“Quando Lucas diz que de Maria Madalena foram expulsos 7 demônios, ele está fazendo uma referência muito bonita ao discipulado dela. Era o costume naquele tempo que, quando o rabino tinha um discípulo muito próximo dele, que tinha feito todo o caminho do discipulado, ele era exorcizado 7 vezes, o que significava que ele fez o caminho completo, ou melhor, ele leva o discípulo perfeito.”
A reflexão é de Solange Maria do Carmo, teóloga leiga. Ela possui graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE e graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. É mestre em teologia bíblica e doutora em Catequese pela FAJE. É coautora da coleção Catequese Permanente, da Editora Paulus.
Ct 3,1-4a ou 2Cor 5,14-17
Sl 62(63),2.3-4.5-6.8-9 (R. 2b)
Jo 20,1-2.11-18
No dia 22 de julho, a Igreja celebra a Solenidade de Maria Madalena, uma figura muito importante para nós mulheres e, por incrível que pareça, uma figura muito esquecida na Igreja ao longo desses 2.000 anos.
Um dos primeiros motivos pelos quais Maria Madalena foi esquecida é porque ela foi confundida erroneamente com a mulher pecadora de Lucas e com a mulher adúltera de João 8. Houve uma confusão entre as mulheres, entre as Marias. Aquela mulher de Lucas 7, que lava os pés de Jesus e chora aos seus pés, da qual Lucas faz questão de dizer que é pecadora, aparece também em Mateus e em Marcos, mas em lugares diferentes, com teologias diferentes.
Lucas, quando fala de Maria Madalena, não fala que ela é uma mulher pecadora. Ao contrário, Lucas fala que ela é a discípula perfeita. Como sabemos disso? Logo depois do relato da mulher, pecadora em Lucas 7, em seguida, em Lucas 8,1-2, temos o relato das mulheres que seguiam Jesus e aí, sim, aparece o nome de Maria Madalena. Lucas assim diz: "Jesus percorria cidades proclamando e anunciando o Reino de Deus. Estavam com ele os Doze e também algumas mulheres que tinham sido curadas de maus espíritos e de doenças, dentre elas uma mulher nominada Maria, chamada Madalena, de quem tinha saído 7 demônios”. O papa Gregório, no século sexto, entendeu assim: se saíram dela 7 demônios, então ela era muito pecadora. Se ela era muito pecadora, ela era a mulher de Lucas 7, que derramou o óleo em Jesus e, certamente, era também a adultera de João 8. Então, ele misturou os personagens.
Acontece, porém, que quando Lucas diz que de Maria Madalena foram expulsos 7 demônios, ele está fazendo uma referência muito bonita ao discipulado de Maria Madalena. Era o costume naquele tempo que, quando o rabino tinha um discípulo muito próximo dele, que tinha feito todo o caminho do discipulado, ele era exorcizado 7 vezes, o que significava que ele fez o caminho completo, ou melhor, ele leva o discípulo perfeito.
Vejam bem, que coisa equivocada: passou da discípula perfeita a ser a mais pecadora das mulheres. Isso fez com que houve um apagamento de Maria Madalena na nossa Igreja.
João entendeu bem isso porque, em João 21, que é o evangelho do dia da Solenidade de Maria Madalena, ele recupera a figura de Maria Madalena. E João é o último evangelho a ser escrito. Então ele já teve tempo pra remoer e repensar essa figura.
E ela é a primeira a ver o Ressuscitado, a experimentar o Ressuscitado e a fazer cumprir aquilo que está em João 10: o pastor conhece as ovelhas pelo nome e as ovelhas distinguem a voz do pastor. Quando Ele a chama pelo nome Maria, ela imediatamente O reconhece. Rabi, ela diz. É ele, não é o outro, não é o Jardim, não tem mais confusão. Porque, como discípula perfeita, ela não podia mais confundir o Ressuscitado.
Ora, é muito importante resgatarmos essa figura de Maria Madalena para nós mulheres hoje. Por quê? Porque também na nossa Igreja nós temos ficado muito no esquecimento. Nossa igreja, a igreja cristã em geral, mas especialmente a Igreja Católica, é um lugar muito generificado, quer dizer, de gênero, demarcado com gênero e, certamente, o gênero masculino.
Então nós precisamos agora de uma teologia mais feminina e mais feminista, que defenda o lugar da mulher como discípulas de Maria Madalena que nós somos. Também nós vamos fazer o discipulado perfeito e nós seremos exorcizadas 7 vezes. E a Igreja conserva um pouco disso no batismo. Antigamente, no batismo, a pessoa era ungida em todos os seus sentidos para dizer que ela agora pertencia totalmente ao Senhor e tinha feito todo discipulado. Então, ungiam os ouvidos para ouvir a palavra de Deus, a boca para ela só proclamar a palavra de Deus, as mãos para ela só fazer as obras de Deus, o peito para ela se abrir para palavra de Deus. E aí ia fazendo a unção em várias partes do corpo, inclusive nos olhos, para relembrar esse costume antigo do judaísmo, do caminho do discipulado.
Então, nessa festa de Maria Madalena, eu desejo que todas vocês mulheres também sejam a discípula perfeita. Não aceitem um lugar de subalternidade, como se nós fôssemos herdeiras daquela mulher pecadora, que foi desprezada pelo Papa Gregório I. Nós precisamos reerguer a imagem de Maria Madalena e assumir o nosso lugar na Igreja, que é um lugar de protagonismo.