Por: Patricia Fachin | 04 Setembro 2017
O fenômeno do desaparecimento das abelhas pode ser explicado cientificamente, diz Lionel Segui Gonçalves, especialista em genética de abelhas, à IHU On-Line. Segundo ele, esse fenômeno que tem ocorrido no mundo todo, e particularmente no Brasil, está associado ao uso de agrotóxicos que contêm neonicotinoides. No Brasil “já temos várias ocorrências. Lamentavelmente, o país é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, e as abelhas estão sofrendo com isso. (...) Gostaria de deixar claro que está havendo um massacre, principalmente nas nossas condições aqui no Brasil, em que a cada dia que passa nós temos mais ocorrência de perda de abelhas”, enfatiza.
De acordo com o professor Gonçalves, “as moléculas desse agrotóxico atuam diretamente no sistema nervoso das abelhas e, principalmente, no cérebro delas, causando um transtorno na comunicação das células nervosas. Com isso, a abelha acaba tendo uma deficiência na sua comunicação, o que faz com que ela fique desorientada, isto é, o plano de navegação dela fica prejudicado, de forma que ela não consegue voltar para sua fonte de origem, que são as colmeias, e acaba se perdendo”, explica.
Lionel Segui Gonçalves informa, na entrevista concedida por telefone, que o Brasil já perdeu mais de 20 mil colônias de abelhas, o que representa mais de um bilhão de abelhas mortas nos últimos anos por conta do uso indiscriminado de agrotóxicos. Se o uso desse tipo de substância não for barrado, o pesquisador diz que a tendência é que a polinização feita pelas abelhas seja substituída pela polinização humana, como já tem sido feito na China e no Brasil, como nas culturas de maracujá. “Existe uma região na China, a qual tive o prazer de visitar, onde há 20 anos houve o uso indiscriminado de agrotóxicos e as abelhas acabaram desaparecendo. Hoje, os chineses estão fazendo a polinização das suas árvores com suas mãos, utilizando uma vareta com pena de passarinho, onde colocam o pólen nas plantas, isto é, fazem o papel da abelha. Estou prevendo que esse também será o nosso futuro, caso não haja nenhuma atitude governamental no sentido de proibir ou, pelo menos, de haver um controle no uso de agrotóxicos”.
O pesquisador informa ainda que as abelhas são responsáveis por “70% da polinização das plantas utilizadas para a produção de alimentos e, com o desaparecimento das plantas, o primeiro impacto negativo que teremos é a falta de alimentos”. Na avaliação dele, a solução para interromper esse fenômeno é “incentivar a pesquisa para produzir a ‘praga da praga’, isto é, utilizar o controle biológico para eliminar as pragas da agricultura”.
Lionel Segui Gonçalves é graduado em História Natural, que atualmente corresponde às Ciências Biológicas, pela Unesp de Rio Claro-SP, e doutor em Genética de Abelhas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP-USP. É professor aposentado da USP, professor emérito do CNPq e membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Que relações o senhor estabelece entre o uso de agrotóxicos e o desaparecimento das abelhas? O senhor tem dito que particularmente os agrotóxicos que possuem nicotina em suas fórmulas bloqueiam a comunicação entre as células do sistema nervoso das abelhas. Por que isso ocorre?
Lionel Segui Gonçalves — Inicialmente gostaria de dizer que o grande problema do desaparecimento das abelhas é um fenômeno internacional que já vem ocorrendo há alguns anos, e vem se intensificando muito em vários países, inclusive no Brasil, onde já temos várias ocorrências. Lamentavelmente, o país é um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, e as abelhas estão sofrendo com isso.
O Colony Collapse Disorder - CCD, ou a Síndrome do Desaparecimento das Abelhas, é um fenômeno que vem ocorrendo e que foi detectado em vários países, mostrando que a presença de agrotóxicos do grupo dos neonicotinoides tem sido o principal responsável pelo desaparecimento, uma vez que as moléculas desse agrotóxico — que são muito fortes — atuam diretamente no sistema nervoso das abelhas e, principalmente, no cérebro delas, causando um transtorno na comunicação das células nervosas. Com isso, a abelha acaba tendo uma deficiência na sua comunicação, o que faz com que ela fique desorientada, isto é, o plano de navegação dela fica prejudicado, de forma que ela não consegue voltar para sua fonte de origem, que são as colmeias, e acaba se perdendo. Essa é a explicação científica do problema do desaparecimento. Agora, independentemente do nome que se dê, se é síndrome, desaparecimento ou morte, o que gostaria de deixar claro é que está havendo um massacre, principalmente nas nossas condições aqui no Brasil, em que a cada dia que passa nós temos mais ocorrências de perda de abelhas.
Desenvolvemos um aplicativo em Ribeirão Preto, chamado de Bee Alert, que permite que os apicultores, meliponicultores e demais interessados em abelhas obtenham informações diretamente dos locais onde ocorreram perdas, e façam um registro no Bee Alert. Quanto a isso, gostaria de dizer que, até dezembro de 2016, já haviam sido registradas mais de 300 ocorrências no Bee Alert, o que significa uma perda de mais de 20 mil colônias de abelhas, tanto apis melifera quanto abelhas sem ferrão e abelhas solitárias, de tal forma que as apis estão sendo prejudicadas em 87% e os meliponíneos em 13%. Isso representa um total de mais de um bilhão de abelhas mortas; e o principal causador são os agrotóxicos.
IHU On-Line — O que esse percentual significa? É possível estimar?
Lionel Segui Gonçalves — Não, não é possível, porque no Brasil existem dois grupos que estão fazendo esse levantamento. Um é o grupo do qual faço parte, que há três anos está fazendo coleta através do Bee Alert. O outro é o grupo chamado Projeto Colmeia, que também coleta dados com os apicultores, mas o grupo do Projeto Colmeia é financiado pelas multinacionais e nós não temos acesso às informações, apenas a um relatório que apresenta um número relativamente baixo de ocorrências. Nosso interesse é chamar a atenção para o uso indiscriminado dos agrotóxicos no Brasil.
IHU On-Line — É possível estimar a partir de que momento as colmeias de abelhas começaram a desaparecer no Brasil? Em que regiões do país o desaparecimento das abelhas é maior?
Lionel Segui Gonçalves — Sim. Nós temos um mapa do Brasil onde estão lotados todos os registros mostrando a ocorrência da morte de abelhas nos estados brasileiros – 14 estados já foram atingidos, sendo que o maior índice de desaparecimento das abelhas ocorre nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e a maior frequência é no estado de São Paulo, com 55%. Curiosamente, tem um trabalho feito por uma pesquisadora da USP de São Paulo, que se chama Larissa Bombardi, onde ela faz um levantamento da distribuição ou da utilização dos agrotóxicos nos municípios do país. Ela também fez um mapa da distribuição geográfica desses agrotóxicos e essa distribuição bate, exatamente, com as ocorrências que temos registrado de morte de abelhas. Então, nosso mapa do Bee Alert coincide com o mapa da distribuição de agrotóxicos feito pela Bombardi em 2016.
IHU On-Line — Existe alguma discussão entre o seu grupo de pesquisa e os órgãos públicos, como o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Agricultura e a Anvisa em relação aos danos causados às abelhas pelo uso de agrotóxicos, já que esses são os órgãos responsáveis pela autorização do registro dessas substâncias?
Lionel Segui Gonçalves — Sem dúvida. Esse é um tema que estamos discutindo há três anos: já estivemos no Ministério do Meio Ambiente, já estivemos em contato com o Ibama, já fizemos abaixo-assinado de e-mails de pessoas que têm interesse em chamar a atenção dessa situação, já entregamos um abaixo-assinado com 23 mil assinaturas tanto para o Ministério do Meio Ambiente quanto para o Ministério da Agricultura e para o Ibama. E, de lá para cá, nós temos participado de um número bastante significativo de reuniões no Brasil a respeito desse problema. Recentemente estivemos na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, onde foi discutida essa questão, sob a coordenação de um deputado do Partido Verde, padre Afonso, que está altamente interessado em chamar a atenção das autoridades a respeito do uso indiscriminado dos agrotóxicos. Logo, várias iniciativas têm sido feitas, mas, lamentavelmente, a frequência do uso dos agrotóxicos está cada vez maior.
IHU On-Line — Qual sua percepção sobre a recepção dos órgãos acerca dessas informações que o seu grupo de pesquisa tem levantado?
Lionel Segui Gonçalves — A percepção é a de que temos uma perspectiva de que, no futuro, estaremos trabalhando — como é hoje na China — com a figura do homem-abelha, que passa a fazer a polinização com as mãos. Existe uma região na China, a qual tive o prazer de visitar, onde há 20 anos houve o uso indiscriminado de agrotóxicos e as abelhas acabaram desaparecendo. Hoje, os chineses estão fazendo a polinização das suas árvores com suas mãos, utilizando uma vareta com pena de passarinho, onde colocam o pólen nas plantas, isto é, fazem o papel da abelha. Estou prevendo que esse também será o nosso futuro, caso não haja nenhuma atitude governamental no sentido de proibir ou, pelo menos, de haver um controle no uso de agrotóxicos.
IHU On-Line — Como os chineses fazem esse processo de polinização? É possível fazer um processo de polinização adequado desse modo?
Lionel Segui Gonçalves — Você falou a palavra-chave: “adequado”. Lógico que não. O modo adequado é feito somente pelas abelhas; o homem fará uma tentativa de resolver alguns problemas. Nós, aqui no Brasil, já estamos fazendo isso com o maracujá, que é polinizado por uma abelha chamada mamangava, e essa abelha tem sido eliminada. Estão fazendo a polinização do maracujá com o próprio dedo ou com cotonete, mas isso jamais substituirá o papel da abelha. A perspectiva é muito ruim e vejo com uma preocupação muito grande o nosso futuro, uma vez que, até agora, nós não tivemos nenhuma resposta positiva do governo em relação ao controle dos agrotóxicos.
IHU On-Line — O senhor já disse que o trabalho desses insetos na natureza jamais será substituído pelas ações humanas nem pelos mais robustos ou aperfeiçoados robôs. Por que o trabalho que as abelhas fazem não pode ser substituído nem pela ação humana nem pela robótica?
Lionel Segui Gonçalves — Existem propostas nesse sentido da robótica, mas por enquanto é uma ilusão imaginar o uso da robótica para fazer a polinização, porque as abelhas passaram centenas de milhares de anos se adaptando para realizar esse trabalho. Para que fosse possível que minirrobôs fizessem a polinização, seria necessário um ajuste muito grande na programação, porque temos abelhas específicas para determinados tipos de plantas e, também, tem que se considerar a adaptação das próprias abelhas. Portanto, não acredito que a robótica possa vir a substituir esse trabalho; poderá haver exemplos pontuais onde um determinado robô possa realizar a polinização de um determinado tipo de planta, mas isso ainda é ilusão.
As abelhas são responsáveis, hoje, por 70% da polinização das plantas utilizadas para a produção de alimentos e, com o desaparecimento das plantas, o primeiro impacto negativo que teremos é a falta de alimentos. Veja o exemplo das amêndoas: elas dependem 100% das abelhas. A Califórnia, nos Estados Unidos, que é o maior produtor de amêndoas, usa aproximadamente dois milhões de colmeias só para polinizar as amêndoas. Outras culturas, como a maçã, dependem 90% das abelhas. Enfim, as frutas, de modo geral, necessitam das abelhas para realizar a polinização.
Então, sem dúvida nenhuma, a extinção das abelhas pode levar à falta de alimentos. Além disso, existe o problema das áreas verdes, porque essas áreas — matas, florestas, campos etc. — também são polinizadas pelas abelhas: 85% dessa área verde é polinizada por abelhas. Logo, se não existirem abelhas, também haverá uma catástrofe ecológica. Esse é o grande problema e, infelizmente, não temos ainda soluções palpáveis, a não ser tentar combater radicalmente os agrotóxicos ou defender o uso de controle biológico. A solução mais correta seria incentivar a pesquisa para produzir a “praga da praga”, isto é, utilizar o controle biológico para eliminar as pragas da agricultura. Não sou 100% favorável à extinção dos agrotóxicos, mas sou bastante radical contra o uso indiscriminado, em que não se pensa em outra alternativa a não ser atingir as pragas em prejuízo das abelhas, que estão sendo atingidas.
IHU On-Line — Dado o uso contínuo de agrotóxicos no país, o que seria uma técnica de manejo apropriada para a criação de abelhas? O uso de insumos biológicos ou de agrotóxicos que não contêm essa substância resolveria os problemas?
Lionel Segui Gonçalves — Sem dúvida alguma. O problema dos agrotóxicos com neonicotinoides é que eles são altamente eficientes contra pragas, mas matam, inclusive, as abelhas; logo, são altamente eficientes para eliminar os polinizadores de modo geral. Se fossem utilizados e pesquisados tipos de agrotóxicos menos agressivos, que pudessem atingir determinadas pragas e também fosse feito um controle desse uso, de tal forma que a aplicação do agrotóxico fosse combinada com os apicultores, seria melhor.
Outra coisa: o uso dos agrotóxicos através das avionetas tem sido feito de maneira bastante eficaz no uso do agrotóxico, mas nem sempre eficaz no uso do combate à praga. Isso porque ocorre deriva, normalmente, em função do clima e do vento e, com isso, o agrotóxico atinge principalmente áreas onde não estão as culturas dirigidas para o tratamento, e atingem as abelhas; esse é o grande problema.
IHU On-Line — O senhor costuma mencionar uma frase que é atribuída a Einstein, quando comenta a importância das abelhas para o ecossistema: “Se as abelhas vierem a desaparecer da face da Terra, quatro anos depois o homem também desaparecerá”. É isso mesmo?
Lionel Segui Gonçalves — Existe uma polêmica sobre a veracidade dessa declaração de Einstein. O importante é constatarmos — seja ou não verdade que ele tenha dito isso — o que está acontecendo: realmente as abelhas estão sendo eliminadas; esse é um ponto claríssimo para nós. Segundo, o papel das abelhas nos diferentes ecossistemas e na natureza é fundamental e isso já está devidamente comprovado através do papel delas na polinização.
Por outro lado, esse problema que você comentou, a respeito do desaparecimento do homem em função da falta de abelhas, como elas são responsáveis pela polinização das áreas verdes, faltando áreas verdes e as plantas que produzem oxigênio, logicamente isso atingirá o homem. E, não havendo a polinização, que é fundamental na natureza, nós teremos um déficit de plantas; havendo déficit de plantas, haverá um desequilíbrio de modo geral na ecologia e haverá falta de determinados organismos vegetais e animais. Com isso, acontecerá uma catástrofe mundial, porque o equilíbrio depende da presença das abelhas, que estão sendo eliminadas.
Eu não defendo a veracidade da declaração do Einstein, mas defendo a intenção que existe por trás disso, mostrando que se ocorrer o desaparecimento das abelhas, realmente haverá a possibilidade de sermos eliminados, não em quatro anos, como foi falado, mas em centenas ou milhares de anos.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Lionel Segui Gonçalves — Gostaria de dizer que há a possibilidade de nossa comunidade responder a esse fenômeno, por exemplo, questionando: “Como eu posso ajudar?”. Uma maneira seria não utilizar esses pesticidas, ou seja, substituí-los por controle biológico.
Sugiro que seja incentivada a cultura de abelhas, ou seja, é preciso cuidar das colmeias, ter uma colmeia de jataí em casa, porque as crianças podem aprender a importância dos insetos para o homem e através dessa cultura poderia ser difundida a relevância das abelhas.
Sugiro que as abelhas sejam protegidas e que sejam plantadas árvores para aumentar a fonte de alimento delas, que são as flores. Logo, havendo um incentivo para plantar árvores e cultivar flores, isso ajudará demais. E, também, precisamos questionar as nossas autoridades sobre a importância de se controlar o meio ambiente e não permitir qualquer tipo de ação na natureza que acabe destruindo o nosso meio ambiente. Essas iniciativas são importantes.
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O massacre das abelhas pelo agrotóxico. Nos últimos anos, mais de um bilhão de abelhas foram mortas no Brasil. Entrevista especial com Lionel Segui Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU