05 Junho 2024
Um dos principais teólogos da segunda metade do século XX morreu aos 98 anos. Também é fundamental a sua reflexão teológica sobre a cruz na criação. Pastor evangélico, dedicou-se intensamente ao ecumenismo.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada por Avvenire, 04-06-2024.
Foi uma longa e fecunda parábola humana e intelectual que terminou ontem em Tübingen, aos 98 anos, para Jürgen Moltmann, um dos teólogos mais importantes do século XX. Uma vida, na parte mais longínqua marcada pelas dilacerações causadas pela Segunda Guerra Mundial e pelo encarceramento, na parte subsequente por uma grande criatividade especulativa, nunca alheia aos acontecimentos do seu tempo, capaz de colocar a humanidade numa tensão unitiva entre história e o futuro e a memória da esperança, para transformar a teologia política numa teologia da Criação.
Jürgen Moltmann (Foto: Reprodução | DZ)
Moltmann nasceu em Hamburgo em 1926 em uma família protestante liberal. Alistado na Wehrmacht antes mesmo de se matricular na universidade, em julho de 1943, durante o bombardeio de Hamburgo, viu um colega soldado morrer ao seu lado, uma experiência indelével nunca esquecida em seus escritos autobiográficos. Feito prisioneiro pelos ingleses em 1945, passou três anos em campos de concentração aliados, primeiro na Bélgica e depois na Escócia, meditando durante muito tempo durante este período sobre temas como a vida e a morte, a culpa individual e coletiva, e a presença de Deus na história: lendo a Bíblia; chegando a uma fé madura. Ele diria mais tarde: “Não fui eu quem conheceu Cristo, mas Cristo quem me conheceu”.
Tendo retornado à Alemanha em 1948, matriculou-se na faculdade de teologia de Göttingen. Ele decidiu se tornar pastor evangélico e se formou em 1952. No mesmo período, além de professores que foram discípulos de Karl Barth como Otto Weber, ou expoentes da Igreja Confessante nos anos nazistas como Hans Joachin Iwand, conheceu também Elizabeth Wendel, casada no mesmo ano de sua formatura, e depois participante de sua jornada teológica.
Tendo iniciado a sua experiência pastoral em Bremen-Wasserhorst, ali passou cinco anos, respondendo às necessidades espirituais da comunidade que lhe foi confiada e configurando gradualmente a sua própria “teologia do povo” - um povo testado pelas consequências da guerra -, ao mesmo tempo, continuando a estudar (alcançando o doutorado) e de 1958 a 1963 aceitando lecionar na faculdade eclesiástica reformada de Wuppertal (onde conheceu Wolfhart Pannenberg), depois de 1963 a 1968 na Universidade de Bonn, depois em Tübingen. Também nasceu e se construiu nesses anos a estrutura de sua trilogia mais famosa, capaz de unir o pessoal e o político.
A partir da Teologia da Esperança, que apareceu em 1964 e na Itália com Queriniana em 1970 (mas este foi também o momento das comparações com a "teologia do Antigo Testamento" de Gerhard Von Rad, Walther Zimmerli, Hans Walter Wolff, Hans-Joachim Kraus…, com pensamentos de Rudolf Bultmann, Ernst Käsemann, Ernst Bloch), seguido das outras duas obras também traduzidas por Queriniana.
A primeira, O Deus Crucificado de 1972, a elaboração de uma teologia crucis com amplo espaço para teologia alienante do culto da cruz (e aqui Moltmann leva em conta acusações de patriprassianismo).
A segunda, A Igreja na força do espírito, de 1975, ensaio sobre eclesiologia messiânica onde a Igreja se configura ligada ao seu fundamento cristológico e inserida no movimento aberto da história trinitária: uma eclesiologia centrada na relação constitutiva com o Reino de Deus que se realiza na história e se desenvolve combinando a perspectiva relacional-cristológica com o determinante pneumatológico.
Não há dúvida de que esta trilogia, bem como as obras subsequentes de Moltmann, parecem corroboradas por significativas experiências culturais e espirituais. Tal como o diálogo entre cristãos e marxistas e o da teologia europeia com as teologias da libertação (o encontro com Johann-Baptist Metz, com quem já tinha inaugurado o sentido político da nova teologia em '67-'68, também se enquadra este quadro em frente a Auschwitz). Como a comparação interconfessional, também realizada como membro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), área que o levou a aprofundar-se na teologia ortodoxa e no pensamento judaico (e a afirmar “o protestantismo é apenas a minha origem, o ecumenismo é o meu futuro").
Em suma, uma multiplicidade de horizontes que não afetaram a autonomia do seu pensamento lúcido, já prenhe no início da década de 1980 de novas contribuições sistemáticas ancoradas numa “teologia em movimento, em diálogo, em conflito”.
No alvorecer do novo século, Moltmann perguntou-se “O que resta? O que foi?”. E ele respondeu: “O que ficou [...] é o reconhecimento da dimensão política para a fé cristã da cruz de Cristo e do Reino de Deus. O que ficou foi a necessária crítica aos ídolos políticos e civis. O que tem sido geralmente aceito é a opção preferencial pelos pobres. O que se desenvolveu foram os princípios de toda teologia contextual: contexto, kairós, comunidade”.
Neste contexto, Moltmann também aprofundou até recentemente a sua reflexão ecológica, reformulada em vários encontros nos quais ofereceu o seu paradigma alternativo à visão antropocêntrica da modernidade, que fazia do homem o dominador de uma natureza afastada de qualquer relação com o Criador, tema que, junto com a catástrofe causada pela pandemia – lembrando um pouco o “vale escuro” do Salmo 23, se encontra no último livro do teólogo reformado Teologia política do mundo moderno, publicado em 2022 por Claudiana.
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Adeus a Jürgen Moltmann, o teólogo da esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU