A “guerra santa” de Kirill e Putin

O patriarca Kirill com o presidente russo Vladimir Putin (Foto: Wikimedia Commons)

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24 Abril 2024

"Como podemos ver, a guerra na Ucrânia continua a dividir profundamente até mesmo as igrejas. Mas o movimento ecumênico não desiste de promover o diálogo, e a citada declaração da Kek (elaborada em conjunto com o Conselho ucraniano das igrejas e organizações religiosas), conclui ressaltando justamente 'a importância do diálogo e da reconciliação entre os atores religiosos e políticos como pré-requisitos indispensáveis ​​para alcançar uma paz duradoura na região', escreve Luca Maria Negro, presidente da Federação das Igrejas Evangélicas na Itália (FCEI), em artigo publicado por Riforma, 24-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O “Conselho Mundial do Povo Russo” é um fórum transnacional composto por representantes do governo russo, líderes de associações da sociedade civil, representantes das principais religiões presentes na Rússia, do mundo da ciência e da cultura e delegados das comunidades russas presentes nos vários países. Na conclusão da sua XXV reunião anual, em 27 de março o Conselho aprovou um documento intitulado O presente e o futuro do mundo russo, no qual se afirma que a operação especial russa na Ucrânia é uma “guerra santa” que visa “proteger o mundo do ataque do globalismo e da vitória do Ocidente, que caiu no satanismo."

Por que prestamos atenção à declaração de um organismo que está claramente alinhado com a propaganda de Putin? Porque o presidente do Conselho Mundial do Povo Russo é, de acordo com o seu estatuto, o Patriarca ortodoxo de Moscou, Kirill. Por essa razão, o secretário-geral da Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Pastor Jerry Pillay, considerando o fato de que a Igreja ortodoxa russa é uma das suas igrejas-membro, declarou em 12 de abril que “o Conselho ecumênico das igrejas não consegue conciliar a afirmação segundo a qual ‘a operação militar especial [na Ucrânia] é uma guerra santa’ com o que ouvimos diretamente do próprio Patriarca Kirill, nem com as posições assumidas pelos órgãos dirigentes do CMI, nem com o mandato bíblico que pede aos cristãos que sejam pacificadores no meio dos conflitos”.

Num encontro com o secretário-geral do CMI que aconteceu em Moscou, em maio de 2023, o patriarca Kirill havia, de fato, afirmado que qualquer referência à "guerra santa" no contexto atual era ligada puramente ao reino metafísico, e não ao conflito armado físico na Ucrânia. Kirill havia se declarado de acordo com o Secretário-Geral Pillay sobre o fato que nenhuma guerra de violência armada pode ser definida como “santa”. O documento recentemente aprovado “contradiz essa posição”, observou Pillay.

Desde a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, tanto o Comitê Central (em junho de 2022) como a XI Assembleia do CMI (setembro de 2022) afirmaram com força que “a guerra é incompatível com a própria natureza de Deus e sua vontade para a humanidade, e contra os nossos princípios fundamentais cristãos e ecumênicos", e denunciaram explicitamente a invasão da Ucrânia como "ilegal e injustificável." Além disso, rejeitaram “qualquer uso impróprio da linguagem e da autoridade religiosa para justificar a agressão armada e o ódio." Portanto, o secretário geral do CMI solicitou ao Patriarca Kirill “um encontro urgente para discutir a questão e encontrar uma forma para que as preocupações levantadas dentro da nossa comunhão de igrejas possam ser enfrentadas."

Também a Conferência das Igrejas Europeias (Kek), numa declaração datada de 15 de abril, no final da visita de uma das suas delegações à Ucrânia, afirmou: “Estamos profundamente perturbados pela cumplicidade da Igreja ortodoxa russa na legitimação desse conflito injusto. Após à invasão, a Kek solicitou abertamente o Patriarca Kirill a levantar a sua voz contra a guerra na Ucrânia, sem obter qualquer resposta. Condenamos também os documentos publicados recentemente pelo Conselho Mundial do Povo Russo, que justificam a agressão contra a Ucrânia. Como seguidores de Cristo, é profundamente angustiante ver uma Igreja endossar atos de agressão e violência que contradizem diretamente os ensinamentos de paz inerentes à fé cristã”.

Como podemos ver, a guerra na Ucrânia continua a dividir profundamente até mesmo as igrejas. Mas o movimento ecumênico não desiste de promover o diálogo, e a citada declaração da Kek (elaborada em conjunto com o Conselho ucraniano das igrejas e organizações religiosas), conclui ressaltando justamente “a importância do diálogo e da reconciliação entre os atores religiosos e políticos como pré-requisitos indispensáveis ​​para alcançar uma paz duradoura na região”.

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