Em 30 anos, o ser humano será capaz de ir a Marte. Entrevista com Franco Ongaro

Sonda da NASA em Marte | Foto: NASA/JPL-Caltech

05 Janeiro 2022

 

Reproduzimos aqui a entrevista com Franco Ongaro, diretor de Tecnologia, Engenharia e Qualidade da ESA, a Agência Espacial Europeia: “O maior trabalho da Agência Espacial Europeia é observar o nosso planeta e entender os seus recursos. Fazemos isso pelo preço de um ingresso de cinema”.

 

A reportagem é de Valeria Palermi, publicada por La Repubblica, 31-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Nordwijk, Holanda, entre as dunas voltadas para o Mar do Norte, é o coração tecnológico da Agência Espacial Europeia: o Estec. O prédio é de Aldo Van Eyck, mas as maravilhas estão dentro dele: o Large Space Simulator, que “imita o Sol” para estudar os seus efeitos sobre os satélites; Lorentz, para testar o seu funcionamento no frio absoluto (-200°C); o Concurrent Design Facility, onde são testadas as ideias verificando a sua viabilidade científica, técnica e econômica.

No Centro Europeu para a Pesquisa e a Tecnologia Espacial, trabalham 2.200 pessoas, mais de 400 italianos. Um entre todos, Franco Ongaro, diretor de Tecnologia, Engenharia e Qualidade da ESA e responsável pelo Estec. O “Mestre do Universo” lá.

 

Eis a entrevista.

 

Ongaro, o que procuramos no espaço?

Conhecimento. Entender de onde viemos e para onde vamos. Vivemos um momento extraordinário, em que a previsão de Einstein de que os buracos negros existiam e gerariam ondas gravitacionais foi provada: estamos abrindo uma nova janela sobre o universo. No espaço, tentamos entender de onde vem a vida. Se há vida em Marte. E do espaço você vê a Terra como você não pode ver a partir da Terra. O maior trabalho da ESA é observá-la, entender os seus recursos. Somos os maiores fornecedores de dados sobre as mudanças climáticas do mundo.

 

Observar a Terra gera mais esperança ou mais desconforto?

Eu sou um otimista. Não existe um Planeta B, segundo os conhecimentos atuais. A Terra é a nossa única astronave.

 

Ainda estamos procurando uma nova Terra em Marte?

Talvez conseguiremos habitar lá em condições extremas, mas, por enquanto, tentemos garantir este mundo.

 

A pesquisa espacial pode ser sustentável?

Deve. Estamos indo rumo ao encontro de lançadores reutilizáveis e combustíveis menos poluentes. Inventamos sistemas de alto desempenho para não desperdiçar energia. Não há hidrocarbonetos no espaço, você não pode “encher o tanque”. O “bar do espaço” é caríssimo: se tivéssemos que levar novos fornecimentos de água para a Estação Espacial para substituir a usada, custaria muito caro. Portanto, lá se bebe o mesmo café todos os dias: os sistemas de reciclagem são avançados. Para nós, a economia circular é indispensável.

 

Como um otimista, qual é a sua visão do futuro?

É uma grande oportunidade econômica, temos que refazer tudo recorrendo cada vez menos aos combustíveis fósseis. Como se reinventa o mundo? A esperança está nos jovens, na educação, na ciência, na tecnologia. E em um despertar artístico.

 

Porém, é difícil separar o espaço do seu uso militar.

O espaço é apenas “um lugar”. Assim como o mar, onde você pode pescar, navegar, comercializar ou fazer operações militares. O espaço inegavelmente nasceu e cresceu graças aos militares. O GPS não foi criado para nos fazer circular por cidades que não conhecemos, mas para saber onde estão as tropas, onde lançar bombas. Mas o espaço “funciona” muito melhor como instrumento de paz do que de guerra. O desenvolvimento civil das aplicações supera o militar hoje.

 

Por que, então, esta nova corrida espacial?

O espaço é vítima do seu próprio sucesso. Nós custamos pouco. Se um bilionário, Elon Musk, pode se dar ao luxo de fazer coisas que até agora só os governos mais poderosos faziam, é por isso. Nos Estados Unidos, o gasto anual com defesa em 2022, aprovado com o National Defense Authorization Act, é de 770 bilhões de dólares [4,4 trilhões de reais], um valor insano. Em 2020, o gasto com a defesa dos países europeus atingiu um valor recorde de 198 bilhões de euros [1,3 trilhão de reais]. Em vez disso, o orçamento da Nasa é de cerca de 23 bilhões de dólares por ano [130 bilhões de reais] (o Departamento de Defesa acrescenta outros 25 bilhões em encomendas espaciais). O orçamento da ESA é de pouco mais de seis bilhões de euros por ano [39 bilhões de reais]. Pelo equivalente ao preço de um ingresso de cinema por cidadão, preparamos astronautas, realizamos o projeto Galileo, vamos até os cometas… A corrida espacial convém aos Estados.

 

O que você pensa sobre Elon Musk?

