24 Agosto 2024
"O Conselho Pan-Ucrâniano de Igrejas e das Organizações Religiosas se manifestou a favor da lei em 11-04-2023, afirmando ao mesmo tempo 'que os direitos e as liberdades religiosas são respeitados na Ucrânia'", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 21-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O parlamento ucraniano aprovou em segunda leitura e de forma definitiva (20 de agosto) a lei que fecha o espaço operacional à Igreja Ortodoxa de Onufrio, a não autocéfala, canonicamente ligada ao patriarcado de Moscou.
Sob o título, Para a proteção do sistema constitucional no âmbito das atividades das organizações religiosas, o texto torna ilegal a presença e as atividades de igrejas ou famílias religiosas que tenham vínculos com a Igreja russa, considerada parte ativa da guerra que devasta o país há mais de dois anos.
Aprovado em primeira leitura em 19 de outubro de 2023, o projeto de lei foi então desacelerado devido a pressões internacionais e modificado (1.200 emendas propostas). Ele entrará em vigor em 30 dias. Serão necessários mais três meses para definir as regulamentações e outros seis para que uma comissão verifique os procedimentos e os recursos.
Em 16 de agosto, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em uma mensagem de vídeo, tornou pública a decisão de legislar para evitar qualquer manipulação por parte de Moscou.
No mesmo dia, o Comitê de Política Humanitária e Informação recomendou o texto para aprovação da assembleia. Foram 265 votos a favor, 29 contra, 4 abstenções e 24 não votantes. De acordo com Zelensky, é necessário “tirar de Moscou as últimas possibilidades de restringir a liberdade dos ucranianos. As decisões propostas devem ser cem por cento eficazes”.
O Conselho Pan-Ucrâniano de Igrejas e das Organizações Religiosas se manifestou a favor da lei em 11-04-2023, afirmando ao mesmo tempo “que os direitos e as liberdades religiosas são respeitados na Ucrânia”.
Em 16-08-2024, o Conselho repetiu sua condenação da Igreja russa cúmplice dos crimes sangrentos dos invasores russos: “Apoiamos a iniciativa legislativa do Presidente para impedir a atividade de organizações (com vínculos com a Rússia) em nosso país [...]. Afirmamos que os direitos e as liberdades religiosas são respeitados na Ucrânia, mesmo diante de uma guerra brutal”.
No entanto, no Conselho para a análise, faltavam os representantes da Igreja de Onufrio, e isso causa algumas perplexidades. Nicolas Balashov, conselheiro do Patriarca de Moscou, Kirill, criticou duramente a ausência. De acordo com as normas internas do Conselho, as decisões devem ser unânimes. Embora seja curioso que a crítica venha de Moscou, que preside uma instituição semelhante, mas na qual não está previsto nenhum “direito” das Igrejas menores.
O bispo Onufrio ainda não se manifestou. Muito eficiente e rápido ao estabelecer uma clara distância do invasor no mesmo dia em que a guerra começou, e bastante rápido em organizar um sínodo para mudar todos os elementos de “dependência” em relação a Moscou, o hierarca, que desfruta de grande respeito, tentou conter as críticas ao governo e expressar seu pleno consenso à ação bélica do exército ucraniano.
Mas sua incapacidade de afastar os bispos que eram na maioria a favor dos russos, de censurar os hierarcas propensos aos desejos de anexação do Kremlin (Donbass e Crimeia), de afirmar com eficácia a pertença eclesial dos territórios ocupados e, em sentido contrário, de produzir censuras rápidas e radicais àqueles que demonstravam interesse em passar para a jurisdição canônica da Igreja autocéfala, o enfraqueceram.
A sua Igreja, credenciada com 10.000 paróquias, ainda é a comunidade majoritária no país e as multidões reunidas em celebrações públicas testemunham um consenso generalizado.
A decisão legislativa foi preparada pela viagem de uma delegação oficial do estado ao Patriarca Ecumênico de Constantinopla em 14 de agosto. Além do Metropolita da Igreja Autocéfala, Epifânio, estavam presentes a chefe do gabinete do presidente, Olena Kovalska, e o responsável do Serviço Estatal para a Política Étnica e a Liberdade de Consciência, Viktor Yelensky. Bartolomeu deu seu consenso, afirmando seu apoio “a tudo o que é bom para a Ucrânia”. Ao mesmo tempo, ele enviou uma sua comissão a Kiev para monitorar os acontecimentos.
A questão da lei contra a Igreja pró-russa explodiu desde o reconhecimento da autocefalia em 2019, mas a guerra de invasão russa exacerbou a situação. Não faltaram perplexidade e críticas.
O Arcebispo Maior dos Ucranianos, o maior expoente da comunidade greco-católica do país, mons. Svjatoslav Ševčuk, observou em uma entrevista ao Ukrainska Pravda (19-01-2023): “Interditar aquela Igreja significaria entregar-lhe a palma do martírio. Isso a convidaria a realmente entrar na órbita da oposição silenciosa, justificando suas reivindicações”.
A um político ele disse: “Se quiserem dar um futuro ao Patriarcado de Moscou na Ucrânia, o coloquem fora da lei”.
Mas o consenso expresso pelos greco-católicos no Conselho Pan-Ucrâniano das Igrejas sugere uma mudança de posição. Nos últimos dias, um religioso, Andreij Smyrnov, enfatizou que, se não houver um consenso compartilhado entre os responsáveis, é fácil prever que a atividade religiosa da Igreja de Onufrio continuará: “Afinal, a nossa legislação é tão democrática que permite que as comunidades religiosas operem mesmo sem registro formal”.
Em um tom diferente as vozes de numerosos deputados, como Irina Gerashenko, que afirma: “Esta é uma decisão histórica! O parlamento aprovou um projeto de lei que proíbe todas as filiais do país agressor na Ucrânia”.
Pedro Poroshenko, ex-presidente ucraniano e grande defensor do tomo de Constantinopla, acrescenta: “Aqueles que desejam trabalhar para o inimigo devem ser banidos. Aqueles que amam a Deus e a Ucrânia podem se unir à única Igreja Ortodoxa autocéfala”.
Em apoio a Onufrio e à Igreja não-autocéfala, os votos pelo décimo aniversário de sua nomeação como metropolita de parte dos hierarcas Daniel da Bulgária, João de Antioquia, Elias da Geórgia, Teodoro de Jerusalém e Porfírio de Belgrado.
Em relação à lei, são muito mais cautelosas e desconfiadas as vozes ocidentais. Para o chefe da Renovabis, uma importante organização humanitária católica para a Europa do Leste, Thomas Schwarz: “Nem todos os hierarcas (da Igreja não autocéfala) deveriam ser equiparados aos agressores russos, mesmo que existam casos confirmados e legalmente processados de espionagem e traição por representantes daquela Igreja”.
Tomadas de distância vieram de representantes do Partido Republicano dos EUA e da União Europeia. Duas vozes de leigos estadunidenses, uma protestante (John Burgess, professor de teologia dogmática em Pittsburgh) e uma católica (John Borrelli, historiador das religiões na Universidade de Georgetown) se expressaram de forma bastante críticas. O último apontou: “A proibição da Igreja (de Onufrio) introduz outra medida governamental, ou seja, o reconhecimento da Igreja autocéfala como Igreja nacional”.
Os casos de atrito entre a Igreja não autocéfala e o governo nacional se multiplicaram. Cerca de setenta padres e hierarcas foram levados ao tribunal e já foram condenados como colaboracionistas.
Entre os mais conhecidos está o bispo Jonatas de Tultkin e Bratslav, famoso compositor de música litúrgica, que teve sua sentença de cinco anos de prisão confirmada e mais tarde foi libertado por meio de uma troca de prisioneiros e intervenção direta de Kirill (e parece também do Papa Francisco). Em 2015, ele compôs a Súplica pela Rússia, na qual diz: “Deus Todo-Poderoso e justo, guarde a Mãe Rússia e nos una a todos no amor pela pátria nativa! Seja sempre invencível, Terra Mãe, Santa Rus”. São palavras escritas sete anos antes da invasão russa, mas também um ano após as grandes manifestações populares contra a Rússia (Praça Maidan).
Outro caso bem conhecido é o do hegúmeno da lavra das Montanhas Sagradas (Sviatogersk), Arsênio, acusado de ter indicado os pontos de controle das forças armadas. Há também a retirada da Igreja não autocéfala das lavras das Grutas em Kiev e de Potchaev.
Os órgãos estatais decidiram proibir a assistência pastoral aos militares aos popes de Onufrio e marcam toda indicação dessa Igreja com o acréscimo PM (Patriarcado de Moscou). Além disso, proibiram um grupo de jornalistas que se propuseram a relançar na mídia as razões da Igreja “pró-russa”.
Muito eficiente resulta a atividade de defesa da Igreja de Onufrio em nível internacional. Em particular, o grande escritório de advocacia de Robert Amsterdam, na Holanda, se colocou à disposição gratuitamente para relançar nas sedes das instituições ocidentais a censura e as violências administrativas do governo ucraniano: prisões injustificadas, acusações falsas, detenções indevidas, confisco de edifícios etc.
Uma segunda instituição é a Aliança para os Direitos Humanos contra a Xenofobia e a Discriminação, reconhecida como agência na ONU e por instituições europeias. Presidida por proeminentes hierarcas ucranianos, sérvios, cipriotas, da diáspora europeia, etc., está se ativando de forma eficaz.
Talvez devido à sua ação ou a evidente inconsistência, desapareceu a acusação que equiparava as dificuldades administrativas e legais da Igreja não autocéfala às terríveis perseguições das ditaduras comunistas. Uma comparação e um paralelo infundados, incompreensíveis e puramente retóricos, mas usados pelos mais altos representantes das Igrejas Ortodoxas simpatéticos à Igreja Russa.
É difícil chegar a juízos conclusivos antes de ver os resultados da decisão legislativa. Ela não está em conformidade com os cânones dos modelos ocidentais e se presta a críticas pertinentes.
É surpreendente o alarde da Igreja Russa tão preocupada pela liberdade civil da Igreja de Onufrio e bem pouco com sua real autonomia canônica e com as violências e torturas perpetradas nos territórios conquistados pelos russos contra padres e fiéis de outras confissões e credos.
Uma expressão da complexidade é a recusa da administração ucraniana em registrar legalmente uma estrutura da Ortodoxia Romena em seus territórios. A oposição das Igrejas Ortodoxas é feita com base no “território canônico” de pertença, mas a falta de reconhecimento invalida a liberdade civil. Assim como o entrismo do governo estoniano em exigir a plena independência da Igreja Ortodoxa local contradiz os princípios ocidentais, mas é perfeitamente coerente com a tradicional “sinfonia” entre Ortodoxia e governos do Leste Europeu.
O que atrapalha e confunde a atmosfera é a presença de uma guerra de agressão, conduzida com todos os instrumentos disponíveis pelo poder autocrático de Putin e seu apoiador, o Patriarca Kirill. Somente após a conclusão da guerra será possível uma reflexão com mais calma e um juízo adequado.
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Ucrânia: a lei contra a Igreja “não autocéfala”. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU