"Na posição russa, não há nenhum elemento de autocrítica ou de reconhecimento de qualquer responsabilidade na guerra e nas suas nefastas consequências", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 26-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O debate explodiu e não vai arrefecer. A decisão do parlamento ucraniano de proibir as comunidades religiosas de terem vínculos com a Rússia e eventualmente com outros países agressores acompanhará as notícias diárias sobre a guerra em andamento. Limitar-me-ei a examinar quatro vozes proeminentes: o arcebispo maior dos greco-católicos ucranianos, Svjatoslav Ševčuk, o metropolita Epifânio de Kiev, responsável da Igreja Ortodoxa Autocéfala, o sínodo da Igreja Ortodoxa russa e o Papa Francisco.
Svjatoslav Ševčuk, falou sobre a lei durante um encontro com a chefe do departamento cultural da Embaixada Alemã, Lisa Heike, em 20 de agosto. Apesar de no passado ter qualificado a hipótese da lei como a contraditória entrega da palma do martírio à Igreja do Metropolita Onúfrio, ou seja, à Igreja “não-autocéfala”, o hierarca greco-católico enfatizou que a Lei 8371 “não é uma proibição em relação à Igreja, mas um instrumento de proteção contra o perigo de usar a religião como arma”, ou seja, para evitar qualquer instrumentalização e “militarização” das religiões.
Ela reage ao fato de que a Rússia usa a Ortodoxia como arma e como uma “arma neutrópica” (doença do sistema nervoso). Seu alvo não é a fé ou a Igreja, mas a ideologia do “mundo russo” com a qual a liderança da Igreja russa justifica a violência da guerra.
Os princípios compartilhados pelo Conselho Pan-Ucraniano das Igrejas e das fés são: a cooperação entre estado e igreja; a rejeição de uma “igreja de estado”; a não ingerência do Estado na vida interna das Igrejas e das religiões; o direito do Estado de garantir a segurança nacional também contra a instrumentalização das religiões pelos agressores. A decisão não diz respeito à Igreja de Onúfrio como um todo, que não tem personalidade jurídica, mas às comunidades individuais (paróquias) ou mosteiros, e estará nas mãos dos tribunais, não das administrações.
O Metropolita Epifânio, responsável pela Igreja autocéfala, explicou o sentido da lei à comissão enviada por Bartolomeu de Constantinopla e reafirmou seu compromisso com o diálogo. Isso também foi confirmado em um apelo em 15 de agosto: “Pedimos a você (Metropolita Onúfrio) e aos hierarcas que estão com você que concordem para iniciar nosso diálogo sem pré-condições”.
Até agora, tudo foi bloqueado pelas condições postas pela Igreja não-autocéfala: repúdio à autocefalia concedida por Bartolomeu, interrupção das violências e das transferências das comunidades para a Igreja de Epifânio; restituição das propriedades das igrejas e dos mosteiros.
O Metropolita Hilarion de Winnipeg, chefe da delegação, apreciou e tem confiança de “que o diálogo será estabelecido para evitar que os inimigos explorem as divisões. A 'Igreja Mãe' apoia de todo o coração o diálogo em prol da unidade ortodoxa”. Anteriormente, Epifânio era suspeito de colocar obstáculos no caminho da comissão para evitar perguntas incômodas. Que, aliás, foram diretamente dirigidas a ele por Bartolomeu no encontro no Fanar de 16 de agosto passado. Em particular, o pedido de esclarecimento sobre os violentos confrontos que acompanharam a transferência de algumas paróquias e de alguns edifícios eclesiásticos de uma jurisdição para outra (Ivano-Frankivsk, Lviv, Khmelnytslyi).
“Devemos nos engajar em discussões sem pré-condições, disse Epifânio; compartilhar um chá ou um café, olhar nos olhos um do outro e falar sobre o futuro sem remoer as queixas do passado. Se o Metropolita Onúfrio concordar, estou pronto para encontrá-lo amanhã mesmo”.
Sem apelo é o texto aprovado pelo Sínodo russo em 22 de agosto. “Por seu escopo e natureza, aquela medida (legislativa) pode superar todas as repressões históricas anteriores contra a Igreja Ortodoxa Ucraniana”.
Os responsáveis pela operação não são apenas os funcionários do governo, os deputados do parlamento e figuras públicas de “extrema direita”, mas também “os representantes de organizações cismáticas e da Igreja Greco-católica Ucraniana”. O objetivo da lei é liquidar a Igreja Ortodoxa Ucraniana, todas as suas comunidades e forçar centenas de mosteiros, milhares de comunidades e milhões de fiéis a se unirem a outras organizações religiosas.
Os russos pedem às Nações Unidas, à OSCE, ao Conselho da Europa e a todos os líderes mundiais das comunidades religiosas que denunciem a violação dos direitos dos fiéis. “E, com particular amargura, devemos constatar o papel negativo do Patriarca Bartolomeu de Constantinopla e dos hierarcas que concordam com ele. Com sua atitude unilateral e precipitada, contrária ao espírito dos cânones sagrados, eles apenas agravaram o cisma da Igreja na Ucrânia sem curá-lo [...]. O Patriarca de Constantinopla, tem, portanto, a responsabilidade pessoal da organização da perseguição dos fiéis da Igreja Ortodoxa Ucraniana”. Na posição russa, não há nenhum elemento de autocrítica ou de reconhecimento de qualquer responsabilidade na guerra e nas suas nefastas consequências.
O Papa Francisco também interveio no assunto no domingo, 25 de agosto. Após o Angelus, ele disse: “Continuo acompanhando com tristeza os combates na Ucrânia e na Federação Russa e, pensando nas normas de lei recentemente adotadas na Ucrânia, surge um temor pela liberdade daqueles que rezam, porque quem reza de verdade sempre reza por todos. Não se comete o mal porque se reza. Se alguém cometer um mal contra seu povo, será culpado por isso; mas não pode ter cometido o mal porque rezou. Então, que se deixe rezar quem quer rezar naquela que considera a sua igreja. Por favor, que nenhuma igreja cristã seja abolida direta ou indiretamente. As igrejas não devem ser tocadas!”.
O comentário do papa não entra na estrutura da lei e nos cinco pontos sobre os quais o juízo dos tribunais pode ser desenvolvido, mas - como já havia feito em favor da Lavra das Grutas em Kiev em 15 de março de 2023 - ele se limita a um discurso mais geral. Uma posição coerente com a do Conselho Ecumênico de Igrejas e que não se pode sobrepor às proclamações dos defensores de turno do Russkij Mir. Mas certamente diferente da posição das Igrejas Católicas na Ucrânia.