É um gênio à la Thomas Edison: ele entende a física das coisas e os negócios por trás dela. Ele fez dinheiro com o PayPal, mas conhece os seus foguetes até os parafusos. É interessante o mecanismo que o gerou. A Nasa e a Força Aérea estadunidense decidiram manter apenas um lançador e pediram à Lockheed e à Boeing que fizessem uma oferta. Elas se uniram, e na Nasa descobriram o que significa estar nas mãos de um monopólio e encontraram uma alternativa com o Falcão 1 de Musk: deram-lhe 1,5 bilhão de dólares [9 bilhões de reais] para abastecer a Estação Espacial com uma cápsula e um lançador que ainda não existiam. Isso o fez repensar as coisas do zero. Até imaginando trazer de volta aquilo que foi enviado ao espaço para reutilizá-lo.

 

E se ele conseguir fazer a Starship funcionar...

Ele estará em uma posição dominante. Hoje, existem cerca de 3.500 satélites funcionando em órbita, 1.700 colocados por Musk. Essa é “a” mudança: durante anos, as empresas espaciais eram as que lidavam apenas com o espaço, mas, em um certo ponto, Musk e os outros começaram a ver o seu valor no mercado. A Starlink, como internet privada, tem vários mercados: militar, de quem opera na Bolsa de valores e o da Tesla. Cada uma é uma plataforma que pode transmitir dados sem passar por outras operadoras.

 

E Jeff Bezos?

A parte da Amazon que mais cresce é o Amazon Web Service, que armazena dados na nuvem para as empresas.

 

Será que Musk poderia chegar antes de todos em Marte?

Não se pode excluir essa possibilidade.

 

Quando estaremos prontos para a missão humana?

Quando conseguirmos fazê-los partir com um equipamento que lhes permita produzir in loco o combustível para voltar de lá. Certamente não será só meia perna! Mas não será possível voltar antes de um ano e meio ou dois, devido às órbitas.

 

Quando iremos?

Se levarmos os astronautas de novo à Lua por volta de 2025, podemos pensar em ir a Marte em meados dos anos 2030 ou 2040.

 

Você está prestes a deixar o Estec. No dia 1º de fevereiro, torna-se Chief Technology and Innovation Officer do Leonardo. O que espera?

É um grande desafio: as tecnologias espaciais são um pedacinho da tecnologia expandida, e esse é um papel importante. A responsabilidade é enorme: o Leonardo é um grupo de mais de 50 mil pessoas; ele olha para as transformações tecnológicas do momento, a digitalização, as novas tecnologias de materiais, a computação quântica, a inteligência artificial.

 

Você se preocupa com a passagem para o setor privado?

O novo ciclo tecnológico e a abordagem da inovação aberta se baseiam na colaboração entre público e privado, em uma lógica de sinergias. Grande parte do que a ESA faz é gerir contratos industriais. Para mim, será um retorno interessante para a indústria, porque hoje ela deve lidar com a sustentabilidade. O Leonardo é a maior indústria tecnológica italiana, e a Itália tem excelentes capacidades e universidades, prepara esplêndidos engenheiros e cientistas que depois vão embora. Parte da responsabilidade de quem assume um cargo como o meu é criar o tecido que lhes permita se expressarem da melhor maneira possível no país.

 

As missões dos próximos anos

 

2022: Primeira missão da cápsula Orion/ESM1 ao redor da Lua. Essa missão não terá astronautas a bordo, mas as seguintes sim. O módulo de apoio foi fornecido pela ESA.

 

2022: Lançamento do ExoMars, o robô “biólogo”, que chega, perfura até dois metros (instrumento italiano derivado do Rosetta/Philae), retira as amostras e as examina a bordo com um minilaboratório biológico.

 

2022: EUCLID, para compreender a matéria escura do universo e a sua expansão.

 

2023: Juice (de Jupiter Icy Moon Explorer), para conhecer melhor Júpiter e as suas luas. Isso ajudará a entender como os planetas e o sistema solar se desenvolveram.

 

2024: Lançamento dos satélites de segunda geração do sistema europeu de navegação por satélite Galileo.

 

2025: Adrios, Automatic Debris Removal in Orbital Circles, para a remoção de detritos espaciais.

 

2023-2030: Lunar Gateway. Lançamento de uma “estação lunar” com o objetivo de tornar a Lua uma espécie de etapa intermediária tecnológica rumo a Marte. A criação de uma base na órbita lunar permitirá descer e subir novamente a partir de lá, estudar, entender, aclimatar-se, antes de criar uma presença estável na Lua.

 

2030: Mars Sample Return Mission. Já hoje a sonda Mars Express, com um radar italiano, é capaz de ver, debaixo da superfície, onde há grandes formações de gelo ou água. Com a missão Mars Sample Return até o fim da década e o início de 2030, será possível dar o próximo passo: trazer as amostras de Marte de volta à Terra, para examiná-los de uma maneira diferente.

 

2037: LISA. Laser Interferometer Space Antenna. A sonda espacial será lançada para a detecção de ondas gravitacionais. Três satélites serão colocados em órbita nos vértices de um triângulo de 2,5 milhões de quilômetros, conectados por raios laser mensuráveis. Com a passagem de uma onda gravitacional, que curva o espaço-tempo, a distância entre eles muda. Tornando-a observável em frequências menores do que as visíveis com os instrumentos de solo e, portanto, ampliando os fenômenos observáveis.

 

Leia mais