Moltmann, a teologia e a esperança. Entrevista com Fulvio Ferrario

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

05 Junho 2024

A atividade teológica de Jürgen Moltmann, teólogo nascido em 1926 e docente emérito de Teologia Sistemática na Faculdade de Teologia Evangélica da Universidade de Tübingen, certamente não se reduz ao seu famoso livro Teologia da Esperança, publicado pela primeira vez em 1964. Os sessenta anos do livro convidam, no entanto, a reconstituir a atividade fecunda de um dos teólogos mais importantes do século XX. Fizemos algumas perguntas ao professor Fulvio Ferrario, professor de Teologia Sistemática na Faculdade Valdense de Teologia, de Roma.

A entrevista é de Gian Mario Gillio, publicada por Riforma, 10-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

A entrevista foi reproduzida pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 10-04-2024 e é republicada em memória de Jürgen Moltmann, falecido no dia 03-06-2024. 

Jürgen Moltmann concedeu uma entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU que pode ser lida aqui. Por sua vez, a Editora Unisinos publicou o livro A vinda de Deus: Escatologia cristã, Volume 3 da Coleção Theologia Publica, 374 pp, em 2003. O livro é a tradução do original alemão Das Kommen Gottes. christliche Eschatologie.

Jürgen Moltmann (Foto: Reprodução | DZ)

Eis a entrevista.

Vamos começar pelo mais simples, professor Ferrario. O que é a “Teologia da Esperança”?

Em diálogo com o filósofo neomarxista Ernst Bloch, Moltmann pretende pensar a revelação cristã, no seu conjunto, partindo da categoria da “esperança”. Entre as realidades que, segundo Paulo (1 Cor. 13, 13), “permanecem”, a tradição cristã tem aprofundado principalmente a fé e o amor. Concentrando-se na esperança, Moltmann coloca ênfase no futuro e apresenta Deus antes de tudo como aquele-que-vem, aquele que introduz o elemento do novo na realidade.

Essa definição em perspectiva dialógica, messiânica e escatológica ainda é um tema de debate teológico (em perspectiva ecumênica) sessenta anos depois?

É justo ressaltar que Teologia da Esperança é um texto bem inserido no clima otimista dos anos sessenta do século XX: fim do colonialismo nas suas versões "oficiais" (e religiosamente abençoadas!), degelo entre Leste e Oeste, esperanças de renovação católica com o Concílio Vaticano II, confiança na expansão da justiça social, curiosidade positiva pelos potenciais da ciência e da tecnologia. Hoje o cenário costuma ser considerado em termos muito mais pessimistas. Pessoalmente, acredito que as categorias de otimismo e pessimismo, tal como são utilizadas, mesmo nas igrejas, não permitem apreender o significado cristão do termo “esperança”. Ele tem a ver com a fidelidade de Deus, que se revela na história de Jesus Cristo. Moltmann tentou interpretar aquela fase um tanto eufórica de forma cristã. Nós temos a tarefa de falar de Jesus numa Europa que se diz desencantada, mas que parece ansiosa para dar ouvido às piores bobagens, contadas por falastrões e demagogos de vários tipos.

 

O livro de Moltmann, assim afirmou na época o teólogo Ernst Käsemann, comentando o lançamento do volume, representa a conquista de uma posição avançada, atestada em um continente inexplorado e quase inacessível, e o sinal de uma nova problemática que está se delineando e está afetando toda a estrutura da teologia. Por que o teólogo definiu aquela “posição avançada” uma “problemática” para o sistema teológico da época?

Käsemann sempre sustentou que muitas comunidades cristãs primitivas colocavam, numa linguagem religiosa, um problema político: “a quem pertence a terra”? Aos poderosos deste mundo ou ao Deus revelado em Jesus? O próprio anúncio da justificação pela graça, tão caro às igrejas da Reforma, não deve ser, segundo Käsemann, interpretado numa chave individualista ("Como posso ir para o céu?"), mas sim numa chave política: a justiça de Deus é a derrota dos poderes que escravizam os seres humanos. Moltmann, segundo Käsemann, tem o mérito de ter lembrado a centralidade dessa mensagem política das primeiras comunidades, contra um cristianismo politicamente conservador.

 

Essa centralidade é um argumento para possíveis discórdias teológicas?

Não diria necessariamente para desentendimentos. Contudo, também não gostaria de me contentar com uma linguagem superficialmente piedosa, como: “a esperança une sempre”. Acredito que a Igreja deve anunciar Cristo como contestação do cinismo cotidiano em que caíram as sociedades ricas, especialmente na Europa. Se a morte não é a última palavra, então essa vida pode estar cheia de possibilidades. A premissa, porém, ou seja, a ressurreição de Cristo como fonte de esperança, é essencial, caso contrário falamos em vão.

A paz é objeto de esperança?

É uma pergunta difícil. Trabalhar pela paz faz parte da luta contra o desespero. Não acredito, porém, que para isso bastem as proclamações que se pretendem "proféticas" e nem mesmo as citações de Moltmann. As igrejas provavelmente não serão protagonistas desse caminho: algum guru eclesiástico eventualmente será ouvido com benevolência, mas a política e a diplomacia utilizarão seus próprios instrumentos. Duas coisas, no entanto, podem ser feitas imediatamente.

 

A) Tomar as distâncias daqueles que proclamam guerras santas em nome da fé cristã.

B) Aprender a dialogar, nas nossas sociedades plurais, sobre temas a respeito dos quais não concordamos, sabendo que ninguém quer a “morte” contra a “vida”: de diferentes formas, somos todos a favor da vida, possivelmente um pouco mais humana.

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