Destaques de 20 a 26 de abril
Continuamos com a respiração presa, pois os conflitos do nosso tempo não parecem retroceder. Pelo contrário, eles dão sinais de um futuro pior. Entre estes conflitos está a guerra em Gaza que ameaça se alastrar para uma guerra regionalizada. Uma foto dramática; a perda da nossa capacidade de chorar; a mobilização indígena que mostra os novos protagonistas das lutas populares; as mortes no campo e a disparada da banalização do genocídio. Esses e outros temas estão nos Destaques da Semana do IHU.
Acompanhe também a versão em áudio.
A semana começou com uma foto que representa a dor humana, mas também o fosso da crise civilizatória em que nos metemos. Definitivamente, perdemos a capacidade de chorar e perdemos a nossa compaixão. A foto em questão, vencedora do World Press Photo, com uma mulher que segura uma criança morta em seus braços, assim como Maria fez com seu filho, é a representação encarnada da dor e sofrimento. Como bem observa Viola Ardone, no texto Aqueles corpos abraçados e mudos, símbolo da dor universal, esta é uma imagem que nos convoca a “chorar sem pretender explicações, sem querer entender, porque os mortos nunca estão errados, porque uma menina de cinco anos envolta num lençol branco tem sempre razão, seja qual for a sua nacionalidade, seja quem for o bandido”.
"A Pietà de Gaza" (Foto: La Stampa)
A guerra em Gaza ultrapassa 34 mil mortos, enquanto Israel pressiona e ameaça mais de 1,5 milhão de refugiados em Rafah e o conflito se expande no Oriente Médio. Como se não bastasse, foi encontrada uma vala comum no hospital em Khan Yunis – feita por soldados israelenses – com mais de 200 corpos de palestinos com sinais de tortura e violência.
Medical crews evacuate the bodies of dozens of Palestinians who were found in a mass grave in the courtyards of Naser hospital in Khan Younis city. pic.twitter.com/q6Jt3dKr0v
— Eye on Palestine (@EyeonPalestine) April 21, 2024
According to the Civil Defense, 392 bodies have been recovered from mass graves at Nasser Hospital, with 165 of them identified.
— Quds News Network (@QudsNen) April 26, 2024
They added that they lack the human resources and necessary equipment to continue the recovery of the dead bodies. pic.twitter.com/7CRvoftinX
As democracias ocidentais apoiam o genocídio que israel comete contra os palestinos. A guerra contra as crianças de Gaza é o mais vergonhoso fato do Século XXI. Há mais de 6 meses suas imagens correm o mundo, e ainda há quem defenda este crime contra a humanidade do sionismo. https://t.co/b6Wa7P8IZF
— Antifascismo não é radicalismo (@vermelhos_sim) April 26, 2024
O começo da semana também marcou a celebração do Dia da Terra. Esse ano, com uma preocupação a mais: a possibilidade da destruição da biosfera pela iminente guerra nuclear.
Ao fazer memória à data e, provocar-nos, por meio do pensamento de Bruno Latour, o franciscano Daniel P. Horan falou do nosso papel na crise climática e nos intimou a pensar na Terra todos os dias do ano: “lembremo-nos todos os dias de que também somos pó da terra (Gênesis 2,7) e temos a responsabilidade para com nossos semelhantes que compartilham nosso lar comum”.
E a Igreja Católica que, apesar dos discursos, documentos e posicionamentos papais, parece não aderir efetivamente à causa ambiental a partir das suas bases nas paróquias e congregações, foi provocada a abandonar os combustíveis fósseis pelo professor Daniel R. DiLeo, da Creighton University. Ele também conclamou os católicos a fazerem sua parte. Descarbonizar o planeta é tarefa de ontem, assim como evitar um desastre nuclear.
Celebrating #MotherEarth on #MotherEarthDay with a mandala of her gifts ,her leaves & flowers
— Dr. Vandana Shiva (@drvandanashiva) April 22, 2024
We are the earth , we are #EarthCommunity ,we are part of the Earth & community . We are not seperate.We are one in diversity , in autopoiesis ,in self organisation ,in harmony pic.twitter.com/j4GQIFjbNn
A perspectiva de uma guerra nuclear nos assombra e deixa temerários. Não é para menos, as guerras atuais, em especial o acirramento do conflito no Oriente Médio, nos fazem prender a respiração. E, para piorar nossa situação, as classes políticas estão letárgicas e não se deram conta dos perigos à vista: “estamos mais perto do que nunca da guerra nuclear e a classe política parece não entender isso”, coloca o médico Ira Helfand, um dos líderes da campanha pela abolição das armas atômicas. Enquanto isso, o papa pede, mais uma vez, a paz.
#Francisco continua a pedir pelo fim da #guerra!
— Vatican News (@vaticannews_pt) April 24, 2024
“Por favor, rezemos pela #paz! Rezemos pela martirizada Ucrânia: que sofre tanto, tanto. E rezemos também pelo Oriente Médio, por Gaza. Pela paz entre a Palestina e Israel, para que sejam dois Estados, livres e com boas relações." pic.twitter.com/RraCXGOyAE
Já no Planalto Central, embalados pelo slogan acima e seus cantos ancestrais, os indígenas marcam os vinte anos da maior mobilização indígena do país: o Acampamento Terra Livre – ATL, que foi oficialmente aberto nesta semana. O ATL é um grande encontro que reúne mais de 200 povos indígenas na capital federal.
Saving one of Brazilian Amazon’s largest Indigenous tribes | Witness Doc... https://t.co/4jt1C0LeYk via @YouTube
— Bruce Albert (@Bruce_Albert) April 25, 2024
Em luta pelo direito constitucional de ter garantida a demarcação de suas terras, os povos indígenas seguem erguendo a voz pelos seus direitos. E o que tem pautado as discussões e movimentações a partir do Acampamento neste ano são os posicionamentos contrários ao genocídio legislado do marco temporal e tantos outros projetos levados a cabo pelo trator do agro no Congresso.
Para Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, presente no #ATL2024, a promulgação da Lei 14.701 aumenta não só a violência e ameaça contra os povos indígenas do Brasil, mas também contra o território que os constitui. pic.twitter.com/H6Y4Zty4XS
— Cimi (@ciminacional) April 25, 2024
A mobilização se estende pela Praça dos Três Poderes. Indígenas ainda cobram as promessas de Lula de demarcar novos territórios e continuam de olho no STF, em especial no ministro Gilmar Mendes, que segue esquentando a cama para a bancada ruralista após pedir conciliação. Será que o senhor ministro não acompanhou a decisão colegiada dos seus colegas que reconheceu o marco temporal inconstitucional? Cabe lembrar que o ministro é dono de fazendas que ocupam o equivalente a 500 campos de futebol dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) das Nascentes do Rio Paraguai.
Juliana explica a gravidade da decisão de Gilmar e sua articulação com o agro destruidor. https://t.co/LSnn78xSRT
— Helena Palm 🇵🇸 (@helenapquist) April 23, 2024
Falando em mobilização, o artigo de Frei Betto, intitulado “Cabelos brancos”, deu o que falar. Para ele, ideias e utopias estão envelhecidas e vivemos um inverno que acomete as forças progressistas. Mas outras vozes se manifestaram sob perspectivas diferentes. O jovem Ruan de Oliveira Gomes apontou a presença das juventudes e a falta de representatividade em espaços, como no 12º Encontro Nacional do Movimento Fé e Política: “Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventudes libertadoras que ousam sonhar”.
Enquanto isso, o padre Flávio Lazzarin trouxe a perspectiva de que “o carisma da profecia não está mais confinado em âmbito eclesial e se encontra na prática e na palavra de figuras como Davi Kopenawa Yanomami e Nego Bispo”. Já na visão de Jung Mo Sung “não há juventude sem sonho; um jovem, em profunda crise, pode viver um tempo sem sonhos, mas não pode viver normalmente sem sonhos. O que acontece muitas vezes é que os jovens sonham um sonho diferente dos velhos. E, em outras vezes, os sonhos podem ser parecidos, mas sonhados em linguagens e símbolos diferentes”.
Se algumas utopias parecem envelhecidas, elas também podem ser renovadas dentro de antigos espaços. No último fim de semana ocorreu o 16º Encontro Estadual das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, em São Leopoldo (RS). O colega Gabriel Vilardi, que se fez presente no evento, acredita que “estes são os verdadeiros espaços de resistência, ainda que minoritários e sem apoio ou entusiasmo de padres e bispos na maioria dos lugares. Fato é que as Comunidades Eclesiais de Base ganharam um novo impulso e vêm assumindo com coragem as provocações do Papa Francisco”.
O IHU publicou uma página especial intitulada “CEBs: utopia da Igreja em saída”, que faz memória a esse importante movimento da Igreja na política brasileira, com inúmeros textos sobre as temáticas abordadas no encontro.
Mudando de assunto, mas ainda falando de resistência, acaba de sair mais um relatório Conflitos no Campo, com dados de 2023, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. Os números indicam que a falta de uma reforma agrária justa faz explodir a violência no campo: são 2.203 conflitos no ano passado, maior número já registrado desde o início do monitoramento em 1985, informou a Repórter Brasil.
Este ano Portugal celebrou, com muita festa, o enterro da ditadura Salazarista. A Revolução dos Cravos marca a liberdade do país que viveu 40 anos sob o regime ditatorial. Mas ainda estamos buscando explicações para saber como os portugueses, nas últimas eleições, abriram caminho para a extrema-direita que tem devaneios com a batuta repressora de António de Oliveira Salazar. No texto “Meio século depois de 25 de abril de 1974”, o historiador Valerio Arcary se faz a mesma pergunta.
O dia 25 de abril também marca outro importante momento na Europa: a Itália celebra a libertação europeia com o triunfo da democracia sobre o nazifascismo em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, não foi possível matar os ideais fascistas e nazistas, que voltaram a ser exaltados com uma força jamais vista e uma extrema-direita radicalizada.
Mundo afora a extrema-direita segue expandindo seu eleitorado e se radicalizando, e nós perdemos o bonde para compreender – e barrar – o fenômeno. “Agora, estamos atrasados. Sem parecer apocalíptico, mas simplesmente analisando a realidade, temo que possamos nos tornar a geração que verá como as democracias acabarão morrendo gradualmente em grande parte do globo para dar lugar a autocracias eleitorais que, sem serem os regimes totalitários dos anos entre as guerras, transformará a separação de poderes, as eleições livres e justas, o pluralismo político e informativo e o respeito pelos direitos das minorias em pálidas memórias do passado”, conclui Steven Forti, historiador e analista político, em longa análise publicada essa semana.
No domingo passado, Bolsonaro reuniu seus fiéis escudeiros em mais um protesto no Rio de Janeiro. Com um público com pouco mais de 30 mil pessoas, majoritariamente velhos e ricos, os discursos se repetiram e defenderam a “liberdade de expressão”, alardeada pelo milionário Elon Musk.
Aliás, “As disputas entre Musk e o STF no jogo da extrema-direita global” foi tema de uma live no IHU. A conferência contou com a presença do Prof. Dr. Sérgio Amadeu (UFABC), do Prof. Dr. Moysés Pinto Neto (Canal Transe) e da MS Letícia Duarte (Report for the World). Eles foram unânimes ao apontar que as desavenças entre Elon Musk e o STF é só a ponta de um iceberg muito mais complexo que envolve movimento e interesses da extrema-direita global.
Filme estrelado por Wagner Moura e dirigido por Alex Garland estreou nos cinemas e causou impacto, nos deixando em suspenso. Insegurança e caos que nos remetem a uma realidade cotidiana no Brasil. Confira a síntese de Neusa Barbosa (mas não perca o fôlego).
Encerramos nosso apanhado com os fatos da semana convidando você a ouvir o apelo do editorial do Vatican News, escrito por Andrea Tornielli: “Enquanto os crentes elevam orações a Deus para inspirar as escolhas dos governantes, milhões de pessoas unem suas vozes para elevar um grito de paz. A guerra é uma aventura sem retorno”. O título do texto destaca o futuro nebuloso que nos espera caso a ameaça nuclear se concretize: “É cada vez mais real o risco de que a escalada degenere em opções sem volta que arrastem o mundo inteiro para um conflito de consequências incalculáveis”.