08 Junho 2024
Peter Krekó (Budapeste, Hungria, 1980) dedica-se ao estudo das tendências da desinformação, das teorias da conspiração e dos negacionismos. A sua pesquisa como psicólogo e diretor do Instituto de Capital Político centra-se nas autocracias da informação, ou seja, nos regimes políticos que assentam o seu sucesso na manipulação dos meios de comunicação.
A entrevista é de Sandra Vicente, publicada por El Diario, 04-06-2024. A tradução é do Cepat.
Krekó afirma que as democracias estão em crise e são vulneráveis a estas tendências que nascem nos escritórios, mas se espalham pelas redes. Refletiu sobre isto num debate organizado no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB) às vésperas das eleições europeias de 9 de junho.
Você acha que a desinformação e as fake news serão um problema significativo nas eleições?
É difícil dizer quais são os países mais infectados pela desinformação, mas temos barômetros da pandemia, que não são de desinformação política, mas científica, que nos ajudam a ler a situação. Dizem-nos que os países do sul e do leste da Europa são os mais vulneráveis às teorias da conspiração, especialmente se envolverem o Estado e os governos. Acredito que nenhum país está a salvo da desinformação, especialmente agora que a Europa se encontra numa situação muito delicada.
O que nos tornou vulneráveis à desinformação?
Tudo começou com os fluxos migratórios de 2015, depois veio a pandemia, que foi um foco de teorias da conspiração e negacionismos. Depois, a invasão russa e o conflito entre Israel e o Hamas... Tudo isto aumentou a desconfiança nas nossas autoridades. Além disso, em muitos países não existem meios de comunicação plurais. Penso que não há melhor escudo para a desinformação do que os meios de comunicação. Na Hungria, Polônia, Eslováquia ou Croácia os meios de comunicação social são muito centralizados e o governo tem um papel importante como disseminador de informação.
Como combater a desinformação quando é o Estado quem a dissemina?
É uma questão interessante porque a UE não consegue lidar com isso. Quando a desinformação vem do governo, tem uma narrativa muito poderosa, ao passo que se vier de agentes externos, mesmo que tenha atores importantes que a apoiam, é menos eficiente. Queria que sempre viesse de fora, porque quando o Estado faz o processo é complexo. Mesmo em países que têm pouca confiança nas suas instituições, a difusão é muito eficiente.
O caso mais extremo é o da Rússia. A sua população sofreu uma lavagem cerebral tão grande que praticamente acredita que foram a Ucrânia e os Estados Unidos que iniciaram o ataque. Outro exemplo é a Hungria, onde antes das eleições parlamentares de 2022, metade da população pensava que se votasse na oposição, todos os homens seriam recrutados para lutar na Ucrânia. E um terço pensava que as operações de mudança de sexo para crianças seriam legalizadas. E havia 0% de chance de qualquer uma dessas coisas acontecer.
Então, o que fazemos?
Uma coisa que pode nos manter otimistas é que nunca haverá controle total sobre a opinião pública. Mesmo nos regimes totalitários. Isto é algo que os húngaros e os espanhóis sabem. Mesmo que tenham as armas e o dinheiro, o poder de disseminar o medo, sempre existirão narrativas alternativas.
Quando nos deparamos com desinformação por parte do Estado, os jornalistas e os cidadãos devem ser criativos para desafiar a narrativa oficial. Na Hungria, por exemplo, temos o Partizan, um canal no YouTube com milhões de visualizações num país de 10 milhões de habitantes. Ele produz vídeos de notícias sem apoio ou subsídios públicos. Também temos o Lakmusz, um site de factchecking que atinge dois milhões de pessoas por ano. Parte do seu sucesso reside no fato de não só desmentir o Governo, mas também a oposição.
Você diz que não é possível ter o controle total sobre a opinião pública e isso se deve, em parte, à internet. Em entrevista de 2018, você disse que, se há internet, não se pode falar em lavagem cerebral porque há opções para comparar informações. De lá para cá, vimos que as redes sociais são um importante polo de notícias falsas. Você ainda acha que a internet é mais benéfica do que prejudicial?
Essa é uma boa pergunta para a qual não sei se tenho resposta. Está claro que a internet é parte do problema. Evidentemente, não podemos contentar-nos com a visão otimista que tínhamos há 20 anos, quando as redes sociais começaram a surgir e pensávamos que eram o lugar perfeito, democratizando a informação. Não podemos estabelecer uma relação causal direta, mas, desde que as redes sociais ganharam popularidade, as razões de democracia em todo o mundo vêm diminuindo.
Essa é uma afirmação muito perigosa.
Como digo, não podemos estabelecer uma relação causal, mas o que podemos afirmar sem medo de errar é que as redes sociais não democratizaram o mundo. A culpa não é apenas delas, mas são um ator que contribuiu para a polarização, a propagação de narrativas hostis, notícias falsas e desinformação. E as grandes empresas não estão fazendo o suficiente.
Você acha que é responsabilidade das empresas? Ou dos governos?
Em alguns casos, a regulamentação estatal pode ser uma boa ideia, mas em outros nem tanto. Eu não ficaria satisfeito se o meu governo [com Viktor Orbán como primeiro-ministro] definisse o que é uma fake news. Não existe uma solução perfeita, mas existem opções promissoras. Por exemplo, na União Europeia temos a Lei dos Serviços Digitais e a Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação Social, que podem servir para regular o conteúdo das redes sociais. Na verdade, a Comissão Europeia está agora investigando a Meta por não ter conseguido combater a desinformação antes das eleições europeias.
Estamos falando de uma empresa com um rendimento anual superior ao de alguns países da UE. Lutamos contra grandes corporações que se especializam em encobrir tudo. Elas têm as melhores mentes e o dinheiro para pagar os lobbies. Oxalá as mesmas empresas investissem na identificação e proibição da propagação de fake news, mas infelizmente, às vezes, é necessário pressioná-las. Agora, por exemplo, o TikTok criou uma ferramenta muito boa para identificar deep fakes [conteúdos gerados por IA] após vários países, como os Estados Unidos ou a Bélgica, ameaçarem proibir a sua utilização dentro das suas fronteiras.
A Lei dos Serviços Digitais só entrou em vigor em fevereiro de 2024, após anos de debate, enquanto as redes e a IA já estavam nas nossas vidas há anos. Tendo em conta que a legislação será sempre mais lenta que a tecnologia e que estas empresas estão ganhando cada vez mais poder, como poderão ser forçadas a fazer a coisa certa?
Infelizmente, não tenho imaginação suficiente para projetar o que vai acontecer. Como disse Yuval Noah Harari, o poder está mudando tanto que não sabemos mais para onde está indo. Está cada vez menos nas mãos das nações e mais nas mãos das grandes empresas. Por isso pergunto-me, não se os Estados terão o poder, mas a legitimidade para regular o que acontece na internet.
Penso que as nações ainda são muito poderosas e são fontes de identidade, por isso não irão desaparecer. Mas o avanço da tecnologia vai trazer problemas para muitos Estados porque a internet não conhece fronteiras e não é algo que possa ser regulamentado a nível nacional.
Se questionamos a legitimidade de alguns Estados para legislar sobre empresas que têm mais poder do que esses próprios Estados, que futuro espera a União Europeia?
O Ocidente está em declínio como fonte de poder. Se falarmos de política com atores importantes dos Estados Unidos e de fora da Europa, a UE raramente aparece. Tem uma economia forte, mas em questões geopolíticas é cada vez menos importante. Quanto aos Estados Unidos, ainda é relevante porque tem o maior exército do mundo, mas está perdendo a liderança econômica para a China.
Penso que os valores americanos e ocidentais em geral são menos importantes do que nos anos 90, quando houve uma grande democratização da Europa Central e Oriental. Foi quando Francis Fukuyama falou do “fim da história”. Naquele momento, todos estavam otimistas, pensávamos que o caminho para a democracia era apenas um caminho de ida e agora vemos que não é. Olhe para trás: na última década, nem a Europa nem os Estados Unidos apoiaram com sucesso qualquer movimento democrático. Pense em Hong Kong ou na Síria. Os ditadores estão derrubando democracias com relativa facilidade, sem que nada aconteça.
Quer dizer que a democracia já não é atraente ou desejável?
Há uma tendência à desdemocratização. Em parte, devido aos costumes e valores ocidentais, que já não são tão atraentes. Nos países que mencionávamos anteriormente, que têm pouca confiança nos seus governos, a Europa é vista como uma má referência na comunicação governamental, enquanto países autoritários como a Rússia e a China são cada vez mais elogiados.
Como os conflitos em Gaza e na Ucrânia afetaram a imagem dos países autoritários?
Enormemente. Não quero ser simplista, mas uma vitória russa seria devastadora. Poderia ser o fim da democracia como a conhecemos. Todo o mundo ocidental está envolvido na guerra na Ucrânia. Tanto os Estados Unidos como a UE deram armas e dinheiro. Se a Rússia vencer, será uma derrota simbólica da democracia. O Ocidente perderia ainda mais popularidade e poderia ser um impulso para todas as potências regionais que queiram invadir territórios. Já não estamos mais preocupados com esta guerra, mas ela é de suma importância.
Talvez devido a este apelo crescente dos regimes autoritários, prevê-se um aumento das forças de direita e de extrema-direita nestas eleições. Concorda?
Se os partidos de extrema-direita se unirem, poderão tornar-se a segunda força. Caso contrário, um dos dois grupos será quase certamente a terceira força, o que não é nada mau. É verdade que a direita está ganhando popularidade em toda a Europa e isso tem muito a ver com a desinformação de que falávamos. A extrema-direita pode capitalizar o descontentamento da população com a Europa devido aos seus esforços políticos. Estes partidos dizem-nos que, em vez de dar dinheiro à população migrante, deveria ser dado às famílias nacionais. Puro chauvinismo do bem-estar.
Além disso, existe um movimento antiambiental que ficou muito forte com a pandemia. Não deixe que o Estado decida se você tem que ficar em casa, se vacinar, usar máscara, se pode comer carne ou usar ar condicionado. A narrativa da liberdade é muito poderosa. É irônico que eles, que não são exatamente paladinos da liberdade, a utilizem, mas funciona para eles.
Os teóricos da conspiração costumam ter um discurso contrário às elites econômicas e políticas. Você acredita que os teóricos da conspiração e os negacionistas estão conscientes de que estão sendo explorados pelas mesmas elites que querem destruir?
É outra ironia que adoro. Há um livro de que gosto muito, Merchants of Doubt [Mercadores da dúvida], de Naomi Oreskes e Erik M. Conway, que conta a história de como indústrias poderosas, como os combustíveis fósseis e o tabaco, financiam a pesquisa para minar o consenso científico sobre as mudanças climáticas. É fácil: basta dizer que não há consenso, que existem opiniões divergentes e que todas têm o mesmo valor. Mas a maioria das opiniões científicas está de um lado e, sem que isso signifique que não possa ser discutida, a opinião de um terraplanista não tem o mesmo valor.
Bem, estas indústrias encorajam respostas epistemológicas para que as pessoas duvidem de onde está a verdade. As teorias da conspiração são boas para as grandes empresas, especialmente para a indústria fóssil, que já se beneficia do fato de as pessoas “fazerem perguntas” e duvidarem do consenso sobre as mudanças climáticas. Todas essas pessoas que dizem para você não ser ovelha, para acordar, para pensar por si mesmo... Bom, estão se colocando nas mãos das grandes empresas sem saber. E as consequências podem ser desastrosas.
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“As teorias da conspiração são muito benéficas para as grandes empresas”. Entrevista com Peter Krekó - Instituto Humanitas Unisinos - IHU