22 Julho 2024
Jorge Hernández Bernal (30 anos) é um cientista planetário que estuda os fenômenos meteorológicos que ocorrem na atmosfera de Marte. Esta semana, a Sociedade Espanhola de Astronomia o premiou pela envergadura de sua tese de doutorado, realizada na Universidade do País Basco.
A entrevista é de Andrés Actis, publicada por La Marea-Climática, 19-07-2024. A tradução é do Cepat.
Radicado em Paris (França), o jovem pesquisador da Universidade Sorbonne viajou até a Espanha para receber o prêmio. Seus últimos minutos de apresentação, diante de um auditório repleto de autoridades e colegas, foram dedicados à crise ecossocial sofrida pela Terra, um problema sistêmico e multidimensional que ameaça o futuro da nossa civilização.
Na ocasião, Hernández projetou e distribuiu uma carta com as evidências científicas deste diagnóstico. Também anunciou que iria doar o prêmio em dinheiro (1.000 euros) a organizações e meios de comunicação independentes, entre eles Climática e La Marea.
Convencido de que “nem tudo está perdido” e que “cada ação cidadã” é valiosa para reverter esta crise metabólica, convidou a propagar um “realismo otimista” frente ao “pessimismo” e ao “tecno-otimismo cúmplice”, predominantes nos debates da transição energética e ecológica.
“Tentei aproveitar a atenção da comunidade astronômica para desviá-la ao que é mais relevante nos tempos atuais: a crise sistêmica e multidimensional que enfrentamos. Um ato de rebeldia que, felizmente, teve uma recepção muito boa”, explica em conversa por videochamada.
O ecologismo e a ciência planetária são dois caminhos paralelos ou se tocam?
Eles se tocam muito. Sou uma pessoa muito reflexiva e inevitavelmente conecto as coisas. Existem vários processos em que se tocam. Já dei palestras sobre astrofísica vinculando a questão ecológica. A ecologia pode ser entendida do ponto de vista cósmico. Tem a ver com os ciclos dos planetas, com questões termodinâmicas do universo, com a matéria, com a energia.
Um planeta é algo particular dentro do universo, no qual os ciclos da matéria se comportam de maneira diferente de outros lugares do universo. Soa mais poético do que rigoroso, mas é assim. Pessoalmente, durante a fase de tese em Bilbao, comecei a me preocupar e a interiorizar a crise ecológica. Diversas leituras me permitiram perceber que o problema é estrutural e vai muito além da mudança climática.
A crise climática sufoca um pesquisador que se dedica a outros ramos de estudo?
Quando comecei a me dedicar à astrofísica, com certa dor e consciente da gravidade da crise climática, pensava que talvez ao final da minha vida, por necessidade, me tornaria um agricultor. Tenho consciência de que a astrofísica é algo secundário nesta sociedade e neste mundo. Igualmente, tenho as minhas contradições.
Penso que nós, que nos dedicamos a fazer ciência “inútil”, somos privilegiados. Contudo, acredito que as sociedades, em um tempo de abundância como o que vivemos, têm de dedicar parte dessa abundância a tarefas intelectuais. Não podemos ser puramente utilitaristas.
No título de sua carta, afirma que “estamos mais perto de não ter o que comer do que de viver em Marte”. Que interpelação quis fazer?
Lembro-me que quando eu era pequeno, minha avó me repreendia porque eu pegava muito papel higiênico. Pedia para que eu não pegasse tanto, que o planeta era finito e que em algum momento teríamos que morar na Lua. Este imaginário coletivo é muito forte. Na comunidade científica, no mundo da astronomia, da astrofísica e da ciência do espaço, ninguém sério pensa que a solução para os problemas da Terra está em irmos para a Lua ou Marte.
Esta ideia sempre está no ar, basta assistir alguns desenhos ou filmes. A frase do título passou pela minha cabeça durante a Covid. Ao compreender a gravidade da crise ecossocial, angustiava-me pensar, por exemplo, que no futuro não poderíamos tomar banho com água quente. Depois, percebi que o que está em jogo é o alimento, mais do que a água quente, conforme eu explico na carta.
Por que você decidiu divulgar esta carta ao receber um prêmio?
Vou te contar uma coisa: em muitas universidades da Espanha, ao terminar a tese de doutorado, os coordenadores costumam ser convidados para uma refeição. Eu os convidei para um restaurante vegetariano e preparei uma carta que não era só para a banca e os coordenadores, mas para todo o público. No texto, explicava a crise ecossocial em todas as suas dimensões, baseando-me na literatura científica e enfatizando a importância da dieta vegetariana.
No ano passado, quando descobri que iriam me conceder o prêmio, pensei em fazer algo parecido. Comecei a pensar em narrativas e qual era a mensagem mais importante que poderia apresentar neste congresso. Tentei aproveitar a atenção dentro da comunidade astronômica para a desviar ao que é mais relevante nos tempos atuais: a crise sistêmica e multidimensional que enfrentamos. Felizmente, a recepção da carta foi muito boa. A ‘rebeldia’ valeu a pena.
Qual é a importância que esta rebeldia se espalhe na academia?
Não pratiquei uma ação direta ou uma desobediência civil, como muitos cientistas estão fazendo de forma tão corajosa. Tinha um componente de rebeldia e de realizar algo inesperado. Para muitos cientistas, é muito complicado dar o passo do ativismo. Contudo, penso que todos nós temos em nossas mãos coisas como esta, seja doar um prêmio, reivindicar com uma carta. Sem ser uma ação direta, tem a sua semelhança na repercussão e no impacto.
Você sente que esse compromisso ainda é fraco?
Para mim, a ciência e a academia devem ser acompanhadas de um compromisso social e ecológico neste caso. Em primeiro lugar, porque somos trabalhadores públicos. Nosso dever é estar com as pessoas e usar o nosso conhecimento em favor da sociedade. Entendo que a mobilização acadêmica é essencial e mais importante do que nunca.
Por que você escolheu o termo “otimismo realista” como eixo de sua narrativa?
Faço um apelo ao otimismo realista face ao pessimismo e o tecno-otimismo cúmplice, muito presentes hoje no ecologismo. Muitas vezes, quando você explica para as pessoas o quanto estamos ferrados, elas te consideram um pessimista. E não é assim. Eu sou otimista e quero ser otimista. No entanto, primeiro preciso saber qual é a realidade. Não posso cometer o autoengano. Temos de reconhecer que o diagnóstico é muito preocupante e, a partir daí, saber o que podemos fazer.
O otimismo realista nos leva à ação, essencial na luta climática. O pessimismo, na minha avaliação, é inútil. Tenho colegas que discutem isso comigo e é totalmente legítimo. Questiono por que não faremos nada, se assim não conseguiremos nada. Minha sensação é que quando o problema é explicado com sinceridade às pessoas, conseguem dialogar e propor soluções corajosas.
Na carta, você também destaca o papel das assembleias cidadãs, muitas vezes, esquecidas como uma ferramenta essencial na luta climática.
A ciência nos dá conhecimento. No entanto, a tecnocracia é uma mentira. As sociedades são muito complexas para que sejam geridas apenas com critérios objetivos e científicos. Precisamos de valores éticos. Por que eu digo isto? Porque quando ouvi falar pela primeira vez das assembleias cidadãs, pensei que eram coisas de “hippies anarquistas”, um preconceito muito difundido na academia. Contudo, fazem muito sentido.
Você pega uma amostra de toda a população, explica as coisas com dados científicos e pede para que deliberem. Poderia não funcionar, mas funciona. As pessoas veem que quem delibera e quem pensa soluções não é o especialista ou o político, mas o meu amigo Manolo, da frutaria. Isto vem e contagia.
Além disso, costumamos responsabilizar os cidadãos comuns pelo seu desinteresse ou inação e olhamos pouco para o capital concentrado, os poderes que se apegam ao status quo. Isto também é mencionado em sua carta.
Tentei deixar claro uma constatação que, nos últimos anos, está cada vez mais evidente: o problema não é que as pessoas não queiram fazer mudanças. As pesquisas mostram que mais de 70% da população deseja que a transição ecológica avance mais rápido. Em paralelo, as petrolíferas, as empresas de energia, os bancos e as grandes empresas, ou seja, os grupos de poder que representam as classes privilegiadas, obstaculizam qualquer transformação ao olhar apenas para o seu próprio interesse.
Que mensagem você deixaria para quem está preocupado com a crise climática e que está lendo esta entrevista?
O que coloquei na carta: que seja otimista, ou seja, que aja. Onde puder e como puder. E, sobretudo, que faça isto ao lado das pessoas e pensando globalmente. Cada mobilização é muito valiosa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O otimismo realista nos leva à ação, essencial na luta climática”. Entrevista com Jorge Hernández Bernal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU