02 Mai 2024
"Hoje estamos diante de um mundo ainda dilacerado, estamos vivendo duas guerras, não podemos ficar apenas olhando. Cada um de nós pode fazer algo para deixar a essas crianças um mundo melhor. Para ensinar-lhes a tolerância e o respeito contra toda divisão".
O artigo é de Edith Bruck, poeta húngaro-italiana que sobreviveu aos campos de concentração, publicado por La Stampa, 25-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Contra o fascismo rasteiro e o antissemitismo, ensinamos tolerância aos jovens.
O 25 de abril [data do Dia da Libertação do Fascismo na Itália] não é só hoje, mas todos os dias do ano. A memória desse dia nos deve acompanhar e permanecer sempre presente. Especialmente no mundo em que vivemos hoje, na Itália que não tem escrúpulos em renegar alguns valores, uma vergonha justamente para quem viveu o 25 de abril e sabe seu valor. Considero vergonhoso o que está acontecendo, a censura que atingiu Antonio Scurati, um homem livre que deveria poder dizer o que pensa. No entanto, hoje existe um fascismo rasteiro no país que ainda não aceitou totalmente as contas com o passado. Não é possível que “antifascista” ainda seja uma palavra proibida. Somos todos antifascistas. Pelo contrário, o risco é que tornem todos os -ismos mais perigosos, a começar pelo racismo. E pelo antissemitismo.
Desde 7 de outubro, após a ação dos terroristas do Hamas no Nova Festival e o início do conflito na Faixa de Gaza houve um tsunami de antissemitismo em todo o mundo. Como se cada judeu fosse responsável pela política de Benjamin Netanyahu. Por que temos que ser julgados como se fôssemos uma totalidade? Como se nenhum de nós tivesse um pensamento livre? Essa forma de agir corre o risco de nos levar de volta aos anos mais sombrios. E infelizmente vemos sinais de regressão não só na Itália, mas em toda a Europa.
Uma Europa desunida diante de um mundo em guerra. Uma Europa inerme e impotente, onde Ilaria Salis ainda está na prisão, tratada de forma desumana na Hungria de Orbán, sem que ninguém levante a voz. Uma Europa que vira para a direita na França, na Holanda e na Suécia. Uma Europa em que os fascistas ainda são livres de se manifestar. No entanto, neste 25 de abril, gostaria de ver algum sinal de esperança, uma mínima sombra de paz. Gostaria que os homens parassem de se odiar. Não é retórica.
O Papa Francisco é o primeiro a continuar a clamar pela paz sem que ninguém o escute. Mas do passado deveríamos justamente aprender isto: afastar toda forma de ódio e alimentar aquele pouco de bem que existe em cada um de nós. Devemos isso especialmente às novas gerações, às crianças que são o nosso futuro. Eu estive em campos de concentração, mas voltei à vida sem a sombra de ódio dentro de mim. Não sei o que é o ódio e nunca quero saber. É por isso que digo: vamos parar de nos odiar. O único voto que quero fazer hoje é respeitar cada ser humano, do primeiro ao último, porque toda vida é igualmente válida e preciosa.
Há 62 anos dou testemunho, farei isso também neste 25 de abril, mesmo que esteja confinada a uma cadeira de rodas. Mas acredito que testemunhar e manter a memória é a coisa mais importante hoje. Eu me encontro com os jovens nas escolas, muitos me escrevem cartas, fazem perguntas sobre a minha experiência. Também escrevi um livro para as escolas, chama-se I frutti della memoria. Acredito que é importante dialogar com as crianças desde pequenas. Devemos contar-lhes o horror do Holocausto e deixar que saibam o que foram o fascismo e o antissemitismo. É um dever que temos para garantir que o que aconteceu nunca mais aconteça. Hoje estamos diante de um mundo ainda dilacerado, estamos vivendo duas guerras, não podemos ficar apenas olhando. Cada um de nós pode fazer algo para deixar a essas crianças um mundo melhor. Para ensinar-lhes a tolerância e o respeito contra toda divisão.
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Não apenas hoje, mas sempre. Eu gostaria que os homens parassem de se odiar. Artigo de Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU