Por: Edição: André Cardoso | 24 Setembro 2024
Partir do simples para atingir a plenitude parece ser uma prerrogativa na obra do cineasta alemão Wim Wenders. Anjos caídos em crise existencial buscando amor abarcam a experiência do que significa ser humano em Asas do Desejo; a separação, o eterno retorno e o relacionamento com o filho pequeno abrem espaço para uma análise do que é viver na América pós-moderna em Paris, Texas; e, mais recentemente, o trabalhador que consegue, em meio à rotina, encontrar a simplicidade da vida em Dias Perfeitos, longa disponível na plataforma de streaming Mubi.
O filme mais recente de Wenders, lançado em 2023, concorreu ao Oscar de Melhor Filme Internacional e venceu o prêmio de Melhor Ator – para Kôji Yakusho – no Festival de Cannes. Nele, acompanhamos no longa o dia a dia de Hirayama, um faxineiro de banheiros públicos em Tóquio. Sua rotina é meticulosamente arquitetada e seguida: acordar, trabalhar, dormir e os dias se seguem da mesma forma. No entanto, em meio à rotina simples e cansativa, Hirayama consegue através da arte alcançar uma espécie de felicidade de viver. O trabalho é executado de maneira perfeita, mas é nos livros que lê, na música que ouve e no raio do sol que rompe por meio das árvores durante o almoço que a vida existe e vale a pena.
De certa forma, Hirayama encarna O Mito de Sísifo: seu trabalho não tem sentido algum, mas, como Albert Camus bem colocou, é preciso assumir e encarar o absurdo da vida e encontrar na arte uma maneira de encontrar felicidade na rotina. Se para Camus a única questão filosófica era se a vida vale ou não a pena ser vivida, Hirayama dá outra perspectiva: como não viver em mundo onde existem as músicas de Lou Reed, Nina Simone e Patti Smith, os livros de William Faulkner e Patricia Highsmith, e o sol para nos esbaldar no ir e vir? Parafraseando Camus novamente, até mesmo nos momentos cansativos, rotineiros e ruins, é preciso imaginar Hirayama feliz.
É por meio dessa contemplação da simplicidade da vida que Wenders articula seu filme de maior sucesso nos últimos anos. Sua câmera segue o protagonista pelos espaços de Tóquio: os restaurantes, a ciclovia, a casa de banho e a livraria. Há sempre uma distância para podermos contemplar a jornada, observar os raios de sol rompendo em direção a lente da câmera, os diálogos que tocam a alma.
Como bem pontua teólogo, professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Faustino Teixeira, em artigo, “[...] Hirayama é capaz de descortinar num mundo habitado pela pressa e desatenção, uma ocular diversa, como se para além deste mundo houvesse um outro, habitado por singela melodia. E é essa melodia, que poucos são capazes de apreender, que opera em seu mundo interior, produzindo alegria.”
Em Asas do Desejo, Wenders dedica o filme aos seus três anjos: François Truffaut, Andrei Tarkovski e Yasujiro Ozu. Os três são basilares para o cinema do alemão, mas há um espaço especial para Ozu. O mestre japonês foi – e isso é dito pelo próprio Wenders em Tokyo Ga – sua obsessão, seu mestre e sua inspiração. Ambos partem da relação mundana mais simples para representar a realidade e buscar transcender ela por meio da imagem.
As discussões sobre o filme são infinitas, como toda boa obra de arte permite. E elas seguem nesta quarta-feira, 25-09-2024, no evento Filmes em Perspectiva. O projeto integra a programação do Canal Paz e Bem, no YouTube, e é realizado em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU com apresentação de Faustino Teixeira. O encontro promove o debate de questões contemporâneas a partir de um olhar voltado para a arte e a mística.
A cada encontro, um filme diferente, de um autor consagrado da sétima arte, é escolhido para incitar a discussão. Todos os encontros estão disponíveis no canal no Youtube do Instituto Humanitas Unisinos. As próximas edições e mais informações sobre o evento podem ser conferidas aqui.
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Dias Perfeitos: partir da simplicidade para atingir a plenitude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU