15 Julho 2016
Antecipamos alguns trechos do ensaio "As Olimpíadas como religião moderna", do teólogo alemão Jürgen Moltmann, que foi publicado originalmente na revista Concilium (5/1989) e agora foi reunido no livro das Edizioni Dehoniane de Bolonha. Moltmann ressalta que, desde o início, a ideia olímpica moderna foi uma ideia política, capaz de conjugar a enorme capacidade do esporte de agir como elemento de distensão e de identificação coletiva e de medir a estima de uma nação e da sua economia no contexto internacional. E propõe a sua "receita" para superar as distorções desse sistema.
O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 13-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Desde o início, a ideia moderna das Olimpíadas se associava a um esporte separado da sua experiência característica da vida. Conjugando o esporte internacional com os sentimentos nacionais, De Coubertin também o expunha aos conflitos de ordem nacional.
Se voltarmos à origem da ideia moderna de Olimpíada, devemos também nos perguntar criticamente se a organização por nações desses jogos realmente serve para garantir o seu caráter desportivo ou o compromete. Além disso, devemos nos perguntar, sempre a partir da ideia moderna dos Jogos Olímpicos originais, se a sua função sociopsicológica, tão carregados como são de sensacionalismo, não deformou o "jogo" em uma luta de desempenho em prol do interesse político. Os Jogos Olímpicos ainda são jogo e prazer? Se, depois, virmos quais países podem se permitir os custos da organização dos jogos, descobre-se que o círculo envolve apenas as nações ricas.
Os ideais clássicos da humanidade, que estão inseparavelmente ligados à ideia de Olimpíadas, são negados quando entram em jogo os interesses de poder das grandes nações.
Devemos nos remeter às origens da ideia olímpica, se quisermos aproveitar a possibilidade de uma renovação dela. Essa ideia, assim como é repetida por De Coubertin em diante, continuamente, é capaz de nos indicar um caminho que avance no futuro? De Coubertin coroou a ideia moderna de Olimpíadas com o seu conceito de religio athletae: a "religião esportiva" deve, unindo os povos, abrir o caminho para uma futura "religião universal". Nela, De Coubertin via uma "declaração de confiança no futuro".
Hoje, porém, em escala mundial, a confiança no futuro se transformou em angústia. E essa é a crise mais profunda, pois os nossos medos atuais fazem com que os homens e os povos não vejam o futuro. Essa angústia generalizada sufoca o futuro antes que ele surja.
Na minha opinião, a única saída está na possibilidade de que a ideia olímpica seja remetida à experiência original do esporte e à esperança original que o jogo possui, para poder, assim, se regenerar. A alienação do esporte e o estranhamento das finalidades dos jogos já não podem ser encontrados na própria ideia olímpica. Esta deve garantir a salvaguarda da experiência olímpica contra a exploração por parte de interesses diferentes. Nesse sentido, parece-me importante abordar os seguintes pontos:
- a religião olímpica pode se tornar, de celebração consagrada do esporte e de fábrica de ideais, um fermento de liberdade neste mundo que vive na hostilidade e na opressão. Em tal caso, ela irá contrapor criticamente a sua experiência olímpica original a essas experiências alienadas de vida;
- o esporte, especialmente em nível olímpico, é um esporte de espectadores. Esse é um fato. Todavia, não deve ser preferido como substituto da própria experiência faltante do esporte, mas sim como estímulo para as próprias experiências. Essa é a tarefa de uma educação olímpica;
- em uma época de formação de blocos políticos, não é mais sustentável a organização dos Jogos Olímpicos em base nacional. O patriotismo não motiva mais suficientemente os participantes, nem a participação favorece o patriotismo. Não seria mais sensato, do ponto de vista organizativo, ligar com maior decisão os Jogos Olímpicos às Nações Unidas? Não seria mais sensato que fosse um fundo da ONU que financiasse as despesas e que as vitórias fossem dedicadas aos homens, não às nações de pertença? Os Jogos Olímpicos se tornariam sinais de esperança, se pertencessem aos indivíduos e não às nações, especialmente às mais ricas;
- o esporte e os jogos se fundamentam em um modo de vida e representam um estilo de vida particular. A moderna comercialização do esporte público degradou-o a desempenho e a mercadoria, destruindo, desse modo, o estilo típico do esporte. A ideia olímpica não poderia justamente libertar esses de uma mentalidade fundamentada no desempenho e no consumo, e associá-los a um estilo de vida marcado pela simplicidade que liberte da sociedade do desempenho e do consumo?
De Coubertin se expressou em defesa de um estilo de vida ascético, que hoje não é mais apenas uma virtude dos esportistas. O estilo de vida da futura comunidade mundial não poderá ser senão o estilo de um modo de vida simples e de comunhão. O espírito olímpico, como expressão e reflexo desse mundo dividido, oprimido e ameaçado, está em crise. O espírito olímpico como alternativa da comunidade a esse mundo dividido, como alternativa de libertação a esse mundo oprimido e como alternativa de vida a esse mundo ameaçado é a possibilidade que nos é oferecida por essa crise.
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O mito de Olímpia não se curva aos nacionalismos. Artigo de Jürgen Moltmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU