Da miríade do Oriente Médio à violência do campo no Brasil. Destaques da Semana do IHU

Destaques de 20 a 26 de abril

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini e João Vitor Santos | 29 Abril 2024

Continuamos com a respiração presa, pois os conflitos do nosso tempo não parecem retroceder. Pelo contrário, eles dão sinais de um futuro pior. Entre estes conflitos está a guerra em Gaza que ameaça se alastrar para uma guerra regionalizada. Uma foto dramática; a perda da nossa capacidade de chorar; a mobilização indígena que mostra os novos protagonistas das lutas populares; as mortes no campo e a disparada da banalização do genocídio. Esses e outros temas estão nos Destaques da Semana do IHU.

Acompanhe também a versão em áudio.

Pietà de Gaza

A semana começou com uma foto que representa a dor humana, mas também o fosso da crise civilizatória em que nos metemos. Definitivamente, perdemos a capacidade de chorar e perdemos a nossa compaixão. A foto em questão, vencedora do World Press Photo, com uma mulher que segura uma criança morta em seus braços, assim como Maria fez com seu filho, é a representação encarnada da dor e sofrimento. Como bem observa Viola Ardone, no texto Aqueles corpos abraçados e mudos, símbolo da dor universal, esta é uma imagem que nos convoca a “chorar sem pretender explicações, sem querer entender, porque os mortos nunca estão errados, porque uma menina de cinco anos envolta num lençol branco tem sempre razão, seja qual for a sua nacionalidade, seja quem for o bandido”.

"A Pietà de Gaza" (Foto: La Stampa)

Banalização do genocídio

A guerra em Gaza ultrapassa 34 mil mortos, enquanto Israel pressiona e ameaça mais de 1,5 milhão de refugiados em Rafah e o conflito se expande no Oriente Médio. Como se não bastasse, foi encontrada uma vala comum no hospital em Khan Yunis – feita por soldados israelenses – com mais de 200 corpos de palestinos com sinais de tortura e violência.

 

 

Somos a Terra

O começo da semana também marcou a celebração do Dia da Terra. Esse ano, com uma preocupação a mais: a possibilidade da destruição da biosfera pela iminente guerra nuclear.

Ao fazer memória à data e, provocar-nos, por meio do pensamento de Bruno Latour, o franciscano Daniel P. Horan falou do nosso papel na crise climática e nos intimou a pensar na Terra todos os dias do ano: “lembremo-nos todos os dias de que também somos pó da terra (Gênesis 2,7) e temos a responsabilidade para com nossos semelhantes que compartilham nosso lar comum”.

E a Igreja Católica que, apesar dos discursos, documentos e posicionamentos papais, parece não aderir efetivamente à causa ambiental a partir das suas bases nas paróquias e congregações, foi provocada a abandonar os combustíveis fósseis pelo professor Daniel R. DiLeo, da Creighton University. Ele também conclamou os católicos a fazerem sua parte. Descarbonizar o planeta é tarefa de ontem, assim como evitar um desastre nuclear.

Fantasma da guerra nuclear

A perspectiva de uma guerra nuclear nos assombra e deixa temerários. Não é para menos, as guerras atuais, em especial o acirramento do conflito no Oriente Médio, nos fazem prender a respiração. E, para piorar nossa situação, as classes políticas estão letárgicas e não se deram conta dos perigos à vista: “estamos mais perto do que nunca da guerra nuclear e a classe política parece não entender isso”, coloca o médico Ira Helfand, um dos líderes da campanha pela abolição das armas atômicas. Enquanto isso, o papa pede, mais uma vez, a paz. 

“Nosso marco é ancestral”

Já no Planalto Central, embalados pelo slogan acima e seus cantos ancestrais, os indígenas marcam os vinte anos da maior mobilização indígena do país: o Acampamento Terra Livre – ATL, que foi oficialmente aberto nesta semana. O ATL é um grande encontro que reúne mais de 200 povos indígenas na capital federal.

Em luta pelo direito constitucional de ter garantida a demarcação de suas terras, os povos indígenas seguem erguendo a voz pelos seus direitos. E o que tem pautado as discussões e movimentações a partir do Acampamento neste ano são os posicionamentos contrários ao genocídio legislado do marco temporal e tantos outros projetos levados a cabo pelo trator do agro no Congresso.

A mobilização se estende pela Praça dos Três Poderes. Indígenas ainda cobram as promessas de Lula de demarcar novos territórios e continuam de olho no STF, em especial no ministro Gilmar Mendes, que segue esquentando a cama para a bancada ruralista após pedir conciliação. Será que o senhor ministro não acompanhou a decisão colegiada dos seus colegas que reconheceu o marco temporal inconstitucional? Cabe lembrar que o ministro é dono de fazendas que ocupam o equivalente a 500 campos de futebol dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) das Nascentes do Rio Paraguai.

Deu o que falar

Falando em mobilização, o artigo de Frei Betto, intitulado “Cabelos brancos”, deu o que falar. Para ele, ideias e utopias estão envelhecidas e vivemos um inverno que acomete as forças progressistas. Mas outras vozes se manifestaram sob perspectivas diferentes. O jovem Ruan de Oliveira Gomes apontou a presença das juventudes e a falta de representatividade em espaços, como no 12º Encontro Nacional do Movimento Fé e Política: “Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventudes libertadoras que ousam sonhar”.

Enquanto isso, o padre Flávio Lazzarin trouxe a perspectiva de que “o carisma da profecia não está mais confinado em âmbito eclesial e se encontra na prática e na palavra de figuras como Davi Kopenawa Yanomami e Nego Bispo”. Já na visão de Jung Mo Sung “não há juventude sem sonho; um jovem, em profunda crise, pode viver um tempo sem sonhos, mas não pode viver normalmente sem sonhos. O que acontece muitas vezes é que os jovens sonham um sonho diferente dos velhos. E, em outras vezes, os sonhos podem ser parecidos, mas sonhados em linguagens e símbolos diferentes”.

Antigos e novos espaços de resistência

Se algumas utopias parecem envelhecidas, elas também podem ser renovadas dentro de antigos espaços. No último fim de semana ocorreu o 16º Encontro Estadual das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, em São Leopoldo (RS). O colega Gabriel Vilardi, que se fez presente no evento, acredita que “estes são os verdadeiros espaços de resistência, ainda que minoritários e sem apoio ou entusiasmo de padres e bispos na maioria dos lugares. Fato é que as Comunidades Eclesiais de Base ganharam um novo impulso e vêm assumindo com coragem as provocações do Papa Francisco”.

O IHU publicou uma página especial intitulada “CEBs: utopia da Igreja em saída”, que faz memória a esse importante movimento da Igreja na política brasileira, com inúmeros textos sobre as temáticas abordadas no encontro.

A (não) Reforma Agrária

Mudando de assunto, mas ainda falando de resistência, acaba de sair mais um relatório Conflitos no Campo, com dados de 2023, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. Os números indicam que a falta de uma reforma agrária justa faz explodir a violência no campo: são 2.203 conflitos no ano passado, maior número já registrado desde o início do monitoramento em 1985, informou a Repórter Brasil.

25 de abril: liberdade portuguesa, liberdade italiana

Este ano Portugal celebrou, com muita festa, o enterro da ditadura Salazarista. A Revolução dos Cravos marca a liberdade do país que viveu 40 anos sob o regime ditatorial. Mas ainda estamos buscando explicações para saber como os portugueses, nas últimas eleições, abriram caminho para a extrema-direita que tem devaneios com a batuta repressora de António de Oliveira Salazar. No texto “Meio século depois de 25 de abril de 1974”, o historiador Valerio Arcary se faz a mesma pergunta.

O dia 25 de abril também marca outro importante momento na Europa: a Itália celebra a libertação europeia com o triunfo da democracia sobre o nazifascismo em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, não foi possível matar os ideais fascistas e nazistas, que voltaram a ser exaltados com uma força jamais vista e uma extrema-direita radicalizada.

Acordes da extrema-direita

Mundo afora a extrema-direita segue expandindo seu eleitorado e se radicalizando, e nós perdemos o bonde para compreender – e barrar – o fenômeno. “Agora, estamos atrasados. Sem parecer apocalíptico, mas simplesmente analisando a realidade, temo que possamos nos tornar a geração que verá como as democracias acabarão morrendo gradualmente em grande parte do globo para dar lugar a autocracias eleitorais que, sem serem os regimes totalitários dos anos entre as guerras, transformará a separação de poderes, as eleições livres e justas, o pluralismo político e informativo e o respeito pelos direitos das minorias em pálidas memórias do passado”, conclui Steven Forti, historiador e analista político, em longa análise publicada essa semana.

Xadrez da extrema-direita

No domingo passado, Bolsonaro reuniu seus fiéis escudeiros em mais um protesto no Rio de Janeiro. Com um público com pouco mais de 30 mil pessoas, majoritariamente velhos e ricos, os discursos se repetiram e defenderam a “liberdade de expressão”, alardeada pelo milionário Elon Musk.

Aliás, “As disputas entre Musk e o STF no jogo da extrema-direita global” foi tema de uma live no IHU. A conferência contou com a presença do Prof. Dr. Sérgio Amadeu (UFABC), do Prof. Dr. Moysés Pinto Neto (Canal Transe) e da MS Letícia Duarte (Report for the World). Eles foram unânimes ao apontar que as desavenças entre Elon Musk e o STF é só a ponta de um iceberg muito mais complexo que envolve movimento e interesses da extrema-direita global.

Guerra Civil: uma distopia ao alcance da realidade

Filme estrelado por Wagner Moura e dirigido por Alex Garland estreou nos cinemas e causou impacto, nos deixando em suspenso. Insegurança e caos que nos remetem a uma realidade cotidiana no Brasil. Confira a síntese de Neusa Barbosa (mas não perca o fôlego).

Ponto final

Encerramos nosso apanhado com os fatos da semana convidando você a ouvir o apelo do editorial do Vatican News, escrito por Andrea Tornielli: “Enquanto os crentes elevam orações a Deus para inspirar as escolhas dos governantes, milhões de pessoas unem suas vozes para elevar um grito de paz. A guerra é uma aventura sem retorno”. O título do texto destaca o futuro nebuloso que nos espera caso a ameaça nuclear se concretize: “É cada vez mais real o risco de que a escalada degenere em opções sem volta que arrastem o mundo inteiro para um conflito de consequências incalculáveis”.

Desejamos uma boa semana a todas e todos, chorando, mas mantendo vivas as utopias que remontam a um tempo de paz, em que éramos capazes de enterrar as guerras, os ditadores e o mal.