19 Junho 2024
"Se a história é uma mescla de ciclos longos e ciclos breves, como dizia Bobbio (2004), não estaria o grupo sionista no poder de Israel, que vem promovendo o genocídio palestino, dando um tiro no próprio pé, em termos civilizatórios?", escreve André Márcio Neves Soares, doutorando em Política Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL/BA.
O genocídio praticado pelos sionistas de Israel, com amplo apoio dos integrantes desse grupo ultrarradical espalhados pelo mundo afora, especialmente nos Estados Unidos, levará o Estado judeu a ter sérios problemas no futuro.
Com efeito, apesar dos muitos alertas sobre os desdobramentos de um programa tão visceral de extermínio dos palestinos, o ignóbil governo de Netanyahu permanece no seu firme propósito de usar o ataque terrorista do Hamas como desculpa para alavancar, de vez, seu projeto particular de avançar sobre as principais áreas que restaram sobre controle da Autoridade Palestina e do Hamas.
O recente posicionamento externado pela Espanha, Irlanda e Noruega fez aumentar o número de países membros das Nações Unidas que reconhecem o Estado palestino para 145, de um total de 193 membros. Isso representa 75% dos países membros da ONU. Infelizmente, os EUA continuam vetando a oficialização de tal reconhecimento. Seja como for, a decisão desses três países europeus sinaliza uma mudança significativa em relação ao que existia antes do atentado do Hamas. De fato, se antes desse acontecimento todos os países, inclusive os EUA, trabalhavam com a ideia de que, para se alcançar a paz, seria preciso criar dois estados soberanos e com fronteiras bem demarcadas – uma bonita utopia que ganhava força lentamente –, após a resposta desmedida de Israel ao ataque do Hamas na sua fronteira, que já dura mais de sete meses, com um saldo de quase 40.000 mortos, ficou evidente para o mundo os males que a política de expansão sionista vinha causando no território palestino, com a conivência da grande mídia, controlada em grande parte por famílias judias.
Deveras, para não perdermos o bonde da história, é preciso deixar uma coisa bem clara: o holocausto foi, e sempre será, uma mancha indelével na história da humanidade. Nada apagará os horrores que os judeus sofreram nas mãos de uma sociedade manipulada por um monstro, Hitler. Nesse sentido, é sempre importante qualquer tipo de produção cultural que acrescente algo de útil ao já fartamente discutido assunto. Ponto. Entretanto, isso não dá o direito aos judeus, em hipótese alguma, de promover o genocídio do povo palestino, sob o argumento de que a sua segurança como Estado foi ameaçada naquele ataque. E também não os autoriza a expulsar os palestinos de suas terras para viabilizar novas colônias judaicas. Realmente, mesmo que o Hamas seja ligado ao Hezbollah, que por sua vez tem fortes laços com o Irã, a soberania do Estado judeu não foi recentemente ameaçada, pelo menos não desde a Guerra do Yom Kippur, em 1973.
Por conseguinte, a retórica sionista de ameaça à existência de Israel é absurda e hipócrita.
Absurda porque o Hamas, ainda que municiado pelo Hezbollah e por outras milícias simpatizantes, como os Houthis do Iêmen, não conseguiria produzir mais estragos do que os que já causou dentro das fronteiras de Israel. Vale lembrar as notícias, várias vezes veiculadas após o ataque do Hamas, de que Israel
possuía informação privilegiada de que um atentado do tipo aconteceria. O que, inclusive, levanta sérias suspeitas sobre a facilidade encontrada pelo Hamas para introduzir tantos combatentes no território judeu, antes que fossem rechaçados pelas forças de segurança de Israel. Fato é que, até a presente data, essa questão não foi bem esclarecida. A história ainda há de elucidar como uma falha de segurança interna tão bizarra pode ter ocorrido num dos países mais militarizados do mundo e com alto grau de paranoia sobre a sua sobrevivência.
Hipócrita porque Israel sabe que, a menos que haja alguma mudança muito improvável na política externa dos EUA ou na hegemonia global – que, de fato, já vem acontecendo com a ascensão da China, mas de forma lenta e gradual –, ele permanecerá como a principal potência regional. E essa posição tem lhe permitido matar civis indiscriminadamente com requintes de sadismo, sob a desculpa de que toda guerra tem efeitos colaterais – como sustentou Netanyahu depois de um dos muitos atentados contra alvos civis, sob o argumento de que precisa exterminar o grupo Hamas –, revelando um nível de desumanidade que tem assombrado o mundo. Não à toa vêm sendo realizadas tantas manifestações ao redor do mundo contra a matança promovida por Israel em solo palestino, de que são exemplos as recentes greves de alunos nas universidades americanas e europeias.
Não se pode esquecer, nesse contexto, o longo tempo decorrido sem que qualquer providência concreta tivesse sido adotada para viabilizar o surgimento do Estado da Palestina. Desde a primeira intifada, em 1988, capitaneada por Yasser Arafat, a solução de dois estados, um israelense e outro palestino, permeia a comunidade internacional como a única solução plausível para arrefecer os ânimos bélicos tanto dos sionistas como dos radicais palestinos. De lá para cá, dezenas de países, o Brasil inclusive, já reconheceram o Estado palestino. A própria ONU, em 2012, concedeu aos palestinos o status de Estado Observador nas Nações Unidas. Contudo, sem a aprovação unânime dos integrantes do Conselho de Segurança da ONU, notadamente dos EUA, não se pode falar em Estado Palestino e, por consequência, Israel segue com carta branca para matar e tomar as terras que quiser, sob o assombro e a indignação da maioria dos países.
Dito tudo isso, caro leitor, podemos nos voltar para o título desse breve texto. Se a história é uma mescla de ciclos longos e ciclos breves, como dizia Bobbio (2004), não estaria o grupo sionista no poder de Israel, que vem promovendo o genocídio palestino, dando um tiro no próprio pé, em termos civilizatórios?
Vejamos. Israel é o único país, na região, com características ocidentais predominantes. Por essa razão ele está isolado culturalmente da maioria dos países que o cercam. E Israel conta com a permissão ocidental para matar indiscriminadamente os palestinos, apostando sua sobrevivência na manutenção do status quo mundial, que o assegura. Se o humor geopolítico mudar, seja ele por decadência estadunidense, seja por outros fatores que possam surgir – como por exemplo o interesse capitalista diante do aparecimento de novas jazidas de petróleo em países hostis a Israel –, o cenário atual de matança sionista pode não fazer mais sentido para os donos do poder. Se isso acontecer, o governo radical de Netanyahu legará aos seus filhos um cenário de
hostilidade jamais visto, dessa vez sem as bênçãos do complexo industrial-bélico das principais potências ocidentais.
Os sinais de desacordo interno já podem ser vistos. Dias atrás Netanyahu perdeu o apoio de um dos principais personagens da vida pública do país, com a saída de Benny Gantz do gabinete de guerra montado por ele após o ataque do Hamas. Apesar de Netanyahu minimizar a saída de Gantz, ela revela a mais séria divisão interna dentro do governo sionista.
Mas não é só isso. No cenário internacional, o Tribunal Penal Internacional (TPI) pediu, no dia 20/05/2024, a prisão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e dos três principais líderes do Hamas. É o mais claro indicativo de que a comunidade internacional está alinhada com os protestos realizados mundo a fora, em busca da responsabilização criminal, por crimes de guerras e contra a humanidade, dos referidos atores. Ainda que na prática o Tribunal não tenha força policial para cumprimento de mandados de prisão, ficando dependente do comprometimento de cada Estado para a realização da prisão do acusado que entrar em seu território, o recado foi dado para o mundo: Netanyahu, seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, e os líderes do Hamas são agora párias mundiais.
Dentro dessa perspectiva, urge o alerta para a sociedade judaica sobre os malefícios que a carnificina promovida pelos sionistas causará aos corações e mentes dos palestinos – e nos árabes, por tabela – a longo prazo. Aos líderes de Israel deveria importar mais a própria sobrevivência do seu país, em um futuro cada dia mais distópico e imprevisível, do que a conquista de mais terras férteis na região de Gaza. Os Estados Unidos não serão eternos, assim como não foram Roma e o Império Britânico. Quando a dominância global mudar e Israel perder o seu protetor, a liberdade do povo judeu poderá vir a ser mais uma vez ameaçada, como o foi no passado. Se isto realmente acontecer um dia, os filhos de Israel colherão os frutos dessa infâmia praticada contra um povo massacrado há mais de oitenta anos – e que Netanyahu e seu grupo sionista assassino hoje tentam aniquilar.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
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Um tiro no pé. Artigo de André Márcio Neves Soares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU