11 Mai 2024
Estamos diante de uma extinção em massa que está envolvendo uma enorme quantidade de espécies, deixando apenas moscas, mosquitos e baratas, isto é, os únicos insetos que podem se beneficiar da nossa presença antiecológica.
A opinião é de Roberto Marchesini, etólogo e filósofo italiano, fundador da zooantropologia, em artigo publicado em Rewriters, 02-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muitas pessoas hoje, ao viajar de carro, não têm mais o incômodo das multidões de insetos que se esmagavam no vidro, deixando aquele halo amarelado difícil de remover com o limpador de para-brisa.
Elas parecem felizes com isso, mas não se dão conta de uma tragédia que está acontecendo bem debaixo dos nossos olhos: a destruição da biodiversidade entomológica.
Trata-se de uma extinção em massa que está envolvendo uma enorme quantidade de espécies, deixando apenas moscas, mosquitos e baratas, isto é, os únicos insetos que podem se beneficiar da nossa presença antiecológica: produção de lixo, simplificação dos ambientes, aniquilação de todos os animais concorrentes e predadores dessas espécies.
O que me vem à mente, então, é aquele maravilhoso texto de Jean-Henri Fabre, “Souvenirs Entomologiques” (“Ricordi di un entomologo”, na tradução ao italiano, Ed. Adelphi, 2020), publicado pela primeira vez entre 1879 e 1907 em 10 volumes, capazes de inspirar os últimos trabalhos de Charles Darwin.
Os escritos de Fabre também encontraram a admiração de Giuseppe Lombardo Radice em seu ensaio “Lezioni di didattica e ricordi di esperienza magistrale” [Lições de didática e recordações de experiência magistral] de 1913, no qual o grande pedagogo italiano sugere a importância da relação com a natureza como experiência formativa de um jovem.
Eu também recebi meu seminário de juventude por meio do microcosmo dos insetos, quando, ainda criança, passava horas observando as relações tempestuosas entre pulgões, joaninhas e formigas. E ainda me lembro com emoção das minhas primeiras experiências de etologia nos anos 1980, ao estudar as vespas sociais, especialmente a Vespa crabro, a vespa comum, sob a orientação de Giorgio Celli. Assim que eu saía das aulas de medicina veterinária, corria para pegar o equipamento de macrofotografia, sonhando em publicar uma reportagem na revista Airone.
O fascinante registro narrativo de Fabre e os volumosos tomos mais técnicos de Guido Grandi me ajudaram a entender melhor esse universo. Não posso deixar de mencionar, então, o esplêndido livro de Grandi, “Un mondo occulto di dominatori” [Um mundo oculto de dominadores] (Ed. Calderini, 1967).
Trata-se de um período que ainda me lembro com sentimentos difíceis de comunicar: são experiências que só podem ser compreendidas se forem vividas em primeira mão. Porém, aqueles anos de imersão total no mundo dos insetos tiveram uma influência incomparável sobre mim. Sim, porque os insetos literalmente levam você para dentro de outro mundo, fazem você se esquecer de quem você é, de suas perspectivas, de sua noção de tempo.
Agora esse mundo está desaparecendo e, com ele, sinto que uma parte de mim está desaparecendo. Assim, penso em como são estúpidas as ambições do ser humano, sua ânsia hiperprodutiva que o leva a desmatar e simplificar o ambiente, transformando-o em um deserto, a pulverizar as plantas com herbicidas e pesticidas, esgotar a terra deixando espaço apenas para os cultivos!
Hoje, pego em mãos o texto de Dave Goulson, “Terra silenziosa” (Ed. Il Saggiatore, 2021), um ensaio muito importante que nos pinta um quadro assustador, delineando o declínio exponencial da entomofauna.
Sim, porque não há nenhum aspecto da ecologia global que não seja sustentado por essas minúsculas criaturas que muitas vezes são combatidas ou rejeitadas pelo ser humano.
Dos processos de reciclagem de matéria orgânica à polinização das plantas, passando pelo fato de formarem a base da nutrição de muitas espécies de vertebrados até ao controle de parasitas, os insetos revelam ser aliados indispensáveis aos equilíbrios ecológicos.
As vespas – não só para citar as “queridinhas” dos meus estudos, mas também por serem odiadas pela maioria das pessoas – são, na realidade, fundamentais tanto nos processos de polinização quanto na luta biológica.
A partir das pesquisas realizadas pelos institutos de entomologia, constata-se que, nos últimos 25 anos, a biomassa total de hexápodes diminuiu mais de 80% na Europa. É evidente, portanto, que, se esse mundo mágico de seis patas se encontrar à beira da perda de biodiversidade, teremos de fazer as contas com uma calamidade que terá repercussões generalizadas em todos os ecossistemas, como um castelo de cartas do qual se removem as cartas da base.
O título do livro se refere ao silêncio, assim como o ensaio de Rachel Carson de 1962, intitulado “Primavera silenciosa” [em português, Ed. Gaia, 2010], que falava da destruição da ornitofauna, com a relativa perda dos harmoniosos cantos dos pássaros.
Pois bem, o que temos diante de nós é um silêncio assustador, um silêncio que testemunha a solidão do ser humano, um silêncio que terá o timbre ensurdecedor da nossa incapacidade de conviver com as outras criaturas.
As novas gerações se darão conta disso, aqueles jovens que saem de casa diretamente com os fones de ouvido? Talvez não, assim como a minha geração não foi capaz de ouvir o grito de morte da natureza, uma geração que, cansada do consumismo alimentar, voraz por proteínas de origem animal, deu origem a esta economia de rapina, que transformou a agricultura na atividade mais poluente!
Porém, ainda encontramos livros que nos dão esperança, como “Entomomania”, de Nicola Anaclerio (Ed. Orme, 2022), que nos apresenta uma série de personagens famosos – de Marcello Malpighi a Francesco Redi, de Giovanni Battista Grassi a Thomas Hunt Morgan – que devem suas descobertas ao estudo do mundo dos insetos.
Outro ensaio precioso para a própria biblioteca zoológica é “Memorie dal sottobosco”, de Tommaso Lisa (Ed. Exorma, 2021), no qual o autor se torna uma espécie de arqueólogo da natureza para estudar o maravilhoso subsolo do reino terrícola, mostrando-nos as incríveis performances dos besouros, que, com suas 350 mil espécies, constituem a maior ordem entre todos os organismos vivos sobre a Terra.
Por fim, quero encerrar esta seção sobre os ensaios dedicados aos insetos com um livro de que eu gosto já a partir do título, “La personalità dell’ape” [A personalidade da abelha], de Stephen Buchmann (Edizioni Ambiente, 2024), porque pode parecer surpreendente, mas até mesmo os insetos têm sua individualidade e se diferenciam em termos de personalidade, ou seja, pelo modo de se comportar, de reagir diante dos estímulos, de obter o alimento e, por último, mas não menos importante, de ter habilidades mais ou menos destacadas de criatividade.
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Insetos e biodiversidade, o maravilhoso mundo de seis patas. Artigo de Roberto Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU