma simbiose cada vez mais maior. Uma aliança em que Musk usa seu dinheiro e poder para garantir eleitores com a promessa de ocupar um lugar na Casa Branca e que não sabemos onde vai dar. Ambos exibem uma masculinidade tóxica, um ego e uma ambição sem restrições, estimulados pelo desejo de poder absoluto. No Brasil, Musk deu o braço a torcer e terá que cumprir a legislação para continuar as operações do X. No entanto, uma legião de homens jovens compartilhando deep fakes e revenge porn por canais massivos em que muitos negam a violência machista, no espaço cunhado pelo nome de manosfera.
O ideário do “macho alfa” está calcado, inclusive, nos textos bíblicos. “No geral, a Bíblia pinta uma imagem masculina de Deus que se concentra no domínio do homem sobre a mulher. Esta é uma ideia problemática de masculinidade que se manifesta até na ideia de Deus”, explicou o exegeta Andreas Heek. Talvez, por isso, o tema da inclusão das mulheres na Igreja Católica esteja cada mais distante, assim como elas, que se afastam silenciosamente, apesar da proximidade da segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade. Importantes vozes da igreja tem soado o alerta de que o sínodo precisa colocar em prática mudanças concretas, como o diaconato feminino, os padres casados, os LGBTs e a sinodaliddade. O tema da desmaculização voltou a ser discutido por aqui. Christine Schenk proferiu a conferência Autoridade e liderança profética das mulheres no cristianismo primitivo.
“Estamos quase em guerra total”, advertiu o papa Francisco mais uma vez, ao se encontrar se encontrar com autoridades em Bruxelas. A constatação não é à toa, são mais de 60 conflitos pelo mundo e acontece no momento em que Israel avança com sua ofensiva no Líbano. A viagem papal também é marcada por um pedido de desculpas em que igreja faz um mea culpa dos abusos sexuais.
Há semanas falamos incansavelmente das guerras e das cenas chocantes. Mas as descrições dos horrores que as crianças sofrem parecem um filme em looping da barbárie israelense em Gaza: “Havia crianças no chão cobertas de queimaduras com pés amputados, bebês sem mãos. Lembro-me de uma criança pequena cujo braço e perna direitos haviam sido arrancados e que parecia estar com uma hemorragia; não tínhamos nem mesmo um tubo torácico, não tínhamos nada para lhe dar para aliviar a dor”. São os pequenos mártires de uma guerra sem fim na Palestina. Na ONU, o presidente da Autoridade Palestina apelou: “Parem o genocídio, parem de enviar armas para Israel”. Os israelenses seguem sem dar ouvidos aos clamores por um cessar-fogo no Oriente Médio e agora aumentam os ataques no Líbano, com um poder de fogo sem precedentes, arrastando a região para o conflito.
O papa encontrou-se mais uma vez com os movimentos populares e instou os líderes dos a se levantarem contra a desumanização em um discurso sobre justiça social. Francisco ainda defendeu a adoção de uma renda básica universal. No encontro, fez-se memória ao assassinato do líder hondurenho Juan Antonio López, que teve o mesmo destino trágico de Berta Cáceres no dia 15 de setembro, depois de ter lutado por anos contra a mineração a céu aberto.
No vídeo, às 2h58min é possível ver a homenagem que os companheiros de Juan fizeram durante o encontro com o Papa.