17 Junho 2024
Na manhã do dia 14 de junho, o Santo Padre Francisco recebeu em audiência uma representação de artistas do mundo do humor de vários países.
O evento foi promovido pelo Dicastério para a Cultura e a Educação e pelo Dicastério para a Comunicação.
Publicamos abaixo o discurso que o Santo Padre dirigiu aos presentes na Audiência e as palavras improvisadas no final do encontro.
O texto é publicado por Vatican News, 14-06-2024.
Caros amigos!
Tenho o prazer de acolher a todos vós e agradeço a quantos do Dicastério para a Cultura e a Educação prepararam este encontro. O Prefeito me contou que na Itália se diz que “um sorriso faz sangue bom”. É isso que eles dizem? Olho com respeito para vocês, artistas que se expressam com a linguagem da comédia, do humor e da ironia. Quanta sabedoria existe! Entre todos os profissionais que trabalham na televisão, no cinema, no teatro, na imprensa, na música, nas redes sociais, vocês estão entre os mais queridos, procurados, aplaudidos. Certamente porque vocês são bons. Mas também há outro motivo: vocês têm e cultivam o dom de fazer rir.
No meio de tantas notícias sombrias, imersos como estamos em tantas emergências sociais e até pessoais, você tem o poder de espalhar serenidade e sorrisos. Vocês estão entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de diferentes gerações e origens culturais.
Do seu jeito vocês unem as pessoas, porque o riso é contagiante. É mais fácil rir juntos do que sozinho: a alegria abre para a partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a quebrar barreiras sociais e a criar conexões entre as pessoas. Permite-nos expressar emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Vocês nos lembram que o homo sapiens também é homo ludens; que a diversão lúdica e o riso são fundamentais para a vida humana, para se expressar, para aprender, para dar sentido às situações.
O talento de vocês é um presente, um presente precioso. O sorriso espalha a paz, nos corações, entre as pessoas, ajudando-nos a superar as dificuldades e a suportar o estresse diário. Ajuda-nos a encontrar alívio na ironia e a levar a vida com humor. Gosto de rezar todos os dias – faço-o há mais de quarenta anos – com as palavras de São Tomás Morus: “Dá-me, Senhor, o sentido de humor”. Vocês conhecem essa oração? Você devem conhecê-la! Encarrego os Superiores [do Dicastério] de o dar a conhecer a todos os artistas, está na minha Exortação Gaudete et exsultate, na nota 101, aí está a oração. "Dê-me, Senhor, um senso de humor." Esta é uma graça que peço todos os dias, porque me faz encarar as coisas com bom espírito.
Mas vocês também conseguem outro milagre: conseguem fazer as pessoas sorrirem mesmo lidando com problemas, pequenos e grandes fatos da história. Denunciar excessos de poder; dar voz a situações esquecidas; destacar abusos; denunciar comportamento inadequado... Mas sem espalhar alarme ou terror, ansiedade ou medo, como acontece com muita comunicação vocês despertam o senso crítico fazendo as pessoas rirem e sorrirem. Vocês fazem isso contando histórias de vida, narrando a realidade, de acordo com o seu ponto de vista original. E desta forma vocês falam com as pessoas sobre pequenos e grandes problemas.
Segundo a Bíblia, na origem do mundo, enquanto tudo era criado, a Sabedoria divina praticou a sua arte em benefício de ninguém menos que o próprio Deus, o primeiro espectador da história. Ela diz assim: "Estava com ele como artesão e era a sua delícia todos os dias: brincava diante dele em todos os momentos, brincava no globo, colocando as minhas delícias entre os filhos dos homens" (Provérbios 8,30-31). Lembrem-se disto: quando vocês conseguem fazer com que sorrisos inteligentes fluam dos lábios de até mesmo em um único espectador - o que direi agora não é heresia! – fazem a Deus sorrir também.
Vocês, queridos artistas, sabem pensar e falar com humor em diferentes formas e estilos; e em todo caso a linguagem do humor é adequada para compreender e “sentir” a natureza humana. O humor não ofende, não humilha, não prende as pessoas aos seus defeitos. Embora hoje a comunicação muitas vezes gere contrastes, vocês sabem como colocar, juntar realidades diferentes e por vezes até contrárias. Quanto precisamos aprender com vocês! O riso do humor nunca é “contra” alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, desperta abertura, simpatia, empatia. Recomendo que você ore ao Senhor e peça senso de humor. Eles vão trazer para você aquela linda oração de São Tomás Morus.
Essa história vem à mente, no livro de Gênesis, quando Deus promete a Abraão que em um ano ele teria um filho. Ele e sua esposa Sara estavam agora velhos e sem filhos. Sara ouviu e riu por dentro. Porque, como as mulheres, ela era curiosa e ouvia por trás da cortina o que o marido fazia, o que o marido falava, talvez para censurá-lo... Ela ouvia o fato de que dentro de um ano teria um filho, e riu consigo mesma. E Abraão terá feito o mesmo, com um pouco de amargura. “Ora, na minha idade, não brinque!”. Mas, na verdade, Sara concebeu e deu à luz seu filho na velhice, no tempo que Deus havia determinado. Então ela disse: “Deus me deu motivos para rir” (Gn 21.6), e deu ao filho o nome de Isaque, que significa "ele ri".
Podemos até rir de Deus? Claro, e isso não é blasfêmia, podemos rir, enquanto brincamos e brincamos com as pessoas que amamos. A sabedoria judaica e a tradição literária são mestras nisso! Isto pode ser feito, mas sem ofender os sentimentos religiosos dos crentes, especialmente dos pobres.
Queridos amigos, Deus abençoe vocês e sua arte. Continuem a animar as pessoas, especialmente aquelas que têm mais dificuldade em olhar a vida com esperança. Ajudem-nos, com um sorriso, a ver a realidade com as suas contradições, e a sonhar com um mundo melhor! Eu lhes abençoo do fundo do meu coração; e peço-lhes que rezem por mim: a favor, com um sorriso, não contra!
Agora, antes de dar a bênção, gostaria que todos ouvíssemos aquela bela oração de São Tomás Morus.
***
Luciana Litizzetto: Obrigado, em primeiro lugar obrigado em meu nome e de todos os meus colegas. Sempre nos encontramos apenas em funerais, desta vez é um momento de alegria. Obrigado!
Dá-me Senhor, boa digestão
e também algo para digerir.
Dê-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-lo.
Dá-me Senhor, uma alma santa,
quem sabe valorizar o que é bom e puro,
e não me amedronte frente ao pecado,
mas sim que encontre um jeito de consertar as coisas.
Dê-me uma alma que não conheça o tédio,
os resmungos, os suspiros e os gemidos,
e não deixe que isso me incomode excessivamente
por aquela coisa muito complicada chamada "eu".
Dá-me, Senhor, o sentido de humor,
dá-me a graça de entender as piadas,
para que eu possa ter um pouco de alegria na minha vida
e possa comunicá-la a outras pessoas.
Que assim seja.
***
Papa Francisco: Eu tinha esquecido que lhes dei a bênção, por isso desejo-lhes, como despedida, uma bênção humana. Desejo-lhes o melhor e que Deus lhes acompanhe nesta linda vocação de fazer rir. É mais fácil ser trágico do que cômico, é mais fácil. Obrigado por fazer as pessoas rirem e também por rirem de coração. Que o Senhor abençoe a todos vocês. Obrigado!
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O Papa aos artistas do humor: com o talento vocês fazem sorrir até Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU