29 Mai 2018
O primeiro a testemunhar o quanto pede é o próprio Papa. Desde o início de seu pontificado, Francisco chamou à atenção de todos por seu jeito agradável, o gosto pelo sorriso e a alegria que transmite a quem se encontra com ele. Não é de admirar, então, que na recente Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, Bergoglio tenha indicado justamente no bom humor um dos traços característicos da santidade. "No Peru, em janeiro último - lembra-se Pe. Carlo De Marchi, vigário da Opus Dei para a Itália do Centro Sul - o Papa propôs como meta para cada um ter "uma consciência alegre de si mesmo". Parece-me essencial apreender também este ensinamento prático: a humildade é convincente. Mais ainda aquela forma especial de humildade que é a autoironia. Nós sacerdotes sabemos isso muito bem: se quando eu falo decido fazer alguma brincadeira comigo mesmo, imediatamente o auditório escuta com interesse. Se eu exagero na seriedade, ao contrário, as pessoas logo se cansam."
De Marchi é autor do ensaio, ágil e cheio de anedotas, La formula del buonumore. Com i 5 rimedi contro la tristezza (A fórmula do bom humor. Com os 5 remédios contra a tristeza, em tradução livre, Edizioni Ares, 144 páginas, € 13), em que, citando exemplos de alegria como Thomas More, o cardeal Newman e Josemaria Escrivá, ressalta a importância da elegância, da boa educação e do sorriso." O livro - acrescenta – parte da premissa que todos nós estamos sempre um pouco irritados demais: basta pensar no nosso comportamento quando estamos em um engarrafamento, em uma reunião do condomínio ou até mesmo no café da manhã da segunda-feira. Parece-me que exista uma verdadeira emergência de "bom humor". A amabilidade, o bom humor, o sorriso na vida cotidiana são a resposta cristã a uma necessidade sentida por todos. A Gaudete et Exsultate é ainda mais clara: ‘o mau humor não é um sinal de santidade’. Não há santidade cristã, sem o sorriso".
A entrevista é de Riccardo Maccioni, publicada por Avvenire, 27-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma indicação amplamente ignorada. Entre os crentes parece ter a primazia a dimensão da consciência "séria" das próprias responsabilidades.
Nietzsche dizia que ele teria acreditado no Salvador pregado pelos cristãos se tivesse visto neles "um aspecto mais feliz". O Papa Francisco parece concordar com essa crítica quando repete que não é conveniente apresentar o Evangelho mostrando uma "cara de enterro."
A evangelização é muito mais eficaz se quem fala evita apresentar-se de forma demasiado sóbria, como alguém que se considere sabe-se lá quem e que pretenda ter entendido tudo. O Evangelho é uma anunciação da salvação séria, aliás, decisiva para a vida, mas os evangelizadores são defeituosos, como pode ser visto desde o início nos erros e nas brigas dos Apóstolos. Não se trata de não levar a sério evangelho, mas sim de não levar demasiado a sério a si mesmo como evangelizador.
Por que é importante sorrir? Os Evangelhos não especificam que Jesus fazia isso ...
Chesterton imagina que Jesus se escondesse quando ria, porque a sua risada era algo tão avassalador que as pessoas ao seu redor não estavam prontas para acolhê-la. Independente dos paradoxos, é verdade que o Evangelho não fala nada sobre risadas de Jesus (enquanto testemunhamos Jesus, que "explode em lágrimas"); no entanto, descreve-o como acolhedor, amável e simpático. De fato, todas as crianças se sentiam atraídas por ele: se um adulto não for simpático, a criança não se aproxima dele. Não é difícil entrever o sorriso de Jesus, enquanto fala com Zaqueu, com Nicodemos, com os discípulos de Emaús que Jesus ressuscitado cura justamente de seu "rosto sombrio".
Mas não é irreverente pensar que Deus sorria?
Em Gaudete et Exsultate o Papa cita o profeta Neemias: "A alegria do Senhor é a vossa força." O problema é nosso, porque não estamos acostumados a pensar que Deus sorria. Em vez disso, deveria ser a coisa mais natural, como declama o Salmo 2 ( "Deus ri no Céu"). Deus Pai e Criador, quando olha para uma de suas criaturas, ou seja, em todos os momentos, sorri de alegria. Sentir-se um pouco ridículos, mesmo diante de Deus, é uma maneira de sentir-se criaturas. Somos defeituosos? Pode ser, mas se Deus não quisesse os meus limites, teria me criado sem eles. Além disso, cada um é chamado a lutar contra suas próprias falhas, mas a partir desse otimismo como criatura. Em um romance clássico de ficção científica, Ray Bradbury coloca que certamente Deus tem senso de humor: "e como poderia não tê-lo o criador do ornitorrinco, do camelo, do avestruz e do homem?".
O que aconselhar para o cristão que queira ter uma abordagem um pouco mais sorridente da vida sem renunciar à seriedade? Como aprender?
Sugiro que treine em primeiro lugar em procurar o sorriso de Deus na oração. E depois olhar para suas próprias falhas e erros com um sorriso, aprendendo a cada dia - nas palavras de Romano Guardini - a "aceitar a si mesmo." A partir desses dois sorrisos aprende-se a sorrir e estar abertos aos outros, porque o compartilhamento, como explica o Papa, "multiplica a nossa capacidade de alegria." Depois, resta praticar um pouco a sorrir, talvez mesmo no trânsito, na reunião de condomínio ou tomando o café na manhã da segunda-feira.
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"Não estamos acostumados a pensar que Deus sorria" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU