20 Abril 2024
Os animais na cidade apresentam comportamentos cada vez mais empreendedores e estão se tornando resistentes aos fatores nocivos e perturbadores presentes no ambiente urbano.
O comentário é de Roberto Marchesini, etólogo e filósofo italiano e fundador da zooantropologia, em artigo publicado em Rewriters, 17-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Habituados a pensar que cada espécie está como que hermeticamente fechada dentro de seu próprio nicho ambiental, não nos damos conta de que, pelo contrário, as relações ecológicas das várias populações animais são extremamente fluidas, obviamente com diferenças relevantes também entre as diferentes espécies.
Sabemos, por exemplo, que os animais com fortes especializações adaptativas são muito menos flexíveis que os generalistas; que aqueles que estão no topo da cadeia alimentar correm mais riscos do que os que ocupam a base de um certo ecossistema; que as espécies que vivem nas áreas insulares estão mais sujeitas à extinção.
Digamos, no entanto, que considerar os animais como entidades passivas e estáticas dentro de um nicho não nos permite entender a natureza magmática dos processos de adaptação. No livro do biólogo holandês Menno Schilthuizen intitulado “Darwin va in città” [Darwin vai à cidade] (Raffaello Cortina Editore, 2021) descobrimos que um número cada vez maior de espécies selvagens está se transferindo para os centros habitados, conquistando novos nichos e empreendendo percursos adaptativos incríveis.
As cidades sempre foram um lugar de convivência para muitas espécies, comumente definidas como sinantrópicas, ou seja, propensas a utilizar o ambiente urbano como uma espécie de bioma, capaz de apresentar uma variedade de nichos úteis para sua sobrevivência.
Pensemos, por exemplo, nos parques das cidades, que muitas vezes representam os únicos locais seguros para invernar para muitas espécies de pássaros, como os tordos e as carruíras, também devido ao clima mais ameno e protegido, ou na primavera para se reproduzirem, como os pintassilgos e os verdilhões.
Em meu livro “Animali di città” [Animais de cidade] (Red, 1997) já mostrei que as cidades italianas, justamente pelo seu caráter medieval, eram extremamente variadas e ricas em canais, torres, jardins internos, fontes, áreas verdes, varandas, resultando assim em um ideal para muitas espécies. Os animais que se especializaram em viver ao lado do ser humano geralmente têm um perfil oportunista, como os ratos e os pombos, as baratas e as moscas, os pardais e os lagartos.
Mas, na cidade, também encontramos colônias felinas, que se formam graças à presença de voluntários que levam alimentos e que dão uma conotação pitoresca a certas áreas, como os sítios arqueológicos de Roma.
Em algumas regiões, também há cães livres, como os “vira-latas” ou os cães de bairro, que na maioria das vezes se limitam a ficar ao lado do ser humano e nos lembram aquela convivência que Raymond Coppinger considera como a origem da domesticação do cão.
Muitas vezes, o ambiente urbano apresenta maiores oportunidades para algumas espécies do que as áreas rurais, tornando-se centros de atração até mesmo para espécies que não tinham uma tradição nesse sentido.
Não há dúvida de que o ambiente agrícola hoje, depois do declínio da cultura rural e do advento da agrozootecnia industrial, se apresenta despojado e fortemente poluído.
Assim, há algumas décadas, não apenas as clássicas espécies sinantrópicas, mas também um grande número de animais selvagens estão encontrando refúgio na cidade, como corujas, chapins, garças, vespas, gaios-comuns, pegas-rabudas, estorninhos.
Depois, temos aqueles animais que, embora vivendo em áreas arborizadas, não deixam, de vez em quando, de dar uma volta pela cidade, como se costuma dizer, em busca de alimento, como os javalis, os ursos, os lobos e os mustelídeos.
Durante a pandemia da Sars2, o confinamento levou a um aumento incrível dessas visitas, por exemplo de veados, corços, texugos, como se a ausência dos seres humanos levasse muitos animais a ocuparem essas áreas. Conhecer a fauna urbana também representa uma ótima oportunidade para as crianças, que têm cada vez menos oportunidades de entrar em contato com os animais e que, na maioria das vezes, têm apenas o cão e o gato como únicos representantes do universo não humano.
Assim, tenho o prazer de indicar outro livro que aborda esse tema, intitulado “Animali in città” [Animais na cidade] (Lapis, 2019) do naturalista Bruno Cignini, que é um ótimo guia para reconhecer os novos cidadãos e fazer uma espécie de safari urbano.
Por outro lado, é preciso dizer que as cidades não são habitadas apenas pelos chamados animais autóctones, porque, de diversas formas, o ser humano contribuiu para também trazer à cidade espécies chamadas exóticas, como periquitos, lontras, tartarugas, esquilos americanos, rouxinóis japoneses, percevejos asiáticos e joaninhas orientais.
Algumas dessas espécies representam um grave problema, como a Vespa velutina [vespa asiática], um himenóptero semelhante à vespa europeia (Vespa crabro), que, no entanto, ao contrário desta última, realiza uma predação em grupo nos apiários, provocando inúmeras mortes.
Afinal, as cidades estão se tornando grandes laboratórios evolutivos, onde é utópico pensar em pôr uma barreira às contínuas transformações em curso.
Assim, enquanto os pássaros aprendem novas estratégias para obter alimento, como os chapins que aprenderam a furar as tampas das garrafas de leite para comer a nata no início do século XX na Inglaterra, muitos insetos desenvolvem novas táticas para fazer seu ninho dentro da selva de asfalto.
No Japão, os corvos aprenderam a explorar o trânsito para abrir nozes: eles as colocam na rua, esperam que os carros passem e quebrem a casca, e depois esperam que o semáforo fique vermelho para recuperar o butim.
As mudanças climáticas também estão contribuindo para modificar o ambiente urbano, favorecendo a presença de espécies que antigamente estavam totalmente ausentes nas regiões do Norte da Itália, como a lagartixa e outra espécie de vespa, a Vespa orientalis.
Voltando ao livro de Schilthuizen, os animais na cidade apresentam comportamentos cada vez mais empreendedores e estão se tornando resistentes aos fatores nocivos e perturbadores presentes no ambiente urbano.
Podemos dizer, portanto, que estamos perante um novo capítulo da história da evolução ainda totalmente a ser descoberto.
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A cidade dos animais: as espécies que se adaptam para viver entre nós. Artigo de Roberto Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU