20 Março 2024
BP, Chevron, ExxonMobil, Shell e TotalEnergies estão entre as empresas que estão abastecendo Israel e suas forças armadas com petróleo, desde o início da guerra em Gaza, segundo uma pesquisa da consultora tecnológica britânica Data Desk.
A reportagem é de Nina Lakhani, publicada originalmente por The Guardian e reproduzida por El Diario, 18-03-2024. A tradução é do Cepat.
Os contribuintes estadunidenses e várias das empresas de combustíveis fósseis mais lucrativas do mundo estão abastecendo os aviões e tanques utilizados por Israel para atacar os palestinos na Faixa de Gaza, segundo um estudo ao qual o jornal britânico The Guardian teve acesso exclusivo.
Israel precisa adquirir o petróleo bruto e os produtos refinados de que necessita no estrangeiro para alimentar a sua grande frota de aviões de combate, tanques e veículos militares. E segundo o estudo encomendado pela ONG Oil Change International e realizado pela consultora tecnológica britânica Data Desk (especializada em investigar a indústria dos hidrocarbonetos), desde que começou a invasão na Faixa de Gaza, em grande parte, esse abastecimento dependeu do Azerbaijão, Cazaquistão, Rússia, Brasil, Gabão e Estados Unidos. De acordo com o relatório, BP, Chevron, ExxonMobil, Shell e TotalEnergies são as principais empresas petrolíferas que fornecem os combustíveis.
A análise mostra que, desde outubro de 2023, chegaram a Israel três navios-tanque estadunidenses com combustível JP8 para aviões, como ajuda militar. Pelo que parece, os navios que transportam petróleo e combustíveis começaram a apagar os sistemas de identificação automática (AIS, na sigla em inglês) antes de chegar a Israel, provavelmente por razões de segurança.
Um desses três navios saiu da refinaria Bill Greehey, em Corpus Christi (Texas), no dia 22 de setembro, antes da atual ofensiva contra Gaza. Os outros dois partiram com o conflito já em andamento: no dia 6 de dezembro de 2023, quando os palestinos mortos na Faixa já eram 16.000; e no dia 9 de fevereiro, duas semanas após a Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter pedido a Israel para que tomasse medidas para evitar “atos de genocídio” contra os 2,3 milhões de habitantes de Gaza. A decisão emitida pelo mais alto tribunal da ONU tem implicações jurídicas para outros países e empresas, obrigados a garantir que não são cúmplices nesses atos genocidas.
Uma imagem de satélite do dia 6 de março parece mostrar um terceiro navio-petroleiro, também do Texas, no terminal israelense de Ashkelon. Naquela data, o número de palestinos mortos chegava a 30.000.
De acordo com especialistas em direitos humanos, os países e as empresas que estão abastecendo as forças armadas israelenses com petróleo podem ser considerados cúmplices em crimes de guerra e genocídio. “Os países e empresas que continuam fornecendo petróleo ao Exército israelense, após a sentença da Corte Internacional de Justiça, estão contribuindo para terríveis violações dos direitos humanos e podem ser cúmplices do genocídio”, alertou David R. Boyd, relator especial da Organização das Nações Unidas sobre meio ambiente e direitos humanos.
“As empresas petrolíferas devem garantir que não contribuem para afiançar o sistema de apartheid de Israel, nem para alimentar crimes de guerra e um possível genocídio em Gaza”, disse Peter Frankental, diretor de assuntos econômicos da Anistia Internacional no Reino Unido. Segundo Frankental, todas as empresas com vínculos comerciais com o Exército de Israel têm a obrigação de agir com a “devida diligência”.
Israel rejeitou a decisão provisória da CIJ e a considerou “indignante”. Da Casa Branca, comunicaram que a sentença não mudaria a política dos Estados Unidos em relação a Gaza, nem a Israel. Washington fornece a Israel ajuda militar avaliada em cerca de 3,6 bilhões de dólares, em média, por ano. Desde o início do atual conflito em Gaza, o Governo estadunidense solicitou ao Congresso 14,3 bilhões de dólares adicionais para o seu aliado.
“Os países e as grandes companhias petrolíferas que alimentam a máquina bélica de Israel são cúmplices no genocídio do povo palestino. Os Estados Unidos, em particular, terão que prestar contas por possíveis violações do direito internacional ao abastecerem diretamente o Exército de Israel, além das mais de cem operações de venda de armas”, afirmou Allie Rosenbluth, diretora do programa para os Estados Unidos da Oil Change International.
Nos últimos cinco meses, Israel lançou dezenas de milhares de bombas na Faixa de Gaza, além de ataques terrestres em todo o território ocupado. A ofensiva começou em resposta ao ataque que o Hamas realizou em 7 de outubro contra Israel, no qual matou quase 1.200 pessoas e sequestrou mais de 200, das quais mais de 100 permanecem em cativeiros.
Quase 32.000 palestinos morreram em Gaza, com dezenas de milhares de feridos ou desaparecidos sob os escombros e presumivelmente mortos. Em meados de março, mais de 13.000 crianças já tinham morrido, com mais da metade dos edifícios da Faixa destruídos ou danificados. Entre eles, infraestruturas essenciais como escolas, hospitais, estações de água e saneamento. De acordo com especialistas da ONU, os palestinos estão morrendo de inanição deliberada porque os militares israelenses bloqueiam a ajuda humanitária destinada a Gaza e dirigem seus ataques contra as fontes de alimentos e as pessoas que esperam por comida.
Israel é um país pequeno com um Exército de terra e de ar relativamente grande. Não possui oleodutos transfronteiriços operacionais de combustíveis fósseis e depende em grande medida das importações por mar para se abastecer de petróleo.
Data Desk fez a sua análise com base em imagens de satélite do posicionamento dos navios, dos fluxos comerciais de matérias-primas, de dados fornecidos por autoridades portuárias e navais, bem como de informações financeiras e veiculadas nos meios de comunicação. De acordo com os dados coletados, existe uma intersecção significativa entre as cadeias de fornecimento de combustível civil e de combustível militar.
Israel importa petróleo bruto para as suas refinarias de Ashdod e Haifa. Também combustível refinado que é utilizado no país ou ocasionalmente reexportado. Uma parte do combustível refinado em Israel é destinado diretamente para as Forças Armadas. A maior parte do restante parece acabar em postos de gasolina para uso civil ou para militares que neles abastecem seus veículos em virtude de um contrato governamental.
Além do combustível estadunidense para reatores, praticamente todos os outros derivados do petróleo que eram enviados para Israel foram interrompidos desde outubro de 2023, talvez em consequência da crise no Mar Vermelho por causa dos ataques dos rebeldes houthis do Iêmen, que têm como alvo navios ligados a Israel e a seus aliados ocidentais.
O fornecimento de petróleo bruto a Israel manteve-se mais ou menos estável, com excepção de um declínio em janeiro. Estas são algumas das conclusões do relatório:
- Desde outubro de 2023, mais de 1.440 quilotoneladas de petróleo bruto do Azerbaijão parecem ter sido enviados a Israel. O petróleo bruto do Azerbaijão é entregue através do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), que chega a Ceyhan (Turquia), onde é carregado em navios-tanque. Este ano, o Azerbaijão é o país anfitrião da COP29, a conferência anual da ONU sobre o clima.
- A petrolífera BP, principal acionista e operadora do oleoduto BTC, em conjunto com uma petrolífera nacional do Azerbaijão, produz parte do petróleo bruto do Mar Cáspio que viaja por ele. TotalEnergies e ExxonMobil estão entre os sócios minoritários do BTC.
- Dois carregamentos de petróleo bruto brasileiro, totalizando 260 quilotoneladas, parecem ter sido entregues a Israel, desde o início da invasão de Gaza. Segundo dados de sinalização e imagens de satélite, o primeiro carregamento teria sido entregue, em dezembro, em um terminal ao sul de Ashkelon, que abastece as refinarias de Haifa e Ashdod. O segundo foi em fevereiro de 2024. O petróleo bruto veio de campos marinhos que pertencem conjuntamente a Shell, TotalEnergies e Petrobras.
As petrolíferas Total e Shell não quiseram comentar o assunto. Entretanto, um porta-voz da Petrobras disse que, “em dezembro de 2023 e em 2024, não entregou a Israel nenhum carregamento de petróleo bruto da sua produção”.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido um dos mandatários mais críticos a Israel, país que acusa de cometer um genocídio contra o povo palestino. Lula retirou o embaixador brasileiro de Tel Aviv, mas não proibiu as exportações de petróleo.
- Os dados também sugerem que, desde outubro de 2023, ao menos 600 quilotoneladas de petróleo bruto da Rússia e do Cazaquistão chegaram a Israel através do Caspian Pipeline Consortium (CPC). Pelo CPC circula uma mistura de petróleos brutos procedentes das principais reservas do Mar Cáspio, bem como de reservas terrestres menores do sul da Rússia.
- A Chevron tem a principal participação no CPC, seguida pela ExxonMobil e a Shell. Estas empresas de hidrocarbonetos também são proprietárias de uma parte das reservas que alimentam o oleoduto. A maior parte do petróleo bruto do CPC provém do Cazaquistão, que, ao contrário da Rússia, não está sujeito a sanções.
- A Rússia também parece ter mantido os envios regulares de gasóleo de vácuo (VGO, na sigla em inglês), um óleo de baixa qualidade que é transformado em combustível de aviação e em diesel através de um processo de hidrocraqueamento. O VGO está saindo da Rússia pelos portos no Mar Negro.
- De acordo com os dados, quatro carregamentos com mais de 120 quilotoneladas de VGO também teriam saído da Rússia com destino a Israel, após a sentença da CIJ ordenando que Israel tomasse todas as medidas possíveis para evitar um genocídio. O VGO russo se viu seriamente afetado por uma proibição da União Europeia, em vigor desde fevereiro de 2023.
- A localização fornecida pelos sistemas de identificação automática (AIS) mostra os navios que partem diretamente para o porto de Haifa, com uma refinaria equipada para transformar o VGO. No caso de um dos navios, o porto de Haifa havia sido indicado como destino, ao passo que os outros indicavam como destino uma zona de transferências entre navios que Israel e o Egito utilizam no Mediterrâneo Oriental.
- Alguns carregamentos que transportam petróleo bruto e combustíveis parecem ter apagado os sinais de radar antes de chegarem a Israel.
Os dados também fazem pensar em envios de petróleo bruto relativamente pequenos, mas regulares, provenientes do oleoduto Sumed. Este oleoduto está ajudando a levar até Israel petróleo bruto da Arábia Saudita, Egito, Iraque e Emirados Árabes Unidos – todos países árabes que criticam o ataque israelense a Gaza.
“O movimento BDS [boicote, desinvestimento e sanções], que já está denunciando a Chevron com uma campanha global crescente de boicote e desinvestimento, irá expor e acusar os países e empresas cúmplices que foram mencionados neste valioso relatório”, adiantou Mahmoud Nawajaa, coordenador geral do Comitê Nacional Palestino no BDS. “Os países e empresas que continuam fornecendo combustível a Israel para as suas forças militares são diretamente cúmplices por apoiar o genocídio em curso; nunca vamos perdoá-los”.
Os Governos dos Estados Unidos, Brasil, Rússia, Azerbaijão e Cazaquistão não responderam ao pedido de comentários do jornal The Guardian, assim como a BP, a Chevron e a Exxon.
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As grandes petrolíferas são “cúmplices” nos possíveis crimes de guerra do Exército israelense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